O jornalista Olyntho Contente, da Secretaria de Imprensa do Sindsprev/RJ, entrevistou o advogado Marden França sobre empresas fantasmas. França é professor de Direito Empresarial e gestor do próprio escritório, especializado no atendimento a empresários, com foco em franqueadores, escolas e empresas de médio e grande porte.
Você é especialista em licitações e escreveu um artigo em que alertava e descrevia o funcionamento das chamadas ‘empresas fantasmas’. Afinal, quais são as características principais de uma empresa deste tipo?
O mercado de licitações públicas no Brasil tem sido historicamente marcado por práticas corruptas. Embora não seja justo generalizar, é fundamental abordar o tema abertamente para que o conhecimento promova uma fiscalização efetiva destas licitações. As chamadas ‘empresas fantasmas’ são frequentemente constituídas por indivíduos que, muitas vezes, desconhecem sua condição de sócios ou atuam como ‘laranjas’ para os verdadeiros arquitetos dos esquemas fraudulentos. Essas empresas podem possuir um endereço físico e estar registradas no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ), mas não desenvolvem atividades econômicas reais. Servem apenas como instrumentos para manipular licitações, facilitando que os reais beneficiários da fraude saiam vitoriosos nos processos licitatórios.
Quais as diferenças entre ‘empresas de fachada’ e ‘empresas fantasmas’?
Embora os termos ‘empresas de fachada’ e ‘empresas fantasmas’ sejam frequentemente utilizados como sinônimos, há distinções técnicas entre eles. Uma empresa de fachada é legalmente constituída, possui CNPJ e, muitas vezes, um endereço físico. Ela pode até desenvolver atividades econômicas, embora de forma limitada, servindo para mesclar operações legítimas com práticas ilícitas, como a lavagem de dinheiro. Por outro lado, uma empresa fantasma, apesar de também poder ter CNPJ e endereço registrado, geralmente não exerce nenhuma atividade econômica real. Sua existência é meramente documental, funcionando como instrumento para manipular licitações e facilitar fraudes, sem qualquer operação comercial concreta.
Para que servem as ‘empresas fantasmas’?
As ‘empresas fantasmas’ são frequentemente utilizadas para manipular licitações públicas, permitindo que recursos destinados ao bem comum sejam desviados para interesses particulares. Além disso, essas entidades fictícias são empregadas em esquemas de sonegação fiscal, emitindo notas fiscais frias e facilitando planejamentos tributários fraudulentos, resultando em prejuízos significativos aos cofres públicos. Essas práticas não apenas corroem a confiança nas instituições, mas também comprometem a qualidade dos serviços públicos oferecidos à população.
Em que áreas mais esta espécie de empresa atua?
Embora não possuamos dados concretos para comprovar, entendo que não são áreas específicas que atraem as ‘empresas fantasmas’, mas sim o porte e o nível de fiscalização de um certame licitatório. Empresários que fraudam licitações frequentemente mantêm várias ‘empresas fantasmas’ que são ‘ativadas’ em determinadas licitações, promovendo uma concorrência desleal e facilitando a vitória da empresa previamente escolhida.
Costuma-se dizer que, em qualquer negócio, alguém ganha e alguém perde. No caso de ‘empresas fantasmas’ quem perde e quem ganha?
No contexto das ‘empresas fantasmas’, os maiores prejudicados são a população e o setor público. A sociedade sofre ao receber serviços ou produtos de qualidade inferior e com custos elevados, resultado de processos licitatórios fraudulentos. A administração pública também é lesada, investindo recursos na realização de certames que acabam sendo manipulados. Além disso, o sistema judiciário enfrenta desafios ao identificar e processar tais fraudes, e mesmo quando os responsáveis são descobertos, a aplicação de penalidades pode demorar anos.
Pela sua experiência, a terceirização abre mais brechas para a atuação deste negócio ilícito?
A terceirização, por sua natureza, adiciona um elo adicional na cadeia de prestação de serviços, o que pode ampliar a complexidade e dificultar a fiscalização. Quando a rede de relacionamentos se expande, torna-se mais desafiador monitorar todas as partes envolvidas, potencialmente facilitando fraudes em licitações. No entanto, a responsabilidade por prevenir e combater essas práticas ilícitas recai sobre o Poder Público, que deve investir em mecanismos eficazes de investigação e aplicar punições de forma célere aos infratores.
Qual o caso em que este tipo de empresa foi usado e que envolveu um montante mais significativo de recursos?
Um caso notório envolvendo ‘empresas fantasmas’ é a Operação Caça-Fantasmas, deflagrada pela Polícia Federal em julho de 2016. A investigação revelou um esquema sofisticado de criação de empresas fictícias para abrir contas em paraísos fiscais e ocultar recursos ilícitos. Essas empresas eram utilizadas para movimentar grandes somas de dinheiro, desviando recursos públicos e lavando dinheiro proveniente de diversas atividades criminosas. O caso evidenciou a facilidade com que tais empresas podem ser constituídas e a complexidade de rastrear os verdadeiros beneficiários desses esquemas fraudulentos.
É comum ver ‘empresas fantasmas’ na contratação de mão-de-obra?
Infelizmente, sim. É bastante comum encontrar casos em que se recorre a essas empresas para mascarar a contratação de mão-de-obra. A ideia é reduzir custos trabalhistas e tributários ao estabelecer contratos de prestação de serviços, escondendo a real relação empregatícia. Essa prática acaba prejudicando o trabalhador, que tem seus direitos comprometidos, e sobrecarrega o erário, sem contar os sérios riscos legais para quem adota tais estratégias.
Que brechas na lei permitem a criação de firmas deste tipo e como se proteger delas e combatê-las?
No Brasil, há um esforço contínuo para simplificar a abertura de empresas, buscando reduzir a burocracia. No entanto, essa desburocratização pode, inadvertidamente, facilitar a criação de ‘empresas fantasmas’ devido à fiscalização insuficiente. Enquanto essas entidades fraudulentas operam sem pagar impostos e escapam da fiscalização, os empresários legítimos enfrentam uma carga tributária elevada e são constantemente monitorados. Isso ocorre porque o foco da fiscalização está na arrecadação, e ‘empresas fantasmas’, por não emitirem notas fiscais regularmente, muitas vezes passam despercebidas.