28 C
Rio de Janeiro
quinta-feira, maio 9, 2024
spot_img

Crise do comércio do Rio gera cenário desolador de miséria e desemprego

O Cenário é desolador. A sensação de abandono e esvaziamento é completa. Quem atualmente percorre as principais ruas do Centro do Rio, como as da Carioca, Uruguaiana, Senado, rua do Rezende e Lavradio, entre várias outras, logo percebe o motivo: a quebradeira geral do setor de comércio e serviços no município, onde milhares de estabelecimentos foram fechados desde o início da pandemia de covid, no primeiro semestre de 2020. Pesquisa da Confederação Nacional do Comércio (CNC) aponta que o Estado do Rio foi a segunda unidade da federação onde mais lojas fecharam durante a pandemia, agravando ainda mais o desemprego e a miséria na capital e demais cidades fluminenses.

Segundo a mais recente Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) do IBGE, divulgada em 30 de novembro passado, o Rio de Janeiro apresenta a pior taxa de desemprego da Região Sudeste e a maior queda de renda no país. Embora a taxa de desocupação tenha caído 2% no último trimestre pesquisado, o índice continua sendo o pior da região.

Um dos “indicadores” empíricos desse agravamento é o aumento progressivo no número de pessoas que passaram a morar e viver nas ruas da capital fluminense, sobretudo após perderem seus empregos ou ocupações no setor de serviços.

Na busca de informações mais precisas, a reportagem do Sindsprev/RJ tentou contato com o Sindicato dos Lojistas do Comércio do Município do Rio de Janeiro (Sindilojas-RJ), que infelizmente ignorou os pedidos de entrevista. Já com o Sindicato dos Empregados no Comércio do Rio (SEC-RJ) a situação foi oposta: o presidente da entidade, Márcio Ayer Correia Andrade, conversou com o Sindsprev/RJ e respondeu a todas as perguntas formuladas por nossa reportagem, apresentando um panorama da atual crise do setor sob a ótica dos trabalhadores — leia a entrevista completa, ao final desta postagem.

Entre outros pontos, Márcio Ayer ressaltou que a atual crise do comércio, embora tenha se agravado com a pandemia de covid, já existia antes da chegada do coronavírus ao país. “Nós já vínhamos acompanhando a crise desde a época em que assumimos a direção do Sindicato dos Comerciários, entre 2015 e 2016. Nós estimamos que mais de 50 mil postos de trabalho foram perdidos desde o início da pandemia, o que é muita coisa”, afirmou ele, que desde 2014 — após a vitória da oposição contra os pelegos da família Mata Roma — dirige uma entidade com mais de 110 anos de existência e atualmente filiada à Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).

Leia os principais trechos da entrevista de Márcio Ayer (foto) ao Sindsprev/RJ.

“Mais de 50 mil postos de trabalho foram perdidos”, afirma Márcio Ayer                                                             

Comércio

Márcio Ayer fala sobre a crise do comércio no Rio de Janeiro. Foto: Niko.

Jornal do Sindsprev/RJNo Rio de Janeiro há um esvaziamento muito grande e uma crise sem precedentes no comércio. Qual a avaliação que você faz desse quadro?

Márcio Ayer – na verdade, nós já vínhamos acompanhando essa crise desde quando chegamos ao sindicato, entre 2015 e 2016. Nós tínhamos uma situação econômica um pouco mais favorável, mas que já expressava uma crise nos postos de trabalho, o que agravou-se com a pandemia e as consequentes dificuldades econômicas. Aí muitos postos de trabalho foram perdidos. Nós estimamos que mais de 50 mil postos foram perdidos desde o início da pandemia. Em nosso departamento jurídico, por exemplo, mais de 50% das procuras são de trabalhadores que foram demitidos e não receberam nenhum dos seus direitos ou verbas rescisórias. Além de demitirem, muitas empresas abriram falência, conformando um cenário desolador. É verdade que houve algum nível de melhora recente, mas ainda está muito aquém do que havia na época anterior à pandemia. Há um grande déficit de emprego no comércio do Rio.

Jornal do Sindsprev/RJcomo está a relação de vocês com as empresas do setor e quais as características da força de trabalho no comercio?

Márcio Ayer – a reforma trabalhista já nos trouxe muitas dificuldades do ponto de vista da negociação. Antes tínhamos a ultratividade, que permitia prorrogar as cláusulas dos acordos e convenções coletivas durante as negociações com as empresas. Identificamos que, por conta do contexto político que vivemos, os patrões aumentaram as pressões pela retirada de direitos. Por isso nosso esforço tem sido maior no sentido de garantir direitos conquistados, o que procuramos fazer despertando, nos trabalhadores, a consciência sobre a importância de se organizarem em torno do sindicato. Aqui no Rio de Janeiro temos um cenário distinto das demais regiões do país porque negociamos com 26 sindicatos patronais, incluindo a Fecomércio. Nossas negociações incluem convenções coletivas específicas para cada segmento. Temos, por exemplo, o sindicato dos lojistas (de shoppings e de rua), o setor de materiais de construção (varejista e atacadista), o setor de supermercados, com representação patronal para varejo e atacado. Então é bem difícil e complexo o quadro de negociações. Por isso que é demorado o prazo para concluí-las.

Jornal do Sindsprev/RJqual o impacto das novas tecnologias sobre a realidade dos trabalhadores do comércio? Recentemente houve mobilizações de trabalhadores de aplicativos. Como está essa situação?

Márcio Layer – temos convenções que proíbem trabalho do comerciário no dia 18 de Outubro, que é o dia do comerciário. Em algumas situações, vimos empresas funcionando de portas fechadas com trabalhadores de aplicativos. Nós não representamos esses trabalhadores, mas há uma grande exploração dessa mão de obra. Uma exploração que vem crescendo a cada dia. No caso da nossa base, os supermercados tentaram adotar check out para os clientes passarem os produtos sem a necessidade dos trabalhadores, mas felizmente a população não aderiu a isto. O que mais nos preocupa é a terceirização dos vendedores e gerentes de loja, que tem ocorrido via pejotização, além das vendas na internet por meio de QR Codes e códigos. O caso do grupo Ricardo Eletro é emblemático. Ele demite os trabalhadores e os contrata via site, sem vínculo algum, em troca de comissionamento pela realização de vendas. Isto tem acontecido com muita frequência, e é uma política que se intensificou após o golpe contra a então presidente Dilma (PT).

Jornal do Sindsprev/RJqual o total de trabalhadores representados pelo Sindicato dos Empregados do Comércio do Rio?

Márcio Ayer – o sindicato tem mais de 110 anos de existência e, em 1964, sofreu intervenção do governo militar instaurado após o golpe contra o então presidente João Goular. Os interventores permaneceram no sindicato até 2006, capitaneados pela família Mata Roma. Em 2014 o sindicato sofreu intervenção judicial e a Justiça do Trabalho afastou os diretores e familiares que se beneficiavam da estrutura do sindicato, retirando os pelegos da entidade. É preciso frisar que o golpe militar de 1964 interrompeu uma história de lutas do sindicato, que antes havia conquistado a regulamentação do trabalho aos domingos e a redução da jornada. A partir da intervenção da Justiça do Trabalho, em 2014, nós vencemos a eleição e, de imediato, constatamos desvios de recursos da ordem de mais de R$ 100 milhões, tudo praticado pela família que ficou quase 49 anos à frente da entidade. O fato de assumirmos o sindicato nessa situação foi algo que aumentou as dificuldades da nossa gestão, que também lutou contra a reforma trabalhista, no governo Temer, e contra a reforma da previdência, sob o governo Bolsonaro.

Jornal do Sindsprev/RJcomo está a participação do sindicato na luta contra as demissões e as perdas de direitos? Como recuperar empregos?

Márcio Ayer – o comércio, em sua maioria, é formado por pequenas e médias empresas, que têm dificuldade de acesso a crédito ou financiamento. As tentativas feitas pelo governo Bolsonaro, ao contrário do que diz o governo, contribuíram para aumentar a informalidade, o que é ruim. Antes do golpe contra a então presidente Dilma, tínhamos acesso a informações do Caged disponibilizadas pelo Ministério do Trabalho. Mas, após o golpe, acabou qualquer tipo de relação com os sindicatos. Hoje temos muitas dificuldades para acessar informações sobre nível de emprego e informalidade entre os comerciários. Entre 2016 e 2017, tínhamos 350 mil trabalhadores na base. Hoje estimamos em 280 mil o total de trabalhadores, devido à perda de postos de trabalho. A informalidade tem nos alarmado profundamente. A cada dia recebemos informações sobre trabalhadores pejotizados. Trabalhadores que perderam direitos ou que tiveram suas atividades terceirizadas.

Jornal do Sindsprev/RJ quais os setores do comércio que mais demitiram?

Márcio Ayer – os lojistas em geral, as lojas de shopping e de rua. Vemos isto no Centro do Rio e na Zona Norte, onde havia um comércio muito mais aquecido, mas que agora está de portas fechadas. O setor de supermercados foi onde mais cresceu o número de vagas, pois foi um dos setores que se beneficiaram da pandemia. Mesmo assim, tivemos uma negociação muito difícil com eles. Apesar de todas as dificuldades, garantimos um reajuste médio de 7,5% nas convenções coletivas.

 

NOticias Relacionadas

- Advertisement -spot_img

Noticias