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sábado, novembro 23, 2024
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Copa América: como na ditadura, Bolsonaro despreza a vida e usa futebol para minimizar seu isolamento

Um total desprezo pela vida da população e o uso do futebol como instrumento político para minimizar o crescente isolamento de um governo autoritário que levou o país a mais de 460 mil mortos por negar a gravidade da pandemia do novo coronavírus. Esta é a avaliação de especialistas sobre a decisão do governo Jair Bolsonaro de trazer a Copa América para o Brasil, um dos países com maior número de contaminados e mortos, em função do boicote de Bolsonaro às medidas de prevenção, como uso de máscaras, isolamento social e contratação de vacinas.

Mesmo diante de críticas de médicos, cientistas, governadores e parlamentares de oposição contra a realização da competição aqui — pelo risco de aumentar ainda mais a propagação do vírus e de trazer variantes de contaminação mais rápida e letal —, o anúncio da vinda do torneio foi feito por Bolsonaro na última nesta terça-feira (1/6). Bolsonaro classificou a decisão como ‘caso encerrado’. No entanto, PT e PSB entraram com ações no Supremo Tribunal Federal (STF) com pedido de liminar para cancelar a competição no Brasil.

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O caso será julgado pelo ministro Ricardo Lewandowski.

Para o pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz),Diego Xavier, a pressa na concordância do Brasil em sediar a Copa América é uma prova de que não houve uma análise ou orientação epidemiológica.

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“Claro que não existe uma programação ou estratégia para evitar que o contágio aconteça”, afirmou.

Mas o risco é maior. As seleções de Chile, Bolívia, Equador, Paraguai, Uruguai e Venezuela só receberam a primeira dose da vacina contra o novo coronavírus. A Confederação Sul Americana de Futebol (Conmebol) pretende ter todas as 10 delegações participantes da Copa América vacinadas até o início do torneio, no próximo dia 13/5. Ainda não tomaram sequer a primeira dose as delegações de Argentina, Brasil, Colômbia e Peru.

Romper isolamento

Isolado politicamente, acuado pelas grandes mobilizações do dia 29/5 que exigiram o seu impeachment e pelas investigações da CPI do Genocídio sobre sua responsabilidade na disparada das mortes pelo coronavírus, Bolsonaro mostrou pressa em confirmar a competição no Brasil. Da mesma forma que ocorreu em outros momentos, como na ditadura militar, o futebol está sendo usado de forma política para desviar o foco da situação dramática criada pelo governo e que pode levar ao impeachment do presidente.

O diretor do Sindsprev/RJ Rolando Medeiros condenou a realização, pelo risco de disseminação ainda maior do coronavírus, não apenas da Copa América, mas de todas as competições esportivas, como a Libertadores e os campeonatos internos brasileiros, nacionais e estaduais. Avaliou a iniciativa do governo Bolsonaro como uma forma de utilizar politicamente o futebol, estimulando o nacionalismo e o discurso de que ‘estamos todos juntos”, procurando jogar para baixo do tapete os graves problemas nacionais e se contrapor às manifestações pelo impeachment.

“O objetivo é criar um clima de somos todos brasileiros, temos que ganhar a Copa América. O que nos remete à Copa de 1970 e a todas as copas das quais o Brasil participou durante a ditadura militar, que tiveram como lemas este é um país que vai pra frente, 90 milhões em ação, salve a seleção”, lembrou ele, frisando também que, se houvesse realmente preocupação do governo e outras autoridades com a saúde da população, nenhum dos campeonatos poderia ser realizado, posição que, no Rio de Janeiro, foi defendida apenas pelos clubes Botafogo e Fluminense, pelo risco que os campeonatos geram às vésperas de uma terceira onda do novo coronavírus.

Tapa na cara

Para o jornalista esportivo Juca Kifuri, a decisão foi um ‘tapa na cara’ do povo brasileiro, já que a mesma pressa não foi demostrada por Bolsonaro na compra de vacinas para conter a disseminação da pandemia. A proposta da Conmebol de trazer o torneio para o país demorou 24 horas para ser aceita. A agilidade foi elogiada pelo presidente da entidade, Alejandro Dominguez: “O governo brasileiro demonstrou agilidade e capacidade de decisão em um momento fundamental para o futebol sul-americano”, afirmou o cartola paraguaio.

No mesmo dia em que Bolsonaro fez o anúncio, o Brasil chegava a 2.346 mortes diárias por Covid-19, elevando o total de vidas perdidas para 465.312. Devido à crescente lentidão da vacinação, com apenas 10% da população tendo recebido a segunda dose e com a entrada das variantes do coronavírus mais perigosas, como a indiana, o ministro da Saúde de Bolsonaro, Marcelo Queiroga, já havia anunciado a chegada ao país de uma terceira onda da doença, mesmo antes da questão da Copa América.

Perigo também para outros países

O cientista político e historiador da UFRJ Lincoln Penna classificou a vinda da competição para o Brasil nas atuais circunstâncias como uma ‘trágica decisão’. Para o professor, trata-se de um verdadeiro absurdo, contra o qual deveriam se posicionar as comissões técnicas e atletas.

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Lembrou que a realização da Copa América em solo brasileiro atende a interesses financeiros dos patrocinadores, demais empresas envolvidas e da própria Conmebol, sendo relegada a último plano a segurança da população.

O jornalista e analista político Henrique Acker ressaltou que a irresponsabilidade do governo é tão grande que o torneio vai ocorrer no Brasil, país onde circulam as variantes mais letais do coronavírus e mesmo assim vai ter uma competição envolvendo diretamente cerca de 1.600 pessoas, a esmagadora maioria estrangeiros e circulando, sem contar os torcedores que virão. “Além do risco para o Brasil, a realização da Copa América vai ajudar a disseminar vírus para outros países que participam do evento esportivo, as variantes que já estão contaminando por aqui”, advertiu.

No entendimento de Henrique, o governo vai tentar fazer uso político da competição, para amenizar o seu isolamento. Mas avaliou que isto não vai afetar as mobilizações contra Bolsonaro. Lembrou que, de acordo com o médico e neurocientista Miguel Nicolelis, que vem estudando a pandemia no Brasil e no mundo, a movimentação de atletas, comissões técnicas e todo o pessoal envolvido na competição em diferentes praças do país (inclusive torcedores) pode agravar ainda mais o quadro de disseminação da doença, particularmente das novas variantes que já se manifestam. Nicolelis advertiu, no entanto, que a decisão de Bolsonaro é a “bala de prata” para a CPI indiciar o governo federal por omissão e crime de responsabilidade pela atuação durante a pandemia de covid-19 no Brasil. “Não falta mais nenhuma prova. O governo demorou meses para responder [às propostas feitas] sobre vacina, e algumas horas para aceitar a Copa América”, observou.

Aumento do contágio

A vinda da competição deve agravar a situação dramática, que, além das mais de 460 mil vítimas fatais, já levou à beira do colapso o sistema público de saúde brasileiro, com a extenuação, contaminação e morte recorde dos profissionais que trabalham na linha de frente. Médicos e cientistas alertam que, quanto mais pessoas em circulação, maior a propagação do vírus. Ainda mais num cenário descontrolado, como o do Brasil.

Foi justamente pela falta de controle que a Argentina desistiu de sediar o evento. Antes, a Colômbia tomou a mesma decisão, em função das mobilizações que tomaram conta do país. A situação da Argentina não é muito diferente da do Brasil. Os argentinos estão com uma alta taxa de transmissão (Rt) de 1,18, segundo último levantamento do Imperial College de Londres. O Brasil aparece com 1,02. Valores acima de 1 indicam falta de controle da pandemia.

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