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quinta-feira, setembro 19, 2024
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Com auditório lotado, Ensp-Fiocruz apresenta conclusões de pesquisa sobre adoecimento de ACEs

Com o auditório da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP) da Fundação Oswaldo Cruz inteiramente lotado, foi realizada na manhã desta segunda-feira (10/6) a audiência pública ‘Saúde dos Agentes de Endemias’, que apresentou os dados e informações contidas no Relatório Técnico/Científico de pesquisa realizada nos últimos 6 anos no âmbito do Projeto Integrador Multicêntrico.

Desenvolvido em parceria e colaboração com pesquisadores de diferentes instituições públicas, estudantes de pós-graduação e iniciação científica e sindicatos, entre eles o Sindsprev/RJ, o Projeto Integrador Multicêntrico investiga os processos de trabalho e saúde dos agentes e guardas de endemias e as consequências da contaminação decorrente do uso continuado de inseticidas.

Parceria da Fiocruz com comissões da Alerj

A audiência foi convocada pela Fiocruz em parceria com três comissões da Assembleia Legislativa do Estado do Rio (Alerj): Comissão de Saúde, Comissão de Representação para o Acompanhamento das Leis e Comissão de Ciência e Tecnologia. Foram convidados os deputados estaduais Carlos Minc (PSB), Elika Takimoto (PT) e Vitor Junior (PDT). Os três parlamentares são autores de projetos de lei que versam sobre a prevenção e os cuidados à saúde dos agentes e guardas de endemias no Estado do Rio.

Mesa a foi composta por parlamentares, pesquisadores e representantes da DPU e Ministério Público do Trabalho. Foto: Mayara Alves.

Primeiro a falar na audiência, o deputado Carlos Minc criticou o não cumprimento de legislações de proteção aos trabalhadores e trabalhadoras. “Atualmente, cerca de 50% dos trabalhadores guardas de endemias não possuem Equipamentos de Proteção Individual [EPIs]. Temos que exigir o fornecimento desses equipamentos, como está previsto no Projeto de Lei 3541, que institui a obrigatoriedade de EPIs para agentes e guardas de endemias em todo o Estado do Rio de Janeiro. Outros problemas graves são a não realização de exames periódicos e situações em que os próprios trabalhadores se encarregam de lavar seus uniformes, o que é absurdo porque aumenta o risco de contaminação. Há também que se fazer algo quanto a produtos como malathion, que já não são mais usados nos países ricos, mas continuam em uso aqui”, afirmou. Quando Carlos Minc perguntou à plateia quem realizada exames periódicos, apenas uma pessoa levantou o braço, comprovando o completo abandono dos trabalhadores por parte do Ministério da Saúde. Problema que continua sob o atual governo.

Presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia da Alerj, Élika Takimoto também apresentou suas ponderações sobre o assunto. “Há casos de trabalhadores que durante 25 anos tiveram contato com inseticidas já proibidos em vários países e que são causados de doenças hepáticas, doenças reumatológicas e câncer. A pesquisa realizada no âmbito do Projeto Integrador Multicêntrico é um passo importante para lutarmos contra esta situação. Vocês podem contar conosco”, disse ela.

Representante da Cogepe (MS) repetiu promessas não cumpridas

Titular da Coordenação-Geral de Gestão de Pessoas (Cogepe) do Ministério da Saúde, Etel Matielo tentou, sem sucesso, explicar por que a maioria esmagadora dos servidores do Ministério da Saúde não é submetida a exames periódicos. Segundo ela, a portaria que regula o assunto diz que, no caso dos servidores cedidos, a responsabilidade pela promoção desses exames é dos entes cessionários — no caso, estados e municípios. Quanto aos demais servidores do Ministério, ela informou que, a partir de julho deste ano, serão realizados exames periódicos, com prioridade para o Rio de Janeiro. Em seguida, também sem convencer a plateia, Etel afirmou que o Ministério da Saúde “olha por todos os seus trabalhadores”, sem explicar o que isto significa. Sobre o Projeto Integrador Multicêntrico, afirmou que o Ministério da Saúde quer “ampliar a pesquisa e a possibilidade de realizar o atendimento de trabalhadores nas clínicas da família”.

A representante do Ministério da Saúde, Etel Matielo, não soube explicar por que os trabalhadores estão há mais de uma década sem exames periódicos. O protesto mostra o quanto o Ministério vem sendo relapso nesta questão. Foto: Mayara Alves.

Após a fala de Etel, o deputado Carlos Minc pediu a palavra para novos questionamentos. “Por que somente agora o Ministério da Saúde vai celebrar convênio para realização de exames periódicos? Por que não foi feito antes?”, perguntou, para grande constrangimento de Etel Matielo, cuja gestão não cumpre a maioria das promessas feitas aos trabalhadores.

Vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção à Saúde da Fiocruz, Hermano Castro destacou a gravidade da questão dos inseticidas. “Temos que banir o uso desses inseticidas e buscar alternativas a essas substâncias nocivas e carcinogênicas, como já fizemos aqui no Brasil com no amianto. Afinal, tão importante quanto ter saúde é saber que se trabalha num ambiente saudável”, frisou.

DPU e MPT destacam a urgência do cumprimento de legislações

Membro da Defensoria Pública da União (DPU), Thales Arcoverde Treiger reforçou as críticas. “A grande dificuldade no Brasil é que o Estado cumpra e implemente as próprias legislações que ele mesmo elaborou. É alarmante a quantidade de companheiros mortos por câncer e outras doenças. Precisamos de formalizar mais parcerias com os setores da academia para que cesse este descalabro”, disse.

Juliane Mombelli, do Ministério Público do Trabalho (MPT), destacou o fato de os trabalhadores da Administração Público serem um dos grupos mais atingidos por acidentes e doenças do trabalho. Nesse sentido, destacou que uma das funções do MPT é exigir da Administração Pública que cumpra as normas regulamentadoras (NRs) do Ministério do Trabalho. “Vários tópicos aqui expostos, como a realização de exames periódicos, exames admissionais, exames demissionais, obrigatoriedade do uso de EPIs e a necessidade de uma gestão de riscos já estão previstos nas NRs do Ministério do Trabalho. Outro ponto importante a destacar é que atualmente a violência urbana já é classificada como um risco ocupacional, devendo também ser prevista nas gestões de risco”, afirmou ela, para arrematar: “realizar exames periódicos é importante, mas também é essencial pensar nos fatores de risco presentes nos ambientes de trabalho. Por isso a necessidade dos Programas de Controle Médico e Saúde Ocupacional (PCMSO)”, concluiu.

Público foi tão expressivo que a Ensp-Fiocruz teve de disponibilizar salas com telões. Foto: Mayara Alves.

Relatório aponta adoecimento e propõe medidas preventivas

A pesquisadora Ariane Leites Larentis (Cesteh/Ensp/Fiocruz) fechou as falas principais da audiência, ao apresentar as conclusões gerais do Relatório Técnico/Científico da investigação realizada nos últimos 6 anos, como monitoramento da saúde laboral de agentes e guardas de endemias expostos a inseticidas. Utilizando gráficos e textos sucintos, Ariane expôs os instrumentos e as estratégias metodológicas da pesquisa, que também apontou as nocividades dos processos de trabalho dos agentes e guardas de endemias.

Ariane apresentou ainda um resumo das atividades realizadas durante a pesquisa, que abarcou um questionário online que obteve 620 respostas; a realização de 413 atendimentos no Ambulatório do Cesteh para avaliação de saúde dos ACE; a realização de 2.413 análises clínicas feitas no Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria/Ensp; a realização de 3.937 análises toxicológicas feitas no Laboratório de Toxicologia do Cesteh/Ensp; e a realização de 455 análises de genotoxicidade, citotoxicidade e imunotoxicidade feitas no Inca/UniRio, entre vários outros procedimentos.

Em sua exposição, a pesquisadora também fez referência ao conteúdo de um folder sobre a audiência, onde foi impresso um quadro resumitivo dos agrotóxicos utilizados no período de 2020 a 2020 pelos agentes de combate às endemias no Estado do Rio. Quadro que, para cada agrotóxico listado, informa os principais efeitos e consequências deletérias sobre a saúde dos trabalhadores.

Entre as doenças diagnosticadas nos trabalhadores pelo estudo estão alterações de sono, saúde mental, hematológicas, hepáticas, renais, respiratórias, neurológicas, auditivas, imunológicas, lesões no material genético, reprodutivas, metabólitos de organofosforados em sangue e sintomas de intoxicações resultantes da exposição aos agrotóxicos identificados.

Ministério da Saúde abandonou agentes de combate às endemias, o que justifica o protesto. Foto: Mayara Alves.

Sindsprev/RJ é um dos principais parceiros do projeto

Em seguida à exposição de Ariane Leites Larentis, foi aberta a palavra aos trabalhadores presentes, que fizeram perguntas específicas sobre os temas tratados.

Participaram da audiência os representantes do Departamento de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora do Sindsprev/RJ (DPSATT), além de dirigentes e servidores da base do sindicato. Desde o início do Projeto Integrador Multicêntrico, o DPSATT é um dos principais parceiros.

Representando o DPSATT-Sindsprev/RJ, o servidor Marcos Rogerio, que também é dirigente do sindicato, fez uma fala de saudação à audiência e em seguida resumiu o processo de denúncias sobre os adoecimentos. “Cumprimento todas as autoridades presentes, todos os pesquisadores e pesquisadoras. Durante esses anos, foram trocadas informações importantes que foram produto de uma parceria que deu e continuará dando certo. O resultado será apreciado por vocês ao lerem o relatório técnico-científico de pesquisa. Cumprimento também todos os trabalhadores da Fiocruz e em especial os do ambulatório do Cesteh, onde os agentes de combate às endemias receberam atendimento humanizado no momento em que foram acolhidos pela equipe multidisciplinar daquele centro de estudos. Lamentavelmente, há pouco recebi notícias de que um trabalhador de São João de Meriti, Davi Soares, faleceu com câncer no pulmão, aos 55 anos. Processo de trabalho que mata trabalhador é processo de extermínio. Não é processo de trabalho”, afirmou Marcos, para em seguida falar sobre um caso muito triste de contaminação por inseticidas que vitimou o ACE Jaime Inácio Ferreira Neto, de 59 anos, lotado no município de Saquarema (RJ).

Marcos chamou ao plenário a viúva de Jaime, Maria das Graças, que relatou o drama da contaminação do marido, documentado num powerpoint exibido enquanto ela falava sobre a situação a todas as pessoas na audiência. “Meu marido ficou oito meses sem pele, perdeu memória, se coçava dia e noite, exalava forte odor, tinha irritabilidade. A luta tem que continuar para que ninguém passe pelo que passei. Por isso que a luta é importante. Cheguei a recolher uma pá de pele do meu marido. Tudo isto tem de ser levado a sério”, disse ela, sob forte emoção e aplaudida por todo o plenário da audiência.

O deputado Vitor Junior (PDT) não pôde comparecer, mas foi representado por uma assessora de seu gabinete. Estiveram presentes ao evento o diretor da Ensp-Fiocruz (Marco Antônio Carneiro Menezes) e a coordenadora do Cesteh-Ensp-Fiocruz (Rita de Cássia da Costa Matos).

O comparecimento dos trabalhadores à audiência desta segunda (10/6) foi tão expressivo que superou a capacidade do auditório da Ensp-Fiocruz. Como solução, a Ensp disponibilizou telões em salas de aula e na entrada do prédio da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca.

 

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