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domingo, abril 28, 2024
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Apoiado em dados questionáveis e subnotificação, Nelson Teich quer fim do isolamento social

Um festival de mistificações e falta de compromisso com o SUS e a saúde pública. Foi assim a primeira (e lamentável) entrevista coletiva do novo ministro da saúde, Nelson Teich, realizada na tarde da última quarta-feira (22 de abril), em Brasília. Acompanhado de outros membros do governo Bolsonaro e do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, o ministro Teich iniciou sua entrevista afirmando que, até a próxima semana, vai apresentar um plano para relaxamento das medidas de distanciamento social vigentes no país, onde a covid-19 já causou quase 3 mil mortes e contaminou 46 mil pessoas, segundo dados do próprio Ministério da Saúde.

Especialistas em saúde das maiores e mais prestigiadas instituições de pesquisa do Brasil, como Fundação Oswaldo Cruz e Instituto Butantã, além da Organização Mundial de Saúde (OMS), vêm contudo alertando para os perigos de uma flexibilização precipitada do isolamento social, o que poderia acelerar a transmissibilidade da covid-19, aumentando exponencialmente os índices de contaminação, adoecimento e óbitos. Ao sinalizar com a proposta de relaxar o isolamento social, Nelson Teich atende às pressões de Bolsonaro, que relativizam o perigo de contaminação da covid-19 e colocam os interesses de capitalistas e especuladores acima da vida humana.

Ministro manipulou dados ao comparar Brasil com outros países

Durante a coletiva, Nelson Teich fez a estranha afirmação de que o Brasil ‘é um dos países com melhor desempenho contra a covid-19’. Como suposta justificativa, o ministro lançou mão de uma comparação no mínimo duvidosa entre a situação do Brasil e a de países como Alemanha, Itália, Espanha e Estados Unidos, utilizando como parâmetro o número de mortos por milhão de pessoas. Segundo o ministro, essa relação é, no Brasil, de 8,17 mortos por milhão de habitantes, contra 15 mortos, na Alemanha; 135 na Itália; 255 na Espanha e 129 nos Estados Unidos.

A comparação feita por Teich, contudo, não considera o fato de o Brasil ainda não se encontrar no mesmo estágio de evolução da covid-19 que o dos países citados, onde o pico de casos da doença já foi praticamente atingido ou está próximo de acontecer. O que o ministro da saúde fez, ao utilizar a inadequada comparação, tem nome: chama-se manipulação de informações, agrupadas sem qualquer rigor científico, com o objetivo de produzir um quadro ilusório a respeito de determinado fenômeno (no caso, a evolução da pandemia da covid-19 no Brasil).

Subnotificação de casos interessa ao governo Bolsonaro

A comparação com Alemanha, Itália, Espanha e EUA também foi inadequada porque não considera a subnotificação de casos no Brasil, onde ainda não foi implementada a testagem em massa de pacientes. A subnotificação é evidente porque há uma discrepância cada vez maior entre o número de casos confirmados de covid-19 e o aumento exponencial no número de óbitos (causados sobretudo por síndrome respiratória aguda) em todas as regiões do país. Em Manaus, por exemplo, antes do coronavírus havia uma média de 30 enterros por dia. Desde o dia 19/4, porém, os sepultamentos passaram a uma média de 120 por dia, embora, oficialmente, a capital do Amazonas tenha apenas 156 mortes por covid-19. No Distrito Federal, onde a testagem ampla foi iniciada na última terça-feira (21/4), com um grupo de 3.196 pessoas, confirmaram-se 46 novos casos de covid-19. Com a incorporação dessas ocorrências, o DF tem agora 903 casos confirmados e este índice tende a aumentar com a continuidade da testagem em massa.

“Está cada vez mais evidente, para todos nós, que manter a subnotificação é o que mais interessa ao governo Bolsonaro neste momento. Quanto menos casos forem confirmados, mesmo que pela via da subnotificação, mais argumentos o governo terá para suspender o isolamento social e reabrir as atividades econômicas, como querem os empresários e o sistema financeiro. Mas fazer isto é um atentado contra a saúde da população. É um atentado contra a vida”, analisou Sidney Castro, da direção do Sindsprev/RJ.

‘Nelson Teich não vai defender o SUS’, diz servidora

Repetindo o que dissera na semana passada, quando de sua indicação para substituir Mandetta no Ministério da Saúde, Nelson Teich mais uma vez afirmou, na entrevista coletiva, estar ‘preocupado com uma eventual sobrecarga do Sistema Único de Saúde (SUS)’, aumentada pela demanda de pacientes que, devido ao desemprego, perderam seus planos de saúde. Para Rolando Medeiros, da direção do Sindsprev/RJ, a fala mostrou o total descompromisso de Nelson Teich com a saúde pública e seu desconhecimento sobre os fundamentos do SUS. “O ministro precisa aprender que o SUS, criado pela Lei 8080, é um sistema universal e público de saúde. Portanto, não tem essa de que vai ou não ficar sobrecarregado. O SUS tem de atender a todos os pacientes que procurarem as unidades públicas de saúde, e ponto final. O governo Bolsonaro que resolva o problema, pois também ajudou a sucatear os hospitais. O que não pode é a população ficar desassistida”, afirmou.

“Nelson Teich não é do SUS, não entende de SUS e não vai defender o SUS. O que ele vai defender é a proposta do governo Bolsonaro, de acabar com o isolamento social. O novo ministro veio exatamente para isto. Ele é uma pessoa que veio do setor privado, que não está nem aí para a saúde pública. Quem bate palmas para isto tudo não está valorizando a vida, que é a coisa mais importante que existe”, criticou Ivone Suppo, também dirigente do Sindsprev/RJ e da Regional Niterói.

Servidora do Hospital Federal Cardoso Fontes (HCF) e dirigente regional do Sindsprev/RJ que recentemente cumpriu quarentena de 15 dias após seu teste confirmar positivo para covid-19, Cristiane Gerardo fez duras críticas ao sucateamento e à falta de profissionais na saúde. “Na última quarta-feira [22], transformaram uma Unidade de Pacientes Graves, entubados, que tinha 6 pacientes, numa unidade com 12 pacientes, todos no mesmo espaço. O pior é que o número de servidores continuou o mesmo. Não dá mais pra não enfrentarmos o problema da carência de profissionais. A emergência do hospital estava ontem (quarta-feira) com 23 pacientes de covid-19 que ainda não conseguimos transferir. Esta realidade desmente as falácias do ministro da saúde”, resumiu.

Estimativas do Ministério da Saúde e das secretarias estaduais e municipais de saúde da maioria dos estados brasileiros apontam para o colapso total da rede pública de saúde nos próximos dias, o que significa falta de UTIs com ventilação para atendimento de pacientes graves da covid-19. No Rio de Janeiro, por exemplo, mais de 90% dos leitos de UTI já estão ocupados, incluindo o hospital municipal Ronaldo Gazolla, sem contar os graves problemas de sucateamento, falta de leitos e EPIs nas unidades estaduais e federais. Em São Paulo, no hospital Emílio Ribas, centro de referência no atendimento a portadores de doenças infectocontagiosas, já não há mais leitos desse tipo disponíveis. Sete outros estabelecimentos da capital paulista já chegaram a 70% de ocupação. No Ceará, 100% dos leitos de UTI estão ocupados, e em Recife a ocupação é de 99%.

 

 

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