Já passava da meia-noite quando 370 deputados federais votaram, na madrugada da quarta-feira (7), o texto-base da Proposta de Emenda Constitucional 6/2019. Na tramitação ‘relâmpago’ no segundo turno, a ratificação do texto que saiu do primeiro turno com 379 votos, antes do recesso, foi iniciada e concluída no mesmo dia, em menos de 24 horas, apesar da obstrução da oposição. A votação dos destaques, apenas supressivos nesta fase, está prevista para esta quarta. Pressa é um nome apropriado para definir como foi a aprovação da reforma da Previdência Social no segundo turno na plenário da Câmara dos Deputados, no primeiro dia de sessões após o retorno do recesso parlamentar de três semanas.
Vergonha é outro substantivo reiteradas vezes mencionado por parlamentares ao longo da apreciação da proposta no plenário. Apontada pelo governo federal e pelo ‘mercado’ (antes com euforia, agora com moderação) como a salvação da pátria, a PEC-6 foi aprovada nesta fase sob mais denúncias de ilegalidades e irresponsabilidade com os trabalhadores. A denúncia partiu tanto de deputados da oposição quanto das manifestações realizadas, ao longo do dia, em Brasília e em dezenas de cidades do país. Os protestos denunciaram que a proposta que representa a maior retirada de direitos previdenciários da história estava sendo aprovada por meio da compra de votos de deputados com emendas parlamentares, cuja soma ultrapassa os R$ 3 bilhões de reais.
As denúncias são de que cada deputado da base que votou com o governo terá a liberação de R$ 40 milhões em emendas parlamentares, enquanto lideranças seriam atendidas com R$ 80 milhões. “Se não tinha voto para votar como é que apareceu votos? Teve compra de votos, teve corrupção, vamos falar o português claro”, disse o deputado Ivan Valente (SP), líder do PSOL. O deputado Marcelo Nilo (PSB-BA) afirmou que ocorreu o “toma-lá-dá-cá” mais “vergonhoso da história do Brasil, coordenado pelo chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni”. “Não se pode dizer que foram emendas impositivas [que o Executivo é obrigado a executar], porque muitos [que receberam] foram eleitos no ano passado e, portanto, não têm emendas”, disse. “Se esse projeto fosse benéfico para o povo brasileiro, não precisava o governo Bolsonaro liberar tantos recursos em emendas parlamentares”, criticou, ressaltando que 83% dos quase R$ 1 trilhão de ‘economia’ em dez anos serão retirados dos trabalhadores que ganham até 2,4 salários-mínimos.
Líderes governistas
A maioria das lideranças dos partidos da base governista ou que defendem a pauta econômica do governo Bolsonaro evitaram falar nos momentos de encaminhamento de votos para as bancadas. Havia a pressa, mas, provavelmente, havia também a intenção de não aparecer. Chamou a atenção, por exemplo, a discrição do PSDB, que pouco se manifestou, embora tenha votado com o governo. O deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) usou menos de 20 segundos para dizer que a votação da reforma fazia daquele um “dia histórico”. Já o deputado José Neto (GO), líder do Podemos na Câmara, abstraiu que se estava aprovando uma proposta que poderá levar viúvas pensionistas a receber menos que um salário-mínimo e disse que estavam diante da “reforma da Previdência mais justa” que se podia votar.
O ministro Onyx Lorenzoni, exonerado pelo governo para votar na proposta, disse, ao final da votação, que a decisão era “histórica a favor do Brasil”: assegurava o equilíbrio fiscal e preparava o país para “uma década de crescimento sustentável e continuado”, que garantiria “emprego e tranquilidade” para todos os trabalhadores. Não mencionou as denúncias de uso de emendas parlamentares para comprar votos. Aliás, nenhum deputado da base governista negou que as emendas tenham sido liberadas e prometidas durante o processo de votação da reforma – alguns usaram a tribuna no máximo para tentar sustentar que isso não possuía relação com compras de votos e era algo normal porque o dinheiro das emendas não ia para as contas dos parlamentares.
Mobilização
Em um dia marcado por pequenas manifestações em dezenas de cidades, representantes de movimentos sindicais e sociais afirmaram que a luta contra a reforma da Previdência não se encerra nas votações na Câmara. Houve atos no Rio de Janeiro, na Cinelândia, e na capital federal, em frente ao principal acesso à Câmara, no Anexo II, outra vez bloqueado à entrada da população. Servidores da seguridade social no Rio, entre eles dirigentes do Sindsprev-RJ, participaram da mobilização em Brasília.
Novos protestos já estavam convocados para o dia 13 de agosto e serão mantidos – em defesa da educação, da aposentadoria e do emprego. Após a apreciação na Câmara, a PEC-6 passará pelo Senado Federal – onde tende a levar pelo menos dois meses de tramitação. É o tempo que os movimentos contrários à reforma e os trabalhadores que não querem perder de vista o sonho da aposentadoria, por conta de uma reforma que retira da Constituição Federal quase todos os direitos previdenciários, têm para reagir e reverter a derrota.