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quinta-feira, novembro 21, 2024
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Doutor em História lança livro sobre a ameaça de golpe no Brasil

Golpe: a nova ameaça

Por Lincoln Penna

Deve sair até meados do ano o meu livro sobre Golpes no Brasil.

Ocupo-me do período republicano, portanto desde o golpe de 1889. Faço este registro para advertir sobre a possibilidade de que o recurso ao golpe não se encerrou em nossa história contemporânea, dado que há evidências de novas investidas nesse campo por parte do presidente Bolsonaro.

Alguns dirão, mas para que ele daria um golpe se já está de posse do exercício pleno da presidência da República, eleito que foi e ainda dispondo de uma base de apoio parlamentar, sem contar com seus aliados mais indigitados? Ocorre que sua personalidade autoritária não admite contestações. Com isso, a prática do contraditório inerente ao jogo democrático ele a desdenha, pois só aceita a adesão incondicional. Mas diante de revezes continuados, acuado pela avaliação em queda nas pesquisas, seu precário arsenal de argumentos para reconquistar o apoio que chegou a ter é ínfimo.

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Da análise empreendida sobre a dezena de golpes ocorridos ao longo do período da República percebi fatores comuns entre todos eles ou quase todos, uma vez que houve modalidades distintas de golpes, pois nem todos recorreram a ações militares. Uma dessas similitudes se encontra na desqualificação dos ocupantes dos cargos de chefia da presidência.

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As razões alegadas foram variadas, desde a da legitimidade sobrepujando a legalidade, as das interpretações constitucionais para justificar as intervenções golpistas, ou ainda as de razão de cunho ideológico pautadas sempre em argumentos políticos e jurídicos.

Em muitos dos golpes a interferência de interesses externos foi patente, sobretudo o de 1964, cuja ação golpista está hoje amplamente documentada. E tendo em vista a posição ocupada pelo Brasil no contexto da geopolítica mundial tal interferência tende a crescer ainda mais. Logo, essa componente exógena torna-se uma poderosa aliada dos grupos vinculados às forças golpistas endógenas.

E isso em virtude de haver um conluio contra o desenvolvimento nacional independente capaz de integrar parcelas consideráveis do povo brasileiro nesse processo de libertação de nossas amarras.
Assim, a vocação retrógrada das classes dominantes brasileiras tem favorecido o projeto de alinhamento automático do país com um dos mais destacados representantes desses interesses externos que são os

Estados Unidos, uma vez que a sua política imperialista para a América Latina jamais sofreu qualquer mudança substancial independentemente dos governos norte americanos, sejam eles democratas ou republicanos.

Essa percepção já era observada por nossos mais argutos intérpretes dos anos que se estendem dos primórdios da República até as vésperas do grande golpe de 1964, mas com o acesso à documentação possível hoje em dia não se discute mais a existência da pareceria entre a eterna Casa Grande brasileira e os sempre ávidos representantes do capitalismo hegemônico, que ainda perdura no continente muito embora agora ameaçado pela rápida expansão chinesa no mundo.

A soberania nacional tem sido freqüentemente objeto de violações através de acordos e iniciativas a unir as burguesias que operam no mundo e encontram respaldo permanente no Brasil. Ainda assim, até pouco tempo atrás houve resistências que influíram na luta contra a entrega de nossos recursos fundamentais, inclusive junto a governantes minimamente comprometidos com o povo. Contra essa resistência dois aríetes passaram a ser sistematicamente utilizados pela reação nacional e internacional do mundo do capital: o velho chavão anticomunista, e o também recorrente uso do combate à corrupção associado costumeiramente às forças democráticas populares e de esquerda aonde se expressa o anti-capitalismo.

Eis que no Brasil tais expedientes precisavam de um governo em condições de operar a remoção de todas as tendências democráticas voltadas para cumprir agendas que conduzissem o país para as transformações estruturais.

Mais do que a vitória eleitoral era preciso que diante da eventualidade do fracasso desse governo se abrisse o caminho ao golpe definitivo de todos quantos tinham sido realizados, mediante o uso de meios legais ou até mesmo extralegais. Recurso tolerado por quem não admite mais o retorno de projetos reformistas que abram perspectivas revolucionárias.

Estamos, pois, em meio à nova encruzilhada. Ou bem continuaremos reféns da narrativa golpista de uma barbárie instalada e realimentada sob o pretexto esquizóide de ser contra a suposta ameaça de implantação do comunismo e da volta da corrupção (sic), de modo a mascarar a exploração do povo brasileiro; ou encerramos a nossa pré-história e abrimos os horizontes para a construção de uma sociedade justa e igualitária tenha ela o nome que tiver. Mas que seja capaz de integrar todos os seus povos, toda a sua gente e todos os seus sonhos acalentados e renovados mesmo em situações de adversidade.

Por fim, a possibilidade de saídas golpistas para o impasse que estamos presenciando e que pode se acentuar por ocasião das eleições de 2022, na hipótese de não aceitação da derrota do atual governo. Afinal, o próprio Bolsonaro produziu há pouco tempo mais uma de suas bravatas, quando dos acontecimentos ocorridos no Capitólio invadido pelos adeptos do então presidente derrotado nas urnas Donald Trump logo depois da declaração da vitória de Biden nas eleições americanas. Nessa oportunidade, o presidente brasileiro ameaçou que nessa hipótese de suposta fraude eleitoral a ocorrer em nossas eleições de urna eletrônica, a coisa seria muito pior.

Nesse caso, com a palavra o Exército nacional, que se encontraria diante da seguinte situação: ou se integra à aventura golpista do presidente, ou cumpre seu papel de instituição de Estado e como tal pode intervir numa operação anti-golpista, que a essa altura talvez já esteja sendo cogitada em nome de um regime que foi em grande parte resultado de sua ação. Seria o tal golpe preventivo, dada a situação excepcional de ter de contrariar o comandante em chefe das Forças Armadas, ou seja, o presidente da República, como reza a Constituição.

Tudo isso em face de não se ter fortalecido como era de se esperar a sociedade organizada. Incapaz de se mobilizar como força de pressão legitimamente reconhecida, restaria aos militares esse papel.

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Aliás, presente de forma sistemática em todas as crises e golpes ocorridos em nossa centenária República, na eterna esperança de uma renovação que faça jus a sua tão depreciada denominação.

LINCOLN DE ABREU PENNA – Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP); Conferencista Honorário do Real Gabinete Português de Leitura; Professor Aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon); Colunista e Membro do Conselho Consultivo do jornal Tribuna da Imprensa Livre.

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