Fornecimento obrigatório de EPIs; realização de exames periódicos, sobretudo para trabalhadores(as) expostos(as) a agentes químicos; modificar a legislação de saúde do trabalhador com relação a produtos químicos e cancerígenos, como benzeno, amianto e agrotóxicos; responsabilizar governos e empresas pelo adoecimento decorrente dos processos de trabalho; pelo fim do fatiamento das unidades federais de saúde.
Estas foram algumas das principais propostas aprovadas pela Conferência Livre de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora realizada na tarde desta quinta-feira (10/4), no auditório do Sindsprev/RJ. As conferências livres — como a do Sindsprev-RJ — são atividades preparatórias para a 5ª Conferência de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (CNSTT), que acontecerá entre 18 e 21 de agosto deste ano, com o tema “A Saúde no Mundo do Trabalho como Direito Humano”.
Na Conferência Livre do Sindsprev/RJ houve uma mesa de debate com Ariane Leites Larentis (pesquisadora do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana – Cesteh) da Fiocruz, Dominique de Matos Marçal (psicóloga do trabalho lotada na mesma instituição) e Daniele Silva Moreti (coordenadora da Comissão Intersindical de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora ‐ CISTT/RJ). A mediação ficou a cargo de Maria Ivone Suppo, dirigente do Sindsprev/RJ lotada em Niterói.
Processos de trabalho como fatores de adoecimento
Em sua fala, Ariane Larentis destacou a importância de se atentar para os processos de trabalho como fatores de adoecimento, mas propôs também uma reflexão que considere a inserção dos trabalhadores no conjunto da sociedade. “Durante a covid, vimos que os trabalhadores da saúde foram os primeiros a adoecer. A pandemia também nos permitiu ver que estavam ainda mais vulneráveis os trabalhadores de menor renda, pessoas negras, sem acesso a serviços de saúde e vivendo em situações precárias onde não há saneamento, entre outros serviços básicos. Assim, devemos pensar em saúde e adoecimento como reflexos da questão social. No Brasil, temos uma situação absurda na qual a informação sobre ocupação laboral dos pacientes não é obrigatória, quando esta é uma informação essencial para conhecermos sobre os processos de trabalho desses pacientes”, afirmou ela, para em seguida concluir a reflexão: “vejam o caso dos agrotóxicos usados no Brasil, muitos deles proibidos na Europa e em outros países. Vivemos um colonialismo químico que resulta em baixa qualidade de vida para os trabalhadores e a população. Para revertermos isto, temos que cobrar políticas públicas e coletivas, mas a partir de uma construção social”.
Palestrante que falou em seguida, Dominique de Matos Marçal também destacou os processos de trabalho como fatores de adoecimento. “As relações de trabalho provocam adoecimento, com impacto em nossas vidas, mas muitas vezes o trabalhador vive o drama de coletivizar os seus problemas. Esta situação piora na medida em que há um estímulo à individualização das relações de trabalho e dos cuidados com o adoecimento e a saúde, o que não encoraja as pessoas a compartilharem seus problemas. Infelizmente, a área de trabalho ainda está muito distante da compreensão do adoecimento”, afirmou ela.
Home Office promoveu dessocialização do trabalhador
Daniele Silva Moreti lembrou uma situação adversa para a classe trabalhadora, potencializada durante a covid por meio do home office. “O home office promoveu a dessocialização e individualização do trabalhador, e a política precisa dar conta disto pra acompanhar esta nova realidade. Por isto é muito importante fazer conferências livres como esta. Devemos dar conta das demandas de todos os trabalhadores, inclusive daqueles invisibilizados, falar de saúde como direito humano. Esses são os temas de que vai falar a 5ª Conferência Nacional. Precisamos também construir um controle social forte, por meio da participação dos movimentos sociais, até porque enfrentamos o fatiamento dos hospitais federais do Rio”, afirmou. Sobre este ponto, a Conferência Livre do Sindsprev/RJ criticou a postura do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que aprovou uma recomendação contrária ao fatiamento dos hospitais federais, e não uma resolução, que teria caráter obrigatório e impositivo. “Decisão de conselhos tem que ser sempre deliberativa. Se o CNS não faz isto, estará prevaricando”, explicou Daniele.
Convidados a fazerem perguntas às palestrantes, os servidores e servidoras presentes à Conferência Livre apresentaram seus questionamentos. Dirigente do Sindsprev/RJ em Niterói, Sebastião José de Souza propôs uma reflexão sobre o controle social. “Fica difícil falar de controle social, que passou a ser um controle aparelhado. Já vimos membros de conselhos de saúde se omitirem perante questões importantes, o que é muito ruim. Pra mim, falta muita coisa em termos de controle social. Nós, trabalhadores da saúde, estamos morrendo aos poucos. No dia a dia, é doente cuidando de doente”, disse ele.
Sobre assistência à saúde, Maria Celina de Oliveira — também dirigente do Sindsprev/RJ — pediu que as conferências livres, as conferências municipais e estaduais reivindiquem a volta das clínicas da família. “Essas clínicas são muito importantes para se evitar que pacientes esperem de 2 a 3 anos por atendimentos na fila do Sisreg. Para mim, todos os fóruns de saúde devem exigir que continuem as clínicas de especialidades, para que trabalhadores tenham onde se tratar”, frisou.

Falta política de saúde do trabalhador na rede federal do Rio
Servidora lotada no Hospital Federal Cardoso Fontes (HCF) e membro da nova direção do Sindsprev/RJ, Neusa Beringui relatou a difícil situação dos trabalhadores e trabalhadoras da rede federal do Rio. “Na rede federal não temos a saúde do trabalhador funcionando. Há colegas com 30 anos de serviço que nunca fizeram exames periódicos. Então, precisamos desse acolhimento nos nossos locais de trabalho porque o governo não faz o papel dele de cuidar da saúde. Trabalhamos com materiais biológicos e não temos cuidados específicos. Estamos interessados em construir uma proposta para que a saúde do trabalhador seja efetiva nas unidades públicas, em ampla perspectiva, garantindo esse direito”.
“Cada vez mais eu percebo o adoecimento na minha porta, com a diferença de que hoje eu não consigo buscar ajuda na unidade em que trabalho, o Hospital de Bonsucesso. Por conta do Sisreg, nós hoje não conseguimos ser atendidos pelos profissionais de saúde, o que me deixa ainda mais sujeita ao adoecimento. Aí eu percebo que a solução para o meu adoecimento é me afastar daquele local, o HFB, pois está insustentável permanecer ali”, completou Roseani Villela, servidora do HFB e membro da nova direção do Sindsprev/RJ.
Avaliação positiva da Conferência Livre no Sindsprev/RJ
Na avaliação geral, os servidores consideraram muito positivo o resultado da Conferência Livre realizada no Sindsprev/RJ. “Aprovamos importantes propostas que levaremos à 5ª Conferência Nacional. Quanto à recomendação do Conselho Nacional de Saúde sobre sustar o fatiamento da rede federal, é preciso que ela seja transformada numa lei contra o fatiamento”, disse Osvaldo Mendes, dirigente do sindicato e presidente do Conselho Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.
Em sua avaliação, Maria Ivone Suppo destacou a importância de construir propostas no âmbito municipal. “Precisamos de propostas às conferências estadual e nacional de saúde do trabalhador que incorporem políticas municipais. Se não fizermos isto, não vamos englobar os trabalhadores que hoje estão sem acesso a políticas de saúde. Daí a importância das conferências municipais e da participação de instâncias como Cerest e CISTT, fundamentais para criarmos políticas de saúde nos locais de trabalho. Precisamos que tudo saia do papel e seja colocado em prática”, destacou.
Membro do Departamento de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora do Sindsprev/RJ (DPSATT), Francisco Araújo ressaltou os desafios para as conferências. “Na recente conferência livre que fizemos em São Gonçalo, nós destacamos a importância do Cerest, que ainda é desconhecido pela maioria dos trabalhadores. Também debatemos a questão dos orçamentos para a saúde. Qual é, por exemplo, a fatia do orçamento da União destinada à saúde do trabalhador? Precisamos saber o que é destinado a municípios e estados, visando melhorar os orçamentos e implementar políticas efetivas na saúde do trabalhador”, resumiu.
A 5ª Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora terá três eixos temáticos: Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora; Novas Relações de Trabalho e Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora; e Participação Popular e Controle Social na Saúde do Trabalhador.