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domingo, novembro 24, 2024
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Debate no Cardoso Fontes: respeito à população transgênero é garantia prevista em lei e na Constituição

O respeito à população trans é um direito garantido em lei, na Constituição Federal e por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), sendo, portanto, uma questão de cidadania inquestionável, inclusive com normas editadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), tendo que ser respeitada pelos servidores de todas as unidades hospitalares. Esta foi a visão unânime dos palestrantes que participaram do debate “Saúde e população LGBTQIAPN+: desafios e perspectivas”, no auditório do Hospital Cardoso Fontes, em Jacarepaguá, na última quarta-feira (23/11).
Promovido pelo Centro de Estudos da unidade federal, com apoio do Sindsprev/RJ, o evento foi organizado em função da denúncia de tratamento discriminatório de uma funcionária do hospital a uma mulher transgênero. Ela acompanhava um familiar e foi questionada quanto ao uso do banheiro feminino. O caso ocorreu no dia 29 de setembro e está sendo investigado pela Polícia Civil, para que seja apurado se é caso de discriminação e transfobia.
Devido à importância do tema, participaram da abertura do debate, o diretor do Departamento de Gestão Hospitalar (DGH), Alexandre Telles; Tatiane Barbosa, representando o diretor da unidade, Pedro de Jesus; e a diretora do Sindsprev/RJ, Christiane Gerardo. Foram palestrantes Maria Eduarda, advogada e presidente da ONG Grupo Pela Vida; a também advogada e integrante da Comissão de Direitos Humanos da OAB, Diana Conrado; a coordenadora das comissões de ética de enfermagem do Coren/RJ, Rosimeri da Silva; e Helder Campos, coordenador do Núcleo de Defesa da Diversidade Sexual e Direitos Homoafetivos (Nudiversis) da Defensoria Pública do Rio de Janeiro.
Transfobia é estrutural
Christiane ressaltou que a transfobia se choca com o cotidiano e o histórico da unidade de respeito à diversidade, tanto da população trans, como gays e lésbicas. “Este episódio não representa a nossa unidade, por isto a importância deste debate”, afirmou. Alexandre Telles frisou que o SUS tem uma politica de respeito à diversidade que deve ser seguida por todos os servidores da saúde que exige tratamento igual para todos os pacientes e acompanhantes. “Não podemos admitir o preconceito em nossas unidades”, acrescentou.
Maria Eduarda, que é uma mulher transgênero, ou seja, nasceu em um corpo masculino, lembrou que a discriminação de gênero é estrutural (existe em toda a sociedade), sendo ensinada em casa e nas escolas, assim como o machismo e o racismo. “A sociedade foi ensinada a aceitar apenas o cis gênero, ou seja, aquele que segue o gênero biológico registrado na certidão de nascimento e a não aceitar os que vivem uma transição de gênero. O que as pessoas têm que compreender é que não é o órgão sexual que vai definir a pessoa que vamos ser”, lembrou.
Acrescentou que a identidade de cada pessoa é definida pelo cérebro e não pela sexualidade. “Todos têm de ser respeitados, este direito está previsto na Constituição Federal que prevê o tratamento igualitário e, no caso do SUS, este direito é reforçado. No entanto, vivemos um contexto de exclusão em que o discurso do ódio é utilizado para influenciar as pessoas reforçando o preconceito, o que, além de desumano, é crime, no caso da transfobia e do racismo”, frisou. Disse que um importante exercício é se colocar no lugar do outro e entender o constrangimento causado pela discriminação.
Assista ao vídeo sobre a atividade no Cardoso Fontes, clicando no link abaixo:
Nome social X discriminação
Fazendo uma relação com o episódio investigado de transfobia no Cardoso Fontes, Diana Conrado lembrou que o nome social (escolhido pela pessoa para ser chamado) é um direito a ser respeitado. “Isto ocorre porque a pessoa não se reconhece pelo nome de registro de nascimento. O respeito ao nome social está previsto em decisão do STF, que vale, inclusive, para mudança do registro, mesmo sem autorização judicial ou cirurgia de resignação de sexo. Ou seja, é um direito que tem que ser respeitado em todo o lugar, inclusive nos hospitais”, disse.
Sugeriu que o nome social passe a constar de uma aba no prontuário. “Isto evitaria o constrangimento da pessoa ser chamada pelo nome de nascimento que não a representa, pelo contrário, só lhe traz sofrimento”, constatou. Explicou que a identidade de gênero de cada pessoa não é uma questão biológica, mas psicológica. “É como a pessoa se enxerga. Por isto não cabe ao outro dizer qual a identidade de gênero de cada pessoa”. Avaliou que o uso da abertura de uma aba com o uso do nome social resolveria 90% dos problemas de discriminação de gênero nos hospitais.
Criticou a conduta de levar a pessoa trans para um atendimento ‘especializado’. “É ilegal este tipo de procedimento por ser discriminatório. Para o atendimento básico não precisa de qualquer especialização”, afirmou. Lembrou que o artigo 15 da Constituição Federal prevê o tratamento igualitário, vedando, portanto, qualquer tipo de discriminação. “E, no caso específico do SUS fixa o direito universal à saúde, direito do cidadão e dever do Estado. É proibido o tratamento desigual, também, por normas éticas das profissões ligadas à saúde, como as da enfermagem, e por normas internacionais. Ou seja, o desrespeito às leis e outras normas é passível de punição”, registrou.
Rosimeri da Silva disse que, infelizmente, são recorrentes as denúncias de discriminação a pessoas trans e negras. Disse que além do preparo técnico para lidar com o paciente é preciso cuidado com a forma de tratá-lo. “Temos que ter essa sensibilidade e nos colocar no lugar do outro para garantir o melhor acolhimento possível”, recomendou. Disse que ouvir as palestras de duas mulheres trans (Maria Eduarda e Diana) foi um aprendizado. “É preciso ficar atentos para não agir com intolerância”, recomendou.
Dever do servidor
Helder Campos disse que a prática da transfobia, ou seja, a discriminação cometida contra a pessoa trans é um crime equivalente ao de racismo. “Nós, servidores, somos prestadores de serviço à população e, como tal, não interessa o que eu acho do paciente, se eu concordo se a pessoa é trans, ou não. Isso não é uma questão que nos diga respeito. Devemos agir conforme a lei, e a lei determina o tratamento igualitário”, ressaltou.
O defensor público ressaltou que por prestar um serviço ao público, o servidor não pode pautar sua conduta por motivos religiosos. “Se fizermos isto estaremos agindo de forma ilegal e inconstitucional. Temos que aceitar o nome social para a identificação, por exemplo, sem questionar. Porque isto já está definido pelo STF desde 2018, numa decisão que foi além ao definir a requalificação de civil a pedido da pessoa sem necessidade de processo judicial ou mudança de gênero por cirurgia”, lembrou.
Recomentou que, em caso de dúvida sobre o nome, o servidor pergunte à pessoa como gostaria de ser chamado. “Isso pode sanar a maioria dos problemas. E, quando ao uso do banheiro é algo que não cabe ser questionado. A pessoa pode usar o banheiro que quiser. Se alguma mulher cis se incomodar com a presença da mulher trans, ou se acostuma com a situação, ou pode se retirar”, disse.
O evento foi promovido pelo Centro de Estudos da unidade federal, com apoio do Sindsprev/RJ. Fotos: Mayara Alves.

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