Vem causando um caos crescente na rede de hospitais da Prefeitura do Rio de Janeiro o esquema que desde a gestão Eduardo Paes passou a administração destas unidades para empresas privadas chamadas de ‘organizações sociais’.
O sistema foi implantado, antes, na rede estadual, por Sérgio Côrtes, secretário de Saúde do ex-governador Sérgio Cabral Filho, passando depois a funcionar também na Prefeitura do Rio. Ambos acabaram presos por vários crimes, entre outros, desvios na área da saúde, muitos deles, envolvendo organizações sociais.
O prefeito Marcelo Crivella – crítico do esquema das OS durante a campanha eleitoral de 2016 – ao assumir em janeiro de 2017, no entanto, passou a adotá-lo e fortalecê-lo, aprofundando, assim, a crise na saúde municipal. No início, ao mostrar insatisfação com a ‘má performance’ do serviço, prometia ‘ajustes’ de modo a fazer com que a gestão privatizada funcionasse ‘para cuidar das pessoas’.
Mas tudo ficou na promessa.
Cinismo
Pior, quando cobrado pelos seguidos casos de mau funcionamento causados pelo descaso das OS, Crivella passou a dizer na mídia, como faz até hoje, que ‘já estão sendo solucionados’. Não importa qual seja o problema, Crivella repete a mesma encenação, afirmando que tudo ‘já’ está sendo apurado e ‘resolvido’.
“Mas a verdade é que os problemas sempre continuam na mesma, devido à omissão da Prefeitura em realmente fiscalizar e cobrar das OS, soluções imediatas que normalizem o atendimento. Esta dura realidade é sentida na pele por pacientes e familiares. A pergunta que se faz é quanto aos motivos que levam o prefeito a agir desta forma, com tanta benevolência e aparente cumplicidade com estas empresas travestidas de organizações sociais”, questiona a diretora do Sindsprev/RJ, Clara Fonseca.
A denúncia mais recente, comprovada pelo Sindsprev/RJ, é da situação caótica vivida pelos profissionais de saúde e pacientes do Hospital Municipal Pedro II, na Zona Oeste, administrado pela OS SPDM, cujo nome – Associação Paulista para o Desenvolvimento da Saúde – gera uma enorme curiosidade, por atuar no Rio de Janeiro, sendo, ainda, uma ironia em relação à situação encontrada no hospital. Entre os inúmeros problemas não resolvidos estão o número reduzido de profissionais, abertamente insuficiente para atender com o mínimo de dignidade à população; falta de medicamentos; de equipamentos; além da insatisfação com atrasos seguidos no pagamento dos salários.
“Pacientes ficam horas sem atendimento, porque a OS se recusa a contratar o pessoal necessário para atender, mesmo sendo regiamente paga”, denuncia Clara Fonseca. Acrescenta que como retaliação, a SPDM passou a demitir quem reclama do não pagamento: e sequer paga as verbas rescisórias, afirma, classificando a situação como análoga ao trabalho escravo.
Caos na rede é geral
O atendimento precário, a falta de insumos e equipamentos e o atraso sistemático dos salários é o mesmo em hospitais que eram estaduais e foram municipalizados passando a ter sua administração privatizada pelas OS, como o Hospital Rocha Faria e Albert Schweitzer. O mesmo acontecendo com o restante da rede municipal.
Para Clara, é preciso investigar os motivos que levam estas administradoras privadas a terem este comportamento e a não serem punidas pela Prefeitura. Citou o caso da OS Iabas, que, na rede estadual foi contratada para construir hospitais de campanha no início da pandemia, e cometeu diversas irregularidades, como superfaturamento na compra de equipamentos para tratamento de pacientes com covid-19.
FHC e Cabral implantaram esquema
O termo ‘organização social’, ou semelhantes, foi criado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso (1° de janeiro de 1995 a 1º de janeiro de 2003), através da Lei federal 9.637, de 18 de maio de 1998, para permitir que pessoas jurídicas de direito privado, ‘sem fins lucrativos’, fossem autorizadas a administrar hospitais públicos. Ou seja, tratava-se de privatizar o Sistema Único de Saúde (SUS), driblando a Constituição Federal que determina ser a saúde dever do Estado e direito do cidadão. Na pandemia ficou evidente a importância do sistema público de saúde, mesmo funcionando de forma precária e sem uma coordenação nacional, por conta do boicote feito pelo presidente Bolsonaro ao negar a gravidade da doença. Sem o SUS a tragédia teria sido ainda maior.
O esquema das chamadas organizações sociais – cujo nome foi criado para dar a impressão de que se tratavam não de empresas privadas, mas de entidades da sociedade – foi implantado no estado do Rio de Janeiro por Sérgio Côrtes, ex-secretário de Saúde da gestão Sérgio Cabral Filho. O mesmo sistema foi adotado, depois, pelo prefeito do Rio, Eduardo Paes, sendo mantido por Marcelo Crivella.
A alegação, tanto de Cabral e Côrtes, quanto de Paes, era a de que com as OS a rede teria mais agilidade para resolver os problemas de funcionamento, que ocorriam, segundo diziam, por dificuldades criadas pela gestão pública, como a exigência de licitação para compras e de concurso para admissão de pessoal. Com a privatização isso não seria mais necessário, o que abriu brechas para os mais variados tipos de desvio de verbas, como através de compras superfaturadas, entre outras.
A verdade é que os ‘problemas’ eram gerados pelos próprios governos, que seguidamente cortavam verbas para a saúde, sucateando os serviços, não realizando concurso público e, no caso de Cabral, além de tudo isto, fechando e mesmo a demolindo hospitais, como fez com o Hospital Central do Iaserj. Cabral e Côrtes, acabaram sendo condenados e presos, entre outros motivos, por fraudes as mais diversas cometidas contra a saúde pública, muitas delas, envolvendo organizações sociais. Fato que se repete com Wilson Witzel, podendo levá-lo ao impeachment.