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terça-feira, abril 1, 2025
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Quase 6 milhões sofrem na fila do Sisreg à espera de consulta e cirurgia

Dados do Sistema Nacional de Regulação (Sisreg), software do governo federal para gerir o acesso à rede pública de saúde do país, registraram este ano que cerca de 5,7 milhões de pessoas estavam esperando uma consulta no Sistema Único de Saúde (SUS) e outras 600,4 mil aguardavam uma cirurgia em janeiro deste ano. Especialistas, no entanto, acreditam que os números podem ser muito maiores. Embora o sistema seja o único usado pelo Ministério da Saúde para controlar quem entra e quem sai das filas de atendimento, as informações enviadas pelas secretarias estaduais e municipais de saúde são incompletas, conforme admite a própria pasta. O apagão de dados dificulta a criação de políticas públicas. Isso se deve à não obrigatoriedade de as secretarias estaduais e municipais de saúde utilizarem a ferramenta para abastecer o sistema com informações.

As informações que abastecem o sistema são enviadas pelas secretarias estaduais e municipais de saúde, mas elas não são obrigadas a utilizar a ferramenta. Isso ocorre com São Paulo e Belo Horizonte, que têm sistemas próprios e não integrados ao federal. Além disso, 13 das 27 unidades da federação não preenchem o sistema de forma adequada ou o fazem de forma parcial com os dados sobre os pacientes que estão nas filas de atendimento.

Os números, obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI), mostram que, em média, pacientes levaram 57 dias para serem atendidos em 2024. A espera durou mais até do que o registrado durante a pandemia de covid-19, em 2020, quando a média foi de 50 dias, até então a maior marca da série histórica iniciada em 2009.

A realidade é dura e cruel. Número expressivo de pacientes que dependem de cirurgias oncológicas para sobreviver, por exemplo, vão a óbito por conta da demora de serem chamados para cirurgia ou dar continuidade ao tratamento. Muitas pessoas aguardam dois, cinco anos ou mais para iniciar o tratamento, sendo obrigadas a suportar o problema médico.

Sidney Castro, dirigente do Sindsprev/RJ, destacou que “a criação do Sisreg foi para matar o povo em casa”. Segundo ele, o sistema coloca o paciente em uma espera de cinco, seis, oito, dez anos para uma consulta.

“Se precisar fazer cirurgia no Instituto Nacional de Traumo-Ortopedia, é cinco, seis anos ou mais. Porque não tem médico suficiente. Não tem concurso. O governo não contrata e, quando contrata, paga um salário bem menor do que pagam as empresas privadas, como Rede D’Or da vida. O Sisreg foi feito para matar o povo em casa”, criticou.

O dirigente do Sindsprev/RJ ressaltou que o Sisreg está longe de funcionar para a consulta de continuidade de tratamento. Ele ressaltou que o problema ocorre muito na área oncológica.

“O paciente tem o câncer detectado e demora para voltar. Para dar continuidade ao tratamento. E vem a óbito. O SUS não dá condições de trabalho nem condições de atendimento. Não se faz concurso público. Esse Sisreg é uma maneira de tirar o povo do hospital para as pessoas morrerem em casa”, lamentou.

A demora nas cirurgias de menor complexidade também são incluídas no pacote do Sisreg. Sidney Castro lembrou de um parente que deu entrada em uma cirurgia de catarata há dez anos.

“Até hoje não foi chamada. O Sisreg é um sistema que tem de ser revisto e o governo precisa entender que esse sistema não funciona porque é uma caixa de surpresa. Ou você tem sorte de ser chamado ou vai esperar a vida toda por uma consulta. E muitas das vezes, quando o profissional liga para agendar a consulta, o paciente já foi a óbito. Eles criaram um sistema que está matando a pessoa em casa”, reclamou.

Outro exemplo da morosidade no atendimento está na oncologia, segundo o dirigente.

“Eles fazem campanha de câncer de mama. A pessoa faz o primeiro atendimento e consegue detectar que está com problema na mama e precisa dar continuidade. Vai tentar uma consulta no Inca e não consegue. Pode até conseguir, mas não é menos de um ano. Nesse período, a pessoa fica cada vez mais doente. O Sisreg é uma fila judicializada. Eles judicializaram para a pessoa não conseguir fazer nada. O problema é a continuidade do tratamento”, apontou.

Sidney Castro destaca ainda a desvalorização do profissional como um fator determinante para os problemas no SUS.

“Uma consulta de rotina, como de oftalmologia, se consegue em curto período. Já para continuidade de tratamento é o problema por falta de condições de trabalho, condições de atendimento, falta de estrutura, por não ter concurso, porque não contrata decentemente, não contrata com salário decente o profissional. Quem quer trabalhar no SUS hoje? Um médico vai trabalhar no SUS para ganhar 4 mil? Uma Rede D’Or da vida paga 12 mil. Não vai. Sabe o que acontece? Ele faz um trampolim. Vai para uma rede pública para aprender. Porque não existe um melhor estágio que uma rede pública numa emergência. Vai aprender a lidar com aquelas dificuldades. Depois, passa para uma Rede D’Or para trabalhar, para ganhar 12, 13 mil reais. O governo não tem uma política de qualificação profissional. O governo não tem política de salário decente para  profissional. Quem sofre é o usuário”, reclamou.

Para o dirigente do Sindsprev/RJ, a população merecia maior atenção do governo na área de saúde, através de uma melhor estrutura e valorização de seus profissionais.

“O Sisreg  deveria ser Sisnega porque nega a continuidade para o tratamento. É pior. Eu passo no médico e ele diz para eu fazer uma cirurgia ortopédica. Como? Através de encaminhamento. Tem que pedir no posto, jogar no Sisreg e aguardar e depender de sorte para ser chamado ou não.  São milhões de pessoas e crianças com problemas oncológicos que não são atendidas. Isso é covardia”, lamentou.

A enfermeira Roseani Villela, do Hospital Federal de Bonsucesso, é exemplo de superação diante das dificuldades encontradas no dia a dia na unidade hospitalar. Ela lamenta a falta de estrutura e de profissionais para um atendimento melhor para a população.

“O sistema só funciona bem no papel. Criaram o Sisreg para moralizar a assistência. Para evitar que a vaga fosse para uma pessoa indicada. Só que criaram um sistema que no papel funciona bem e na prática não funciona. Não tem profissional para isso. Se você passa na emergência e esse atendimento tem a necessidade de tratamento, precisa procurar uma Clínica da Família. A partir daí, o clínico geral insere você na fila do Sisreg para ser acompanhado por especialista responsável pela sua patologia. Só que você chega  na Clínica da Família e cadê o médico para atender? Na maioria das vezes, a Clínica da Família funciona com a equipe de enfermagem que está ali o tempo todo e que consegue dar assistência ao paciente em determinados casos independente da presença do médico”, explicou.

Roseani Villela lembra de casos em que, muitas vezes, o paciente sofre de alguma doença tratável, mas, devido à demora para ser chamado no Sisreg, a doença avança, progride e passa a ser incurável.

“A saúde pública do Rio de Janeiro, do Brasil está muito precária. Tenho vários parentes que estão na fila do Sisreg. Eu mesma estou precisando fazer cirurgia de coluna e tirar um linfoma e não consigo. Trabalho em instituição pública, tenho um profissional ao meu lado, mas dependo de procurar uma Clínica da Família, conseguir uma consulta com clínico para ele me inserir na fila do Sisreg para passar por especialista e, com sorte, conseguir uma cirurgia. Sem falar nos vários exames para fazer, como ressonância, que também depende da fila do Sisreg. A demora é grande. Infelizmente, a população está à deriva. A saúde pública está precária. Quem tem dinheiro para pagar plano de saúde ainda consegue alguma coisa. Quem não tem, acaba morrendo. Morrendo nas emergências porque fica em casa esperando as consultas, esperando o tratamento, a doença evolui, o estado clínico se agrava, você passa mal, procura uma emergência qualquer, é atendido, mas não é encaminhado para tratamento”, lamentou.

A dirigente sindical destaca o câncer ginecológico como exemplo de paciente que não pode ficar na fila do Sisreg esperando.

“O câncer ginecológico precisa de exame preventivo, uma ultrassonografia para conseguir detectar a doença. Tem que entrar na fila e demora. Quando faz o diagnóstico, precisa iniciar tratamento radioterápico e quimioterápico que é outro problema porque o Rio de Janeiro tem poucas unidades públicas que tratam o câncer. Tem o Inca, o Gaffrée e Guinle. Para piorar, o número de vagas é mínimo. Infelizmente, o que mais mata a população é o câncer. Antigamente,  eram doenças cardiovascular, acidente, mas pela minha pratica, pelo que vejo hoje, a população está adoecendo com doenças oncológicas e você não tem rede suficiente  para atender essa população. Quem não tem dinheiro sofre na fila do Sisreg. Tem aquelas pessoas que procuram o plantão judiciário e conseguem iniciar o tratamento, mas quem não toma essa iniciativa acaba morrendo em casa ou dentro de uma emergência”, comentou.

Roseani Villela acrescentou que o problema não está no Sisreg, mas na rede como um todo.

“A rede está falida e piorando cada vez mais. A rede municipal é precária. Os hospitais são precários e ainda assim o ministério da Saúde ainda entrega os hospitais federais para um grupo que não tem a menor condição de fazer uma boa gestão. Entrega para a rede privada, para as OSS, através do município. O objetivo deveria ser de atender e dar assistência à população, mas não é.  O objetivo é ganhar dinheiro, é lucro. Não existe a preocupação com a saúde da população. A preocupação é com o lucro. É enriquecer. Infelizmente, a população está bastante vulnerável. Cada vez mais. Está à deriva. Agora é entregar nas mãos de Deus e pedir que a gente não passe por isso. Eu não acredito mais na rede pública. Acho que a rede pública, hoje, não tem capacidade para tratar ninguém”, disse, desolada.

 

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