A ‘reforma’ da Previdência aprovada pelo Senado Federal para os militares mantém conquistas históricas do funcionalismo que há muito já foram eliminadas dos civis: aposentadoria integral referente ao último salário da carreira e paridade com o pessoal da ativa. Também não foi estabelecida idade mínima para a requisição da aposentadoria – que no caso de um servidor civil ou um operário da construção civil foi fixada pelas novas regras em contestados e controversos 65 anos de idade.
A ‘reforma’ proposta por um governo provavelmente com mais militares em cargos de primeiro e segundo escalões do que até mesmo os da ditadura vem ainda acompanhada de um aumento, substancial no caso das altas patentes, nos soldos, turbinados por meio da criação ou incorporação de gratificações.
Há perdas, é verdade. A principal é o aumento em cinco anos do tempo mínimo de contribuição – que passa dos atuais 30 anos para 35 anos. Mas o contraste com a ‘reforma’ imposta aos servidores civis e mesmo aos trabalhadores inscritos no Regime Geral de Previdência Social é gritante. Tanto a curto quanto a médio e longo prazos.
Os militares vão perceber, em maior ou menor grau, o impacto da reforma já em 2020 com o aumento nos soldos. No primeiro semestre,
a remuneração bruta de um general do Exército saltará dos atuais R$ 24.756 para R$ 28.154, segundo dados divulgados pelo Senado Federal.
Quando a proposta estiver totalmente implementada, em 1° de julho de 2023, a remuneração deste mesmo general chegará a R$ 33.794.
O funcionalismo civil também deve notar o peso das mudanças no contracheque a partir de março do ano que vem. Mas a sensação será oposta: haverá, na prática, redução salarial a partir da aplicação das novas alíquotas previdenciárias aprovadas na ‘reforma‘ e hoje contidas na Emenda Constitucional 103. Um servidor que receba R$ 6.500 de remuneração, por exemplo, terá menos cerca de R$ 62,00 no contracheque a partir de março – ou R$ 806 por ano. Numa projeção para dez anos, este servidor civil terá sido subtraído de seu bolso cerca de R$ 8 mil. Com a novas alíquotas, todos os servidores que recebam acima de R$ 4.500 vão pagar mais à Previdência.
Tramitação-relâmpago no Senado
A ‘reforma’ dos militares (PL 1.645/2019) atinge as Forças Armadas e deverá também ser aplicada a policiais militares e bombeiros nos estados. Foi aprovada em tramitação-relâmpago no Senado no dia 4 de dezembro, após ter sido apreciada por oito meses na Câmara dos Deputados. O resultado, embora incontestavelmente melhor que o dos civis, não agradou às representações dos praças e militares de baixa patente, que em termos salariais terão aumentos bem inferiores ao alto escalão.
O projeto dos militares é aprovado quando os servidores civis e trabalhadores celetistas ainda contabilizam o tamanho das perdas geradas pela Emenda Constitucional 103, número dado à proposta de emenda constitucional da Previdência. A integralidade e a paridade já haviam sido eliminadas nas ‘reformas’ anteriores – embora notícias falsas disseminassem o contrário.
Perdas para os civis
As perdas da ‘reforma’ dos servidores civis e dos trabalhadores do setor privado, no entanto, estão longe de se restringirem ao impacto das novas alíquotas. Neste terreno, aliás, a EC 103 prevê que alíquotas suplementares podem ser cobradas para combater déficits detectados no regime previdenciário. Detalhe: toda a campanha de aprovação da ‘reforma’ teve como base um suposto déficit bilionário nas contas da Previdência. Em outras palavras: a ameaça de a qualquer momento essa taxa suplementar ser adotada e gerar uma perda salarial ainda superior é real e não pode ser ignorada. Esse pesadelo, porém, é restrito aos civis: os militares não estão submetidos a ele. A alíquota regular aumentou, indo a 10,5%, mas ainda num percentual inferior aos 11% que já eram cobrados do funcionalismo civil antes mesmo da `reforma`.
A médio e longo prazos os impactos também terão pesos bem distintos para civis e militares. No valor das aposentadorias – enquanto o militar terá o benefício integral, a dos servidores civis já não é integral desde 2003, exceto para quem entrou nos serviços públicos antes deste ano, e passarão a ser submetidas aos novos e desvantajosos critérios de cálculo. A disparidade se dá também nas exigências para a aposentadoria, já que não haverá idade mínima para militares e a regra de transição para quem já está no sistema é bem mais branda para estes e inacessível para a maioria dos civis: enquanto os militares terão que pagar um pedágio de 17% sobre o tempo que falta, os servidores civis serão submetidos a um pedágio que dobra o tempo que resta para a aposentadoria.
Meios de comunicação
Também é evidente a disparidade de tratamento dos meios de comunicação tradicionais em relação às duas reformas. Enquanto os servidores civis foram eleitos vilões de contestados déficits, pouco se falou da tramitação da `reforma`dos militares e das disparidades entre uma e outra.
Desde o início do ano, os movimentos contrários às reformas do presidente Jair Bolsonaro, dos quais o Sindsprev/RJ participou, questionam a necessidade dessas mudanças, defendem que o sistema não é deficitário e afirmam que Previdência Social não é um mercado de capitais, mas uma conquista da classe trabalhadora voltada a assegurar o direito à velhice com dignidade – seja para militares ou civis.
Pontos da `reforma` e da reestruturação dos militares
Gratificação de Disponibilidade
O projeto cria o Adicional de Compensação de Disponibilidade Militar, relativo à disponibilidade permanente e à dedicação exclusiva. Varia de 5% para militares em início de carreira a 32% para patentes mais elevadas. Para os oficiais-generais, o percentual vai de 35% a 41%. É esse ponto que, na Câmara, levou representantes de associações militares a chamar o presidente Jair Bolsonaro de ‘traidor’. Isto porque as lideranças governistas atuaram pesado para impedir a aprovação de um destaque do PSOL que elevava o valor da gratificação dos soldados, cabos e sargentos.
Adicional de Habilitação
A proposta ainda prevê reajustes anuais, até 2023, nos percentuais do Adicional de Habilitação, hoje em 30%, que serão incorporados aos soldos.
Alíquota
A alíquota da contribuição de ativos e inativos, para pensões militares, passará dos atuais 7,5% para 10,5% e os pensionistas passarão a recolher pelo menos 10,5% a partir de 2021. A alíquota chegará a 13,5% para alguns casos de filhas pensionistas vitalícias não inválidas. Atualmente, os pensionistas não recolhem contribuição previdenciária.
Tempo de serviço
O texto aumenta o tempo de serviço mínimo para aposentadoria de 30 para 35 anos e reduz o rol de dependentes e pensionistas.
Regra de transição
Quem já está no sistema terá regra de transição na qual terá que pagar um pedágio de 17% do tempo que falta nas regras antes da `reforma` para aposentadoria.
Indenização maior
Aumento da indenização que o militar recebe quando vai à reserva – chamada de Ajuda de Custo. Passa de quatro para oito vezes o valor da remuneração e é paga uma única vez.