A Organização das Nações Unidas foi criada como um organismo multilateral de debates para intermediar o diálogo entre os países e tentar solucionar conflitos. Mas o presidente Jair Bolsonaro usou seu discurso na abertura da Assembleia-Geral da ONU, nesta terça-feira (20/9) como palanque eleitoral, o que só serviu para desmoralizar e isolar ainda mais o Brasil do restante do mundo.
Já tinha feito o mesmo um dia antes, quando usou o velório da rainha Elizabeth II com o mesmo objetivo, gerando um enorme desgaste internacional e virando piada em todo o mundo. Seu discurso nas Nações Unidas foi recheado de mentiras, a começar pelos ataques à candidatura Lula e à tentativa de esconder os escândalos do seu governo, envolvendo desvios de dinheiro público, como a rachadinha, compra de imóveis em dinheiro vivo e propinas em ministérios, ao dizer que ‘acabamos com a corrupção sistêmica’.
Para Henrique Acker, analista político e correspondente estrangeiro em Portugal do site Comunia, a fala mostra a forma desfocada como Bolsonaro atua na cena internacional. “Ele compareceu ao velório da rainha Elizabeth II e fez comício para os 30 bolsonaristas que estavam na Inglaterra. Não satisfeito, em seguida rompeu com todas as regras da diplomacia internacional e foi à Assembleia Geral da ONU que discutiria a crise mundial, a guerra na Ucrânia, a elevação dos preços do petróleo, gás e outras fontes de energia, e também a fome na África se aproveitando para falar do Brasil e fazer campanha eleitoral. Mais um desgaste para a sua administração caótica e delirante”, afirmou.
O correspondente lembrou que, contrariando o discurso ufanista de Bolsonaro, o banco Credite Suisse, divulgou na mesma terça-feira, relatório anual que aponta o Brasil como o campeão mundial da concentração da riqueza entre todos os países pesquisados em 2021. “Em 2020, 1% da população detinha 44% de toda a riqueza do Brasil; e, em 2021, chegou a 49,3%. Isso desmente completamente toda esta fábula montada por Bolsonaro e seu staff para apresentar uma prestação de contas de falsos avanços sociais e econômicos do Brasil sob a sua administração”, afirmou.
“Há uma crise de seca aqui na Europa, e o presidente brasileiro vai lá e se apresenta como um defensor de medidas contra o desmatamento, o que todos sabem que não é verdade, e se desmoraliza ainda mais com isto”, avaliou Henrique Acker.
Ataques à Lula
Na ONU, Bolsonaro mentiu também ao dizer que o combate à pandemia do novo coronavírus foi prioridade da sua gestão, quando o que aconteceu foi justamente o contrário, tendo seu governo boicotado a compra de vacinas e medidas preventivas como o uso de máscaras e quarentena, o que impediu o país de evitar 400 mil mortes. Teve ainda a cara de pau de dizer que tomou medidas para fazer a economia se recuperar dos impactos da pandemia, quando ao se negar a tomar as medidas necessárias para conter a disseminação da doença, manteve a economia estagnada por mais tempo.
Atacou diretamente o ex-presidente Lula dizendo que foi condenado em três instâncias por envolvimento em desvios na Petrobras, omitindo a informação de que as sentenças foram derrubadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Acusado em outros três casos, Lula foi absolvido. Voltou a mentir ao afirmar que a inflação brasileira é uma das mais baixas do mundo, quando, na verdade, é a sexta maior entre os países do G-20.
Covid-19
Disse que seu governo criou o auxílio emergencial para proteger a população dos efeitos da pandemia, quando, na verdade, o auxílio só foi criado por pressão da bancada da oposição no Congresso Nacional. Omitiu que várias medidas foram tomadas somente para melhorar seu desempenho nas eleições, como a manutenção apenas até dezembro do auxílio emergencial e a redução do ICMS sobre a gasolina.
“Ao injetar recursos públicos, através do auxílio emergencial, pela primeira vez em seu mandato conseguiu retirar a economia da estagnação em que se encontrava devido à sua política econômica. Mas esta foi uma medida eleitoreira que vai acabar em 31 de dezembro, quando termina o auxílio”, avaliou o economista Adhemar Mineiro.
Frisou que a redução do ICMS sobre a gasolina seguiu a mesma lógica eleitoreira, tendo efeito apenas momentâneo, enquanto durar a redução. Adhemar acrescentou que a medida está causando problemas graves para os estados, que têm no recolhimento do ICMS a sua principal fonte de receita.
Medidas eleitoreiras
“É uma bomba relógio que vai explodir no próximo governo. Criou um passivo que terá que ser pago mais à frente sem conseguir reduzir a inflação dos alimentos que continua muito alta, atingindo as famílias mais pobres”, disse. Lembrou que vários estados já acionaram a Justiça, conseguindo garantir a voltas do ICMS.
“Essa administração eleitoreira teve efeitos momentâneo sobre a economia, ao colocar renda na mão das pessoas, mas, de outro lado, vai gerar uma série de problemas. Este não é o cotidiano da gestão Bolsonaro, mas sim uma série de medidas que o governo está tomando para tentar reverter o cenário eleitoral que lhe é muito desfavorável”, avaliou o economista.
Inimigo das mulheres
Bolsonaro disse ainda que o Auxílio Brasil foi criado pelo seu governo, quando, na verdade, já existia com o nome de Bolsa Família no governo Lula. Mentiu descaradamente também ao dizer que ‘o Brasil é parte da solução’ ambiental, causando revolta por parte dos governantes dos demais países que sabem que o governo Bolsonaro estimulou o desmatamento da Floresta Amazônica e a invasão de reservas indígenas e desmontou os órgãos de fiscalização e controle, como o Ibama. Chegou a afirmar que a mata brasileira é do mesmo tamanho da época do descobrimento.
Disse que o desmatamento recorde da floresta é uma invenção da mídia nacional e internacional. Teve o desplante de afirmar que seu governo combateu ‘a violência contra a mulher com rigor’, quando ele próprio agride cotidianamente as mulheres, desde que era deputado, sendo o bolsonarismo inimigo das mulheres.
Se apropriou do 7 de setembro, Dia da Independência, para fazer campanha eleitoral e novamente ameaçar com um golpe de Estado, caso não ganhe as eleições no primeiro turno. Mas classificou a ilegalidade dos atos como ‘a maior demonstração cívica da história do país’.