Deste a última quarta-feira (4/11) manifestações em solidariedade à Mariana Ferrer vêm acontecendo nas principais cidades do Brasil e em outros países. Os maiores protestos ocorreram neste domingo (8/11). O da Cinelândia, no Rio de Janeiro, reuniu mais de 2 mil pessoas e contou com a presença de entidades do movimento de mulheres, movimentos antirracistas, parlamentares e candidatos à Prefeitura de partidos de esquerda, sindicatos e centrais sindicais. Houve atos também em quase todas as capitais, sendo o de São Paulo, em frente ao Museu de Arte da cidade (Masp), na Avenida Paulista.
“O ato do Rio foi o maior feito pelas mulheres desde o 8 de Março (Dia Mundial da Mulher), quando a pandemia começava a recrudescer, sendo um marco na exigência de que seja feita justiça, com a punição do estuprador de Mariana e dos envolvidos neste julgamento vergonhoso ”, afirmou Tatiany de Araújo, do movimento Resistência Feminista. “Foram manifestações, também, contra os mais variados tipos de violência cometidas contra as mulheres no seu dia a dia, inclusive em outros julgamentos no Judiciário”, afirmou.
Os atos foram em repúdio ao juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, que inocentou o empresário André de Camargo Aranha da acusação de estupro de Mariana Ferrer, em 2018. Mariana tinha 21 anos. Durante uma festa foi dopada e levada pelo empresário para uma sala privativa onde o crime ocorreu, segundo o promotor Alexandre Piazza, posteriormente afastado do caso.
Rudson tomou a decisão com base no argumento descabido do promotor de Justiça que substituiu Piaza, Thiago Carriço de Oliveira, de que o estupro foi ‘culposo’, quando não existe intenção, tese cínica sem respaldo no Código Penal. Os atos foram também em repúdio à tortura psicológica feita pelo advogado de Aranha, Cláudio Gastão da Rosa Filho, contra Mariana durante o julgamento.
O juiz Rudson permitiu no julgamento que a vítima fosse humilhada pelo advogado que mostrou em juízo fotos de modelo de Mariana, que nenhuma relação tinham com o caso, em posições que definiu como “ginecológicas”, afirmando que “jamais teria uma filha” do “nível” de Mariana. O advogado também repreendeu o choro de Mariana: “não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo”.
Quando Mariana pediu que o juiz intercedesse, ele, de maneira sórdida e aparentemente cúmplice com a defesa, avisou Mariana que pararia a gravação para que ela se recompusesse e tomasse água, pedindo, em seguida, para o advogado manter um “bom nível”.
O juiz Rudson Marcos virou alvo de uma reclamação disciplinar no Superior Tribunal de Justiça após vir à tona sua atuação no julgamento do caso Mariana Ferrer. O autor da ação é o conselheiro Henrique Ávila, integrante do Conselho Nacional de Justiça, que acionou a Corregedoria Nacional de Justiça no último dia 3.
Entenda o caso
O advogado de Mariana Ferrer, Júlio César da Fonseca, já entrou com recurso, aceito pelo juiz e encaminhado para o Tribunal da Justiça de Santa Catarina (TJSC) que vai reapreciar o caso. O processo voltou a correr em sigilo na Justiça.
Segundo o site The Intercept Brasil, a violência ocorreu numa festa em 2018, no Café de la Musique, na qual ela foi dopada e levada para um local privativo pelo acusado, sendo então violentada. Aranha é um rico empresário de jogadores visto com frequência ao lado de figuras como o ex-jogador de futebol Ronaldo Nazário e Gabriel Jesus.
Troca de promotor
Na denúncia, no início das investigações, Piazza considerou como prova o material genético colhido na roupa de Mariana e um copo no qual Aranha bebeu água durante interrogatório na delegacia. O promotor também levou em conta “as mensagens desconexas encaminhadas pela vítima aos seus colegas”, após descer as escadas do camarim onde o crime ocorreu, além dos depoimentos de Mariana, de sua mãe e do motorista de Uber que a levou até em casa.
Luciane Aparecida Borges, mãe de Mariana, contou ter sentido um cheiro forte de esperma quando a filha chegou em casa após a festa. Segundo ela, Mariana não costumava beber e nunca havia chegado em casa naquele estado. O motorista citado pelo promotor na denúncia disse que a jovem passou a viagem chorando e falando com a mãe ao telefone. Para ele, ela parecia estar sob o efeito de drogas.
Também foram anexados ao processo áudios enviados por Mariana a pelo menos três amigos após descer as escadas do camarim.
Em um deles, ela diz: “amiga, pelo amor de Deus, me atende, eu tô indo sozinha, não aguento mais esse cara do meu lado, pelo amor de Deus”. O promotor pediu ainda que fosse averiguada a conduta do primeiro delegado que atendeu à ocorrência e não solicitou as imagens das 37 câmeras de segurança do clube.
O entendimento do Ministério Público sobre o que aconteceu naquela noite, porém, mudou completamente na apresentação das alegações finais. O promotor Piazza deixou o caso para, segundo o MP, assumir outra promotoria, e quem pegou o processo foi Thiago Carriço de Oliveira. É nas alegações finais de Oliveira que aparece a tese do estupro “sem intenção”.
Para o novo promotor, não foi possível comprovar que Mariana não tinha capacidade para consentir com o ato sexual, desqualificando assim o crime de estupro de vulnerável descrito na denúncia pelo seu colega.