“O projeto de lei que cria o piso da enfermagem (PL 2564/2020), aprovado por unanimidade pelo Senado Federal em 24 de novembro último, está em debate na Câmara dos Deputados. Mas a categoria precisa ir para as ruas para garantir a sua aprovação porque já se sabe que o governo federal vai trabalhar contra a proposta”.
A avaliação é da diretora da Regional Jacarepaguá do Sindsprev/RJ, Christiane Gerardo, que tem participado das articulações em defesa do PL e dos debates que vêm sendo feitos no Grupo de Trabalho (GT) da Câmara dos Deputados sobre os impactos financeiros da aplicação do piso.
A dirigente ressaltou também a importância das entidades sindicais se articularem para organizar de forma unificada esta luta. Lembrou que os sindicatos cutistas de setores da saúde precisam descer do salto alto e fazer esta movimentação juntamente com o Sindsprev/RJ, entidade cuja importância não pode ser negada, tendo mais de 18 mil filiados. “A entidade tem uma importância real nas lutas do setor. Os demais sindicatos devem passar a ter como foco principal a luta pelo piso salarial que, para ser vitoriosa, precisa da unificação”, defendeu.
Entenda melhor
Christiane frisou que tem sido fundamental o papel do sistema Cofen-Coren na aprovação do piso. “Tanto o Conselho Federal, quanto os conselhos regionais, como o do Rio de Janeiro, têm feito um trabalho de articulação com parlamentares e entidades sindicais que permitiram a elaboração do projeto, sua aprovação por unanimidade no Senado Federal e agora continuam a fazer o mesmo trabalho na Câmara dos Deputados, com estudos comprovando a necessidade e a viabilidade da implantação do piso, em debates no GT, através de contatos com deputados e com a confecção e divulgação de levantamentos importantes sobre os baixos salários da categoria, os altos lucros do setor privado e a viabilidade do setor público em fixar o piso”, disse.
O projeto, de autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES) inclui o piso salarial na Lei 7.498, de 1986, que regulamenta o exercício da enfermagem, estabelecendo um mínimo inicial para enfermeiros no valor de R$ 4.750, a ser pago nacionalmente por serviços de saúde públicos e privados. Em relação à remuneração mínima dos demais profissionais, o projeto fixa a seguinte gradação: 70% do piso nacional dos enfermeiros para os técnicos de enfermagem e 50% do piso nacional dos enfermeiros para os auxiliares de enfermagem e as parteiras.
Dados do governo são contraditórios
Os impactos orçamentários da proposta estão sendo analisados pelo GT composto por 12 deputados. O grupo é coordenado pela deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC) e tem como relator o deputado Alexandre Padilha (PT-SP), que espera apresentar um parecer sobre o tema até o dia 25 de fevereiro.
Christiane lembrou que, no GT, os órgãos públicos têm apresentado dados divergentes sobre o impacto do piso. O fato mostra que há um esforço, agora, para tentar comprovar a inviabilidade de implantação do PL, ao contrário do que aconteceu no Senado, mas de forma desorganizada. O mesmo vem sendo feito por entidades do setor privado que lucra milhões com os baixos salários, o que obriga os profissionais a trabalhar em vários lugares para sobreviver, num sistema de quase escravidão.
O Ministério da Saúde fala em impacto geral de R$ 22,5 bilhões, mas aplicando a proporcionalidade da carga horária, algo que foi refutado pela deputada Carmem Zanoto (Cidadania-SC) que chamou atenção sobre o piso não fazer essa distinção. O Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conassem) diz que o impacto seria de R$ 41 bilhões, e o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) de R$ 27 bilhões.
Salários de fome
A Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), responsável pela contratação em hospitais universitários, disse que o impacto do piso é zero. Explicou que isto se deve ao fato dos profissionais de enfermagem destas unidades já receberem valores maiores que o piso proposto.
Já os números da Associação das Fundações Públicas e Privadas (Anfes) mostram que os hospitais pagam salários de fome aos profissionais. Segundo a entidade, a enfermagem representa entre 20% e 30% da folha salarial; e o piso representaria um aumento de 50% nos custos com salários.
GT é unânime em favor do piso
Já a reunião do GT da última terça-feira (8/2) teve unanimidade em defesa do PL. Deputados e entidades compararam os salários aviltantes da categoria à escravidão e defenderam que os recursos para pagar dignamente existem. Trata-se de um investimento na Saúde, não gasto. O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) marcou presença com os conselheiros Daniel Menezes e Gilney Guerra. A presidente do Cofen, Betânia Santos, acompanhou remotamente a sessão.
Todos os deputados integrantes do GT são favoráveis ao projeto, que foi aprovado no Senado da forma como foi apresentado pelo senador Fabiano Contarato (PT/ES) e tramita nos termos da emenda da senadora Eliziane Gama (Cidadania/MA). Na avaliação de Betânia Santos, o texto atual do PL 2564 é fruto de muita negociação e de um pacto, e já leva em consideração as limitações orçamentárias.
“A aprovação no Senado, por unanimidade, foi resultado dos esforços de construção de pontes com todos os envolvidos”, frisou. O deputado Alexandre Padilha disse que protocolará um pedido de votação em regime de urgência da pauta, que pode ir diretamente ao plenário. Relator do colegiado, Padilha lembrou que, após a aprovação do projeto no Senado, houve muita divergência quanto ao impacto que a medida causaria nas contas públicas, o que impediu que o texto avançasse na Câmara ainda no ano passado. Ele acredita que o grupo de trabalho vai revelar um impacto financeiro menor que o esperado.
Lucros mais que dobraram
Integrando a mesa presidida pela deputada Carmem Zanotto e primeiro a falar no GT, Daniel Menezes, do Cofen, lembrou que os lucros dos planos de saúde mais que dobraram ao longo de quatro anos, de acordo com os dados mais recentes do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA). Além disso, ressaltou que o Ministério da Saúde tem um dos maiores orçamentos da União.
“O orçamento aprovado para a Saúde em 2022 é de R$ 147 bilhões. Recursos existem e devem ser realocados para priorizar a saúde pública”, defendeu. “Nossa preocupação é também com a qualidade e com o rebaixamento do perfil do prestador do serviço de saúde. Em 1880 diziam que o fim da escravidão levaria a agricultura ao colapso, hoje que o piso da enfermagem vai quebrar a Saúde. O que quebra hospital é se a enfermagem parar”, advertiu.
Solange Caetano, da Federação Nacional dos Enfermeiros, denunciou a chamada “pejotização” dos trabalhadores da enfermagem.
Ou seja, a contratação sem vínculo empregatício ou direitos trabalhistas. “O trabalho escravo está sendo instalado na profissão. Profissionais foram afastados sem remuneração por doença”. Sua posição foi endossada pela deputada Alice Portugal (PCdoB/BA), que participou de forma remota do encontro. “Não é exagero falar em escravidão”, afirmou a deputada.
Além de Alice e Padilha, participaram da reunião presencialmente as deputadas Jandira Feghali (PCdoB/RJ) e Leda Sadala (Avante/AP), além de Pedro Westphalen (Progressistas-RS), Alice Portugal e Soraya Manato (PSL-ES) virtualmente. A deputada Enfermeira Rejane (PCdoB-RJ) também participou dos debates. Os parlamentares manifestaram o desejo de aprovar o PL antes da Semana da Enfermagem, comemorada em maio.
A deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) também considerou importantes os dados apresentados. Segundo ela, a análise do impacto orçamentário deve considerar ainda casos em que a média salarial já está acima do piso. “Nesses casos o impacto seria zero”.