Após uma intensa campanha com mobilizações nos estados e em Brasília, foi aprovado nesta quarta-feira (4/5), no plenário da Câmara dos Deputados, por 449 votos a 12, o Projeto de Lei (PL) 2564, que fixa um piso nacional para toda a enfermagem. Como há 160 dias o PL havia passado pelo Senado, de onde se origina, agora segue para a sanção presidencial. Se for vetado, volta para a Câmara, que decide pela derrubada do veto.
O assessor jurídico da diretoria do Sindsprev/RJ, advogado Roberto Marinho, explicou que o prazo para sanção ou veto é de 15 dias, contados da data do recebimento do projeto aprovado. Se passar do prazo, o PL volta para o Congresso, a fim de ser promulgado.
Marinho disse ainda que, se houver veto, os parlamentares têm 30 dias para analisar e decidir pela manutenção ou derrubada do veto. No entanto, ele afirmou que esse prazo não costuma ser cumprido.
Dentre os parlamentares que foram contrários ao piso, estão Eduardo Bolsonaro (PL-RJ) e a bancada do partido Novo. Além do deputado Eduardo, os deputados Tiago Mitraud, Lucas Gonzalez, Paulo Ganime, Adriana Ventura, Alexis Fonteyne, Vinicius Poit, Gilson Marques, Marcel Van Hattem, todos do partido Novo, votaram contra a proposta. Kim Kataguiri (União), José Medeiros (PL) e Ricardo Barros (PP) também foram contrários ao Projeto de Lei.
De autoria do senador Fabiano Contarato (PT-ES), o Projeto de Lei fixa em R$ 4.750,00 o piso nacional salarial de enfermeiros. Também define pisos salariais de R$ 3.325 para técnicos de enfermagem e de R$ 2.375 para auxiliares de enfermagem e parteiras. Os valores para esses profissionais são calculados em percentuais sobre o piso para enfermeiros: 70%, 50% e 50% dos R$ 4.750 previstos no projeto, respectivamente.
O plenário da Câmara estava lotado durante a votação. Do lado de fora, com manifestações em frente ao Congresso Nacional e nas galerias, a pressão da categoria se fez presente mais uma vez. Do ato participaram profissionais do setor vindos de norte a sul do país. O Rio de Janeiro participou de uma caravana conjunta do Coren/RJ e do Sindsprev/RJ.
A deputada Enfermeira Rejane (PCdoB-RJ) comemorou a decisão e observou que Brasília se vestiu de branco para acompanhar a votação do piso da enfermagem, numa referência à mobilização na Esplanada dos Ministérios e em frente ao Congresso. Do alto de um caminhão de som, enquanto passava uma passeata da enfermagem, a parlamentar afirmou: “Hoje é a vitória da luta de uma categoria heroica e sofrida, que trabalha para salvar a vida do povo. Ninguém promove saúde sem a enfermagem, que mostra, com esta aprovação, a sua organização e disposição de luta”.
Manter a pressão
A diretora da Regional Jacarepaguá do Sindsprev/RJ, Christiane Gerardo, comemorou a aprovação, mas ressaltou que a mobilização tem que continuar para garantir que o novo piso seja efetivado na prática. “Temos que continuar na luta. A votação foi uma vitória gigantesca. Se fez justiça com a categoria que há muito tinha que ter o seu trabalho de salvar vidas valorizado”, afirmou.
Christiane avaliou que reduzir os valores iniciais foi fundamental para construir o consenso na Câmara. “O Sindsprev/RJ acertou na política junto com o Sistema Cofen/Coren (Conselho Federal e regionais de enfermagem), apostou neste caminho e ontem saímos vitoriosos. Entretanto, ainda temos um longo caminho a percorrer até que os valores se tornem realidade. Continuar a luta é a missão agora. No dia 12 de maio (início da Semana da Enfermagem), é importante a realização de atos de rua, e no dia 26 de maio o ato específico da categoria em Madureira, tem que ser gigante”, afirmou.
A diretora do Sindsprev/RJ Clara Fonseca comemorou esta importante vitória da categoria, mas também ressaltou que a luta não se encerra agora. “Ainda teremos que ir muitas vezes às ruas para que o piso se torne uma realidade em todos os contracheques dos enfermeiros, auxiliares e técnicos, para que esta categoria tão sofrida, que foi um anjo nesta pandemia, salvando vidas, seja realmente contemplada, no setor privado, federal, nos estados e municípios”, argumentou.
Garantir o piso
Representantes do governo, como o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e o líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), alegaram diante do fato de que o projeto seria aprovado por ampla maioria, que, antes de ser sancionado por Jair Bolsonaro, teria que ser definida a fonte de custeio, ou seja, de onde vão vir os recursos para o pagamento dos novos valores.
A relatora do PL 2564 na Câmara, deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC), manteve a proposta conforme aprovada pelos senadores. Disse que o gasto a mais gira em torno de R$ 50 milhões ao ano para a União, uma despesa facilmente absorvida por dotações específicas ou créditos genéricos previstos para o exercício. Explicou ser este um valor bastante reduzido para a receita anual dos ministérios da Saúde e Educação.
Mais pressão
A relatora acrescentou, no entanto, que há um entendimento de que, por meio de uma nova proposta no Congresso, seja encontrada fonte de recurso para a medida. Segundo ela, será necessário aguardar essa tramitação para enviar o projeto aprovado nesta quarta-feira para sanção presidencial.
Uma das formas apontadas para resolver a questão seria a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 11 que ‘garantiria a constitucionalidade’ do projeto do piso e apontaria as fontes de custeio. Para Christiane é hora de colocar ainda mais pressão sobre o governo que liberou isenção de impostos de R$ 534 bilhões para empresários da indústria, e cria artifícios para não pagar o piso que custaria nacionalmente R$ 16 bilhões.
Segundo o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) antes de enviar o PL 2564 à sanção, representantes da categoria e do parlamento brasileiro já articulam fontes de financiamento para viabilizar o piso nacional.
Na última terça-feira (3), uma comitiva se reuniu com o miistro da Saúde Marcelo Queiroga para discutir dotações orçamentárias para o projeto.
Zanotto acredita que repasses e desencargos são o caminho para bancar o investimento necessário. “O governo federal pode alocar recursos para estados, municípios e prestadores de serviços conveniados ao SUS. Quanto ao sistema privado, temos outras alternativas, como a desoneração da folha de pagamentos”, pondera a parlamentar.
A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para instituir o piso nacional da Enfermagem sem sobrecarregar os municípios. “Foi construído um acordo com um grupo de deputados federais, que vai apresentar um PLP (Projeto de Lei Complementar) para criar um fundo de financiamento na ordem de R$ 16 bilhões e ficou a cargo do Senado apresentar uma PEC, para proteger os municípios. Uma das ideias discutidas pelos parlamentares para o financiamento é através dos lucros e dividendos de grandes empresas. A aprovação da PEC e do PLP trará segurança jurídica para plena validade do piso salarial”, considera a parlamentar.
Segundo dados levantados pelo grupo de trabalho da Câmara dos Deputados que analisou o impacto econômico do piso da categoria, o investimento necessário para erradicar os salários miseráveis na área da Enfermagem representa apenas 4% do investimento do SUS ou somente 5% do faturamento dos planos de saúde no Brasil. O PL 2564 estabelece piso salarial de R$ 4.750 para enfermeiras e enfermeiros, 70% desse valor para técnicas e técnicos e 50%, para auxiliares e parteiras. Hoje, existem 1,1 milhão de profissionais da ciência do cuidado na linha de frente.