O falecimento da paciente Nair Paula da Silva Ferreira, de 78 anos, ocorrido na madrugada do último sábado (11/3), confirmou os temores levantados por servidores do Hospital Federal de Bonsucesso (HFB), pelo Sindsprev/RJ, pelo Sindicato dos Médicos do Rio (Sinmed-RJ) e por conselhos profissionais quanto ao grave equívoco que representou a ‘escolha’ do HFB como ‘unidade de referência’ para o tratamento da covid-19.
Transplantada renal que regularmente era acompanhada pelo HFB, onde foi operada há 22 anos, recentemente Nair Ferreira não pôde, no entanto, continuar a realizar suas consultas no ambulatório do hospital. Motivo: a suspensão do atendimento a pacientes renais, após o Departamento de Gestão Hospitalar (DGH) do Ministério da Saúde no Rio ter ordenado o encerramento das atividades do setor de nefrologia daquela unidade, como parte da preparação do Hospital de Bonsucesso para virar ‘referência’ no tratamento da covid-19.
Parentes de Nair Ferreira disseram que, no fim de semana anterior ao falecimento, diante da piora do quadro de saúde da paciente, ligaram inúmeras vezes para o setor de transplantes do HFB, sendo orientados pelas telefonistas a buscar atendimento ‘em outro serviço de saúde’. “Eles desativaram o transplante sem comunicar ninguém, tudo foi feito escondido dos pacientes que têm consulta no ambulatório e não estão sabendo que até as consultas já foram suspensas por 90 dias”, declarou Janete da Silva Ferreira, filha de dona Nair, ao portal Diário do Centro do Mundo (DCM). A paciente veio a falecer na UPA do Jardim Íris, São João de Meriti, sem ter recebido atendimento especializado.
Em declaração ao mesmo portal DCM, o diretor clínico do Hospital Federal de Bonsucesso, o médico Júlio Noronha, confirmou a desativação da nefrologia, contra a qual se opôs. “O hospital não tem funcionários para atender à covid-19 nem equipamentos. O que estão fazendo é errado e vai provocar a morte de pacientes de outras enfermidades que hoje são atendidos”, afirmou.
Dirigente do Sindsprev/RJ, o servidor Osvaldo Mendes fez duras críticas à escolha do HFB como unidade de referência para casos de covid-19. “O problema é que, ao reservar o prédio 1 do HFB para atendimento da covid-19 e desativar setores importantes como a nefrologia, parece que o DGH do Ministério da Saúde no Rio se esqueceu de que existem pacientes de outras enfermidades, como os renais, os cardiopatas e os da oncologia, entre vários outros que continuam precisando de consultas e acompanhamento regular. Embora estejamos no meio de uma grave pandemia, a covid-19 não é a única doença existente no mundo”, ressaltou.
O Departamento de Gestão Hospitalar (atual Superintendência Regional) do Ministério da Saúde no Rio é chefiado pelo diretor de programas, Marcelo Muniz Lamberti, que vem sendo duramente criticado por servidores, sindicatos e conselhos profissionais.
Hospital está sucateado e com carência de profissionais
Além de potencialmente provocar desassistência a pacientes de outras enfermidades, a escolha do HFB como referência para a covid-19 é criticada por outro motivo tão grave quanto este: o sucateamento da unidade, onde é grande a carência de profissionais e cada vez maior a precarização. “A verdade é que o hospital vem sendo desmontado nos últimos anos, como parte de uma política perversa. A falta de concursos, por exemplo, provocou o encerramento ou a redução de importantes serviços e clínicas, como está acontecendo nas outras unidades sob responsabilidade do Ministério da Saúde. O resultado está sendo visto agora, quando o próprio Ministro Mandetta teve que admitir a incapacidade de a rede federal atender com efetividade os pacientes de covid-19. A sociedade tem que aproveitar essa crise da covid-19 para se mobilizar em defesa do SUS, por uma saúde pública, gratuita e de qualidade para toda a população”, completou Sidney Castro, também dirigente do Sindsprev/RJ.
Reportagem do RJTV veiculada dia 7/4 já havia demonstrado que, de 220 leitos prometidos pelo Ministério da Saúde para o tratamento da covid-19 no Hospital Federal de Bonsucesso, só 30 estarão disponíveis, e que o motivo para tal deficiência é a falta de médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem, entre outros profissionais.
Falta de EPIs e de condições para atender pacientes
Denúncias encaminhadas por profissionais do HFB ao Sindsprev/RJ nas últimas duas semanas dão conta da insuficiência de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), do sucateamento e do caos gerencial em que está mergulhado o hospital. Na última quinta-feira (9/4), faleceu o técnico de enfermagem Paulo Henrique Lima, de 40 anos, que estava lotado no centro cirúrgico do HFB. A morte está sendo investigada pela Secretaria Estadual de Saúde e, segundo o Sindicato dos Enfermeiros do Rio, o diagnóstico é sugestivo de coronavírus, embora ainda não haja confirmação.
Segundo a mais recente denúncia encaminhada por profissionais do HFB ao Sindsprev/RJ, o chamado CTI covid-19, montado no prédio central do hospital, não oferece condições de atender os pacientes vitimados pelo novo coronavírus. De acordo com as denúncias, o 4º andar do prédio, onde funcionava o antigo setor de neurologia, foi também reservado para covid-19 sem condições de receber pacientes de coronavírus. Servidores afirmam que as portas das enfermarias não estariam adequadamente vedadas. Quanto a EPIs como máscaras N-95, toucas e roupas, têm chegado com muito atraso, segundo os profissionais. Outra queixa dos servidores é quanto ao atraso no resultado de exames.