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quarta-feira, maio 8, 2024
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Ministério Público abre ação contra o Banco do Brasil por envolvimento com a escravidão

O Banco do Brasil está sendo alvo de uma ação civil pública que visa investigar o papel da maior instituição financeira do país no tráfico de escravos no século 19. O BB tem até 17 de outubro para responder aos questionamentos feitos pelo MPF. Um dos objetivos é cobrar a reparação pela participação em um crime contra a humanidade.

Divulgada inicialmente pela mídia BBC News Brasil, essa ação civil é resultado de petição assinada por catorze historiadores especializados no assunto. Em matéria ao jornal francês Le Monde, Júlio Araujo, procurador do Ministério Público Federal e responsável pelo caso frisa que este é um processo sem precedentes. “A justiça brasileira finalmente analisará os danos infligidos pelas grandes instituições durante a escravidão e trabalhará por uma verdadeira política de reparação”, salienta.

Outras empresas, públicas e privadas, também serão alvo de investigações pela participação no tráfico de escravos. A escravização de seres humanos foi praticada no Brasil durante quase três séculos e meio. Historiadores calculam que, durante o período, cerca de 5 milhões de pessoas foram compulsoriamente retiradas de suas terras e comercializadas no país.

O auge do crime humanitário se deu entre o século 18 e meados do século 19. Somente no período de 1830 e 1850, foram cerca de 753 mil seres humanos sequestrados do continente africano e trazidos ao Brasil. Esses dados tornam o país responsável pelo maior crime contra a humanidade do século 19.

Compensação histórica

O Le Monde ouviu associações de descendentes de escravos e do movimento negro, tendo entrevistado Osvaldo Sérgio Mendes, dirigente do Movimento Negro Unificado (MNU) e da Secretaria de Gênero, Raça e Etnia do Sindsprev/RJ. Para Osvaldo, a ação judicial não pode resultar em simples trabalho acadêmico.

“Instituições como o Banco do Brasil praticaram a escravidão. Diante de tal crime, eles devem implementar uma reparação histórica, ou seja, em nossa opinião, financiar escolas, unidades de saúde e políticas públicas que possam melhorar concretamente a vida dos negros no Brasil.”, explicou.

Opondo-se a qualquer “compensação financeira individual”, o ativista vê nesta ação judicial “o início de um processo histórico muito maior” que visa todas as instituições privadas ou públicas que lucraram com a escravatura. No visor: bancos, seguradoras, companhias marítimas, universidades. Num país construído sobre o tráfico de escravos, a lista é interminável.

O BB tem vinte dias para apresentar uma resposta inicial à acusação e detalhar suas posições. Irá fazer como o Royal Bank of Scotland e o Bank of England que, na sequência do movimento Black Lives Matter, reconheceram o seu papel no tráfico de negros? Num primeiro comunicado de imprensa, publicado após as revelações da BBC News Brasil, a instituição reconheceu a necessidade de um “processo contínuo de reflexão” sobre a escravidão. “É um sinal importante de abertura e diálogo, bastante envolvente e que nos deixa bastante otimistas quanto ao futuro”, saúda o procurador Julio Araujo.

“Implementar reparação histórica”

Em três séculos, quase cinco milhões de africanos foram desembarcados no Brasil (quase metade do comércio de escravos no Atlântico), onde a escravatura só foi finalmente abolida em 1888. “O sistema “escravista” exigia um enorme capital e os seus intervenientes precisavam de um financiamento muito significativo. Obviamente o Banco do Brasil fez esse papel”, observa Martha Abreu, professora da Universidade Estadual do Rio e signatária da ação judicial.

“Esse tipo de investigação pode terminar em acordo consensual ou em julgamento. Ninguém sabe até onde isso pode chegar nesta fase”, continua ele. Para os historiadores, “trata-se de contar esta história corretamente. As empresas não podem mais lavar as mãos dos crimes que cometeram no século XIX”, afirma Martha Abreu, que acredita que o “BB” deveria começar financiando pesquisas sobre escravidão. “Queremos continuar a aprofundar esta história”, insiste a investigadora.

Empréstimos e créditos generosos

Fundado em 1808 pela monarquia portuguesa, então exilada no Rio de Janeiro para fugir das invasões napoleônicas, o BB também participou plenamente do sistema escravista. Os historiadores criticam-no nomeadamente por ter se financiado através da tributação dos navios negreiros vindos de África, mas também por conceder empréstimos e créditos generosos a muitos traficantes de escravos.

Refundado em 1853 após a falência, pelo Visconde de Mauá, o banco era uma instituição privada. Contava então entre seus principais acionistas vários latifundiários, senhores de escravos e traficantes de escravos, incluindo José Bernardino de Sá, um dos homens mais ricos do Brasil na época. Proprietário de terras, ele também teria participado pessoalmente da deportação de 20 mil escravos, apesar de uma lei que proibia o tráfico negreiro desde 1850.

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