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sábado, maio 4, 2024
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História do samba no Brasil é inseparável da trajetória de Ataulfo Alves

Há 53 anos falecia um dos maiores compositores brasileiros de todos os tempos: Ataulfo Alves. Ao longo de sua inesquecível carreira, Ataulfo Alves brindou a música brasileira com clássicos eternos como como ‘Ai, que Saudades da Amélia’ (parceria com Mário Lago); ‘Sei que é Covardia’; ‘Atire a Primeira Pedra’; ‘Na Cadência do Samba’; ‘Pois é’; e ‘Oh seu Oscar’, esta última em parceria com o também genial Wilson Batista.

A história de Ataulfo Alves confunde-se com a própria história do samba carioca e, de certa forma, mescla-se com as inestimáveis contribuições de outros monstros sagrados do gênero, como João da Baiana, Noel Rosa e Ismael Silva, este último fundador, junto com Alcebíades Barcelos (o Bide), da primeira escola de samba da história, a ‘Deixa Falar’, atual Estácio. Além de grande compositor, Ataulfo Alves foi, para a música, o que o craque Heleno de Freitas significou para o futebol: uma das mais elegantes personalidades do mundo artístico brasileiro de sua época.

Natural de Mirai (MG), Ataulfo Alves esteve, sobretudo, na vanguarda de sua geração, sendo um dos primeiros compositores de samba a se utilizar mais intensivamente de vozes femininas em suas gravações, como atestou o imenso sucesso de seu conjunto vocal, conhecido como ‘As Pastoras’. O compositor também contou, em diversas ocasiões, com o privilégio de ser acompanhado por nada menos que Jacob do Bandolim, cujos atributos musicais dispensam qualquer comentário adicional.

Veja a trajetória de outro grande compositor, Candeia: clique aqui.

Capítulo da vida de Ataulfo Alves que merece especial atenção é o de sua parceria musical com Wilson Batista. Parceria que bem reflete os meandros e influências político-sociais sobre a produção dos compositores brasileiros, especialmente durante o Estado-Novo de Getúlio Vargas. O conhecido samba ‘Bonde São Januário’ (Ataulfo-Wilson Batista), por exemplo, foi produzido sob influência do então Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), em consonância com a ideologia estadonovista de ‘revalorização da ética do trabalho’ no seio da classe operária. Diz a letra: ‘Quem trabalha é quem tem razão, eu digo e não tenho medo de errar, o bonde São Januário leva mais um operário, sou eu que vou trabalhar’, para em seguida concluir: ‘graças a Deus sou feliz, a boemia não dá camisa a ninguém, passe bem’. Bonde São Januário serviu como contraponto a uma composição anterior do próprio Wilson Batista (‘Lenço no Pescoço’), na qual o maior adversário de Noel Rosa fazia aberta apologia da malandragem, em versos como: ‘Meu chapéu do lado, tamanco arrastando, lenço no pescoço, navalha no bolso, eu passo gingando, provoco e desafio, eu tenho orgulho em ser tão vadio’. Era algo inaceitável pelos padrões do Estado corporativista então liderado por Getúlio Vargas.

Ataulfo Alves é referência entre compositores brasileiros.

Como ocorre com qualquer artista, muitas das produções musicais de Ataulfo Alves são inevitavelmente datadas em termos históricos e não é possível compreendê-las fora de seu contexto. É o caso da composição ‘Ai que Saudades da Amélia’, cuja letra diz:

“Ai, meu deus, que saudade da Amélia /
Aquilo sim é que era mulher /
Às vezes passava fome ao meu lado /
E achava bonito não ter o que comer /
Quando me via contrariado /
Dizia: “meu filho, o que se há de fazer!” /
Amélia não tinha a menor vaidade /
Amélia é que era mulher de verdade”.

Por representar a mulher de forma absolutamente submissa, obviamente que, em 2020, em face dos avanços do movimento feminista no Brasil e no Mundo, a letra de ‘Amélia’ seria no mínimo questionável. A letra e o espírito da composição, apesar de sua beleza melódica, são de um tempo histórico em que a emancipação das mulheres brasileiras ainda era considerado palavrão pela maioria dos homens, em que pese o fato de, já na década de 20, o Brasil ter tido inúmeros exemplos de mulheres plenamente emancipadas, como a compositora Chiquinha Gonzaga, a atriz Eugênia Moreyra e a escritora Júlia Lopes de Almeida, entre outras.

A entrada de Ataulfo Alves no meio artístico, como compositor, deu-se em 1933, quando Carmen Miranda gravou a música ‘Tempo Perdido’. Em 1958, Ataulfo Alves teve participação no filme ‘Meus Amores no Rio’. A musicografia de Ataulfo ultrapassa 320 canções. Intérpretes como Clara Nunes e os grupos Quarteto em Cy e MPB-4 também fizeram versões de suas músicas.

Para conhecer um pouco sobre Ataulfo Alves, escute a versão de ‘Leva Meu Samba’, interpretada por Sandra de Sá e grupo Fundo de Quintal.

 

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