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quinta-feira, maio 9, 2024
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Economista: MPs mostram perversidade do governo Bolsonaro com os trabalhadores

O economista Fernando Amorim, da subseção do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese) do Sindicato dos Bancários do Rio, concedeu entrevista, fazendo uma análise dos impactos da Medida Provisória 936, que prevê o corte total ou parcial de salário, e da MP 946, que extinguiu o PIS-Pasep. Ambas, editadas por Jair Bolsonaro, sob alegação de servirem para amenizar os efeitos da crise gerada pelo novo coronavírus sobre os trabalhadores.

O governo Bolsonaro editou a Medida Provisória 936 (MP 936), anunciada como forma de ajudar os trabalhadores a enfrentar a crise causada pela pandemia do novo coronavírus. Qual a sua opinião a respeito?

Fernando Amorim – A despeito de versar sobre “a manutenção do emprego e da renda”, a MP 936 tem um caráter perverso, uma vez que não garante a dignidade dos assalariados brasileiros. O intuito declarado da medida é de permitir a redução temporária da jornada de trabalho e dos salários, bem como a suspensão dos contratos de trabalho (o chamado lay-off). Na verdade, oferece aos trabalhadores um “benefício” que cobre, em geral, parte da perda de rendimentos durante esse período, além de permitir demissões para quem se recuse a participar, por exemplo.

Pode detalhar mais?

Fernando Amorim – Para entendermos o que está colocado, é preciso explicar os dois pontos principais da MP. No caso da redução de salário e jornada, a negociação pode ocorrer coletiva ou individualmente, o período máximo é de 90 dias e a redução pode ser de 25, 50 ou 75%, se em negociação individual, ou em percentual diferente, se em negociação coletiva. O governo, por sua vez, dará uma “compensação parcial” à queda do salário, o chamado Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda (BEPER), calculado com base no valor do seguro- desemprego. Já no caso da suspensão do contrato de trabalho, será feita mediante negociação individual ou coletiva, por um período máximo de 60 dias (podem ser dois de 30) e a compensação parcial. O BEPER, neste caso, será calculado com base no valor do seguro-desemprego (100% do valor-base, para empresas com receita bruta de até R$ 4,8 milhões, ou 70% do valor base + 30% do salário, para as demais empresas). Como resultado, os trabalhadores terão garantia “relativa” no emprego, uma vez que o período da garantia é de duas vezes o período de aplicação da medida (exemplo: se o acordo for de dois meses, somam-se mais dois meses de estabilidade), mas poderão ser demitidos sem justa causa, mediante o pagamento de uma indenização e aqueles que não aderirem também podem ser demitidos. Resumindo, não traz de fato estabilidade para o trabalhador e impõe um grande problema para o pós-pandemia, indo contra o discurso do governo de estar preocupado com a atividade econômica. A negociação individual vale para salários até R$ 3.135 e acima de R$ 12.202. Fora disto, a “negociação coletiva” tende a ser o principal canal de um possível acordo, mas ainda assim pode expor alguns trabalhadores que ganham menos que esse piso ou aqueles com formação universitária e recebam acima de R$ 12.202,00 (os chamados hipersuficientes). Esses poderão sofrer pressão para assinarem acordos individuais. Para efeito de negociação coletiva, a MP admite a convocação de assembleia, deliberação, decisão, formalização e publicidade de convenção ou de acordo coletivo de trabalho por meios eletrônicos e prazos reduzidos pela metade (usar tecnologias vai merecer atenção por parte do sindicato). Por último, os diversos setores da economia apresentam condições diferentes de lidar com a crise. Desnecessário comentar que, no caso do setor financeiro – pelo menos em sua grande maioria – a capacidade de manter salários durante os meses de pandemia é muito maior do que outros.

Esta pergunta é muito batida, mas é inevitável: quem perde e quem ganha com esta MP?

Fernando – Se compararmos com medidas tomadas em outros países, pode-se afirmar claramente que os trabalhadores brasileiros serão os mais prejudicados. Dinamarca e Holanda, por exemplo, garantem 100% do salário em seus programas, e mesmo países menos desenvolvidos como a Eslovênia, se comprometem a arcar com até 80%. Nesses casos, a falta de comprometimento do governo brasileiro com o emprego e a renda do trabalhador fica ainda mais explicita. Nada justifica o governo querer economizar nesse momento, a não ser uma ilusão de que voltará ao ajuste fiscal no pós-crise.

Em todo o mundo os governos vêm tomando medidas para arrefecer a crise de saúde, social e econômica causada pelo novo coronavírus. Não porque sejam bonzinhos, mas porque é preciso manter a economia funcionando da maneira menos precária possível, inclusive para tentar retomar o crescimento econômico pós-pandemia. A MP 936 cumpre esta função?

Fernando – Este é o ponto que poucas pessoas estão atentando. A MP, ao cobrir apenas parcialmente os salários – que, no Brasil já são em média baixíssimos, por sinal – não será capaz de tampouco solucionar um dilema, digamos, de ordem humanitária, que é possibilitar a sobrevivência digna ao trabalhador assalariado por 2 ou 3 meses. Mas pensando na economia, a possibilidade de demissões coletivas – em massa – no segundo semestre (se tratarmos como hipótese que o auge da pandemia vá até o meio do ano), por exemplo, tende a gerar um desarranjo sem precedentes na atividade econômica brasileira. Uma queda brusca da demanda agregada, não significará simplesmente uma queda no PIB, com possibilidade de retomada num segundo momento, mas uma quebradeira geral nunca antes vista na história do país, desorganizando por completo as cadeias produtivas. Nesse ponto, é preciso criticar alguns economistas mais ortodoxos que hoje estão (aparentemente) compreendendo a necessidade de o Estado gastar durante a pandemia, mas que seguem defendendo a volta do ajuste fiscal como solução logo adiante. A História já nos ensinou que “Economias de Guerra” encontram, necessariamente, um cenário caótico no pós-guerra e a necessidade imperativa, de sobrevivência mesmo, vai passar pelo gasto público e por canais públicos de reconstrução do país. Não porque eu quero, ou por um julgamento moral de que o Estado seja, necessariamente, melhor do que o mercado, mas por uma questão de precedência lógica: apenas o Estado, que imprime moeda – e liquida contratos em sua moeda – e fornece os marcos legais e institucionais para os demais agentes, pode fazer isso. Não por outra razão, outros países estão colocando como contrapartida a manutenção do emprego por vários meses adiante, para manter algum nível de atividade e organização, que possa ser estimulada no pós-pandemia. Se o Brasil não atentar para isso, corre-se o risco de não haver país para se reconstruir.

Até aqui, o governo tem economizado recursos para minimizar os efeitos da pandemia no Brasil. Ao mesmo tempo liberou mais de R$ 1 trilhão para os bancos. Como o senhor analisa este comportamento?

Fernando – Acho que existem alguns elementos que ajudam a nortear a avaliação sobre essas medidas de liberação de recursos. Primeiro que essa não é uma crise financeira, a priori, como a crise de 2008, com risco de contágio, que no fim sempre atinge o setor produtivo. Ao mesmo tempo, nada impede que se torne uma pelo caminho reverso (uma avalanche de quebradeiras e de defaults), então o Banco Central, como regulador, tem de estar atento aos canais de transmissão da crise. As medidas (e valores) incluídas para dar higidez e liquidez ao sistema, no entanto, precisam ser bem calibradas para não permitirem que o dinheiro fique empoçado no sistema financeiro e não chegue à sociedade. Infelizmente, aparentemente, boa parte do que foi anunciado até agora não está surtindo efeito e o crédito não está chegando na ponta. Talvez, fique evidente a necessidade de pensar formas de fazê-lo sem utilizar determinados intermediários. Caso contrário, não haverá como conter uma rápida disseminação da crise, o que, mais uma vez, vai contra o mantra do governo de “preservar a economia”. Outro ponto importante, é que algumas medidas já visam beneficiar o mercado financeiro permitindo a recomposição de seus portfólios. É o caso da resolução 4.975 do Conselho Monetário Nacional, que autoriza empréstimos por meio da Linha Temporária Especial de Liquidez (LTEL) ou da retomada de operações compromissadas de títulos soberanos denominados em dólar. A impressão que dá, é que existem medidas específicas para reduzir a exposição dos bancos, junto com outras medidas que a despeito das “intenções”, indiretamente, estão apenas repassando recursos a essas instituições sem qualquer contrapartida.

O ministro Paulo Guedes defendeu a realização de mais reformas para reduzir direitos, como forma de retomar o crescimento após a passagem da pandemia. Citou, entre elas, novas alterações nas leis trabalhistas, com mais redução de direitos. Como o senhor avalia os impactos de medidas como estas?

Fernando – O governo, por meio do ministério da Economia (de forma meio espertalhona), vem tentando aproveitar o momento de caos e da necessidade de uma série de medidas extemporâneas, para tentar passar pequenas reformas e “alterações”, sem que a sociedade se atente ou tenha muita resistência. Essas medidas, em linha com a ideologia que sempre defendeu, podem ser percebidas através da MP 927, de 22 de março, que visava autorizar a suspensão do contrato de trabalho por até 4 meses, sem garantia de renda e de emprego. Outros exemplos podem ser vistos em medidas ainda tramitação, como a PEC 10/20 (já aprovada na Câmara dos Deputados), que institui regime extraordinário fiscal, financeiro e de contratações para enfrentamento da calamidade pública nacional, incluindo a compra de títulos podres em mãos dos bancos, pelo Banco Central. Das últimas medidas anunciadas, inclui-se uma na calada da noite do dia 7 de abril, a extinção do Fundo PIS-Pasep, transferindo seu patrimônio para o FGTS, através da medida 946.

Pois é. O governo federal extinguiu o PIS-Pasep, dinheiro do trabalhador, que vinha da contribuição das empresas e era usado para complementar a renda dos assalariados. Alega ter tomado esta decisão para minimizar a crise social causada pelo novo coronavírus, autorizando o saque dos recursos já existentes via FGTS, com regras restritivas para isto. Como o senhor avalia esta MP?

Fernando – Esta medida, anunciada sem muito alarde, extingue o fundo do PIS-Pasep já a partir de 31 de maio, repassando seus recursos para o fundo de garantia. Ainda faltam elementos para compreendermos claramente o que o governo busca, mas sabendo de onde vem e que a MP autoriza saques da conta do FGTS por parte dos trabalhadores, podemos tentar dar algum pitaco. O valor de cada saque, segundo a medida, teria limite de R$ 1.045,00 por trabalhador e a data de início, 15 de junho. Tentando pensar com a cabeça do governo e tendo em vista a quantidade de saques que deverão ocorrer (daí talvez a lógica de turbinar o FGTS), o “esforço” do Tesouro Nacional para combater a crise causada pelo vírus, poderia ser um pouco menor, logo, o governo estaria “economizando” usando o dinheiro do trabalhador. Até lá, o governo já teria alguma noção mais exata da extensão da pandemia e, ao sacar o que já é seu, o trabalhador se tornaria menos “custoso” aos cofres do governo. Em suma, aproveitam a oportunidade para extinguir outro fundo público e “reduzir o tamanho do Estado”. Para além da perversidade, o que transparece mais uma vez é a ideia fixa do ajuste fiscal e a incapacidade de ler conjuntura.

 

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