Na primeira semana de junho, setores parlamentares de extrema direita no Congresso Nacional apresentaram requerimento para realização de audiência na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados. O objetivo da audiência é questionar os resultados de pesquisas conduzidas pelo Laboratório da Escola de Comunicação (ECO) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Para isto, os parlamentares da extrema direita pretendem convocar professores da UFRJ àquela Comissão, com a finalidade de gerar constrangimentos à produção científica no Brasil. Na prática, o pedido de audiência pública para criminalizar a UFRJ e seus professores é um ataque a toda a comunidade acadêmica brasileira.
Em artigo publicado no jornal O GLOBO, edição do último dia 12 de junho, o reitor da UFRJ, Roberto Medronho, denunciou que o Laboratório da Escola de Comunicação (NetLab) é alvo de ataques devido à sua agenda de pesquisa sobre os fenômenos da desinformação no universo digital, com destaque para a denúncia do papel deletério exercido pelas grandes plataformas digitais. “As pesquisas do NetLab UFRJ, com especial atuação em questões socioambientais e golpes na internet, ganharam destaque nos principais noticiários da mídia brasileira no último mês, devido à tragédia no Rio Grande do Sul, afetada por fake news para manipular a opinião pública e por golpes com pedidos de doações falsas que desviaram ajuda das vítimas para enriquecimento ilícito de estelionatários”, escreveu Medronho.
O que irritou profundamente as bancadas parlamentares bolsonaristas foi a revelação, feita pelo NetLab, de que as maiores e mais importantes plataformas digitais não praticam a necessária moderação de conteúdos danosos divulgados em suas redes comunicacionais. Controladora do Facebook, do Instagram e do WhatsApp, a empresa Meta, por exemplo, é apontada pelo NetLab como omissa em relação à disseminação de fake news sobre a tragédia das cheias no Rio Grande do Sul, ocorridas em abril e maio deste ano. Segundo estudo do NetLab, mesmo após ter sido advertida, a Meta manteve 1.800 posts publicitários contendo golpes na plataforma. As postagens usavam o nome do ‘Desenrola’, programa do governo federal voltado para a renegociação de dívidas.
Na última terça-feira (19/6), a Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação (Compós) divulgou um posicionamento em repúdio aos ataques de parlamentares conservadores e da empresa Meta contra o NetLab. O posicionamento da Compós se soma ao de 70 outras organizações do terceiro setor e centros de pesquisa ligados à Coalizão Direitos na Rede, que na semana passada assinaram uma nota de solidariedade aos pesquisadores da UFRJ. A Compós manifestou repúdio e indignação “às tentativas da empresa estadunidense Meta de desqualificar, por meio de seus advogados, o trabalho de pesquisa do NetLab, que evidenciou a permanência de anúncios fraudulentos nas plataformas da empresa, mesmo após ordem judicial solicitando remoção”, disse a nota da Associação.
Segundo o jornal O GLOBO, o site Núcleo, especializado na cobertura de tecnologia e redes sociais, revelou que a Meta usou seus advogados para tentar desqualificar pesquisadores da UFRJ que relataram falhas e negligência na moderação de anúncios na plataforma. Documentos obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) comprovaram a investida da empresa estadunidense depois que relatórios do NetLab foram usados pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), para notificar e depois multar a bigtech em 2023.
Entre as maiores e mais importantes plataformas e corporações de tecnologia de informação da atualidade — como Google, Amazon, Apple, Microsoft e Tik-Tok, entre outras —, a Meta (controladora de Facebook, Instagram e WhatsApp) é uma das que reagem de forma mais agressiva e feroz a quaisquer questionamentos sobre suas atividades empresariais e de moderação de conteúdos danosos, mas não apenas por isto. No Canadá, por exemplo, o Facebook reagiu com profunda arrogância e autoritarismo a uma lei daquele país que obriga as grandes empresas de tecnologia a pagarem por conteúdo jornalístico do qual elas se apropriam gratuitamente para incrementar as suas monetizações publicitárias. A reação do Facebook à lei canadense foi bloquear a divulgação de links de matérias jornalísticas em todas as suas redes e ferramentas digitais, segundo denunciado por Taylor Owen, diretor-fundador do Centro de Mídia, Tecnologia e Democracia da Universidade McGill (Canadá).
Por isto é que a regulação das atividades das plataformas digitais tornou-se tema central para a defesa dos interesses públicos das sociedades civis no mundo inteiro, começando pelos direitos à informação, à comunicação e à transparência.
No Brasil, o principal dispositivo sobre o tema é o Projeto de Lei (PL) nº 2630/2020 — também conhecido como PL das fake News. Já aprovado pelo Senado Federal, o PL tramita desde julho de 2020 na Câmara dos Deputados, sem que até hoje o texto tenha sido submetido à votação no plenário daquela casa.
O PL 2630 institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, prevendo a responsabilização das plataformas digitais pela difusão de informações falsas nos ambientes digitais que conformam a web (ou www). O texto do projeto estabelece regras para a regulação de conteúdo das plataformas digitais, como exigir a identificação de anunciantes e impulsionadores e criminalizar a divulgação de conteúdos falsos por meio de robôs (ou contas automatizadas). Para estes casos, o PL 2630 prevê penalidades às empresas que não prevenirem práticas ilegais em seus serviços.
Se o PL 2630 já tivesse virado lei, os ataques promovidos por setores bolsonaristas e pela empresa Meta contra o Laboratório de Comunicação da UFRJ teriam sido coibidos com rigor, na medida em que haveria um suporte legal para isto.