Responsável por mergulhar o Brasil em uma de suas maiores crises políticas, sociais e econômicas da história, Bolsonaro joga todas as fichas na aprovação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 23. O objetivo é gerar recursos para programas assistenciais já existentes, que mudariam de nome, como o Auxílio Brasil, que substituiria o Bolsa Família, e desviar dinheiro para emendas parlamentares, a fim de ampliar a base de apoio à sua candidatura à Presidência e financiar campanhas eleitorais de aliados, entre outros fins, com o dinheiro dos precatórios que o governo, através da PEC 23, deixaria de pagar à vista.
A PEC do Calote, como é mais conhecida, foi aprovada numa primeira votação, na madrugada deste dia 4, por 312 votos a 144. A grande surpresa foi o voto favorável de dois partidos de oposição, 15 do PDT e 10 do PSB. Sem estes 25, o governo teria 287 votos, o que faria a PEC morrer na praia, já que é exigido um número mínimo de 308 votos para a aprovação de emendas constitucionais. O fato levou o presidenciável do PDT, Ciro Gomes, a suspender a sua candidatura.
A segunda votação na Câmara está prevista para o próximo dia 9. Caso seja aprovada, terá que passar por duas outras votações no Senado, sendo exigido, igualmente, quórum de 3/5 do total de senadores. Aliado de Bolsonaro e de olho nas eleições, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já declarou que tem pressa na votação. E que poderá colocar a matéria diretamente no plenário, sem passar pelas comissões.
A jogada
Para o economista Adhemar Mineiro não há como prever o que acontecerá no segundo turno de votação da PEC do Calote. “Na verdade, podemos esperar qualquer coisa sobre a proposta de adiamento dos precatórios, porque a PEC 23 faz parte da preparação do processo eleitoral do ano que vem. O governo está tentando achar um espaço orçamentário, tentando driblar o teto de gastos, postergando o pagamento dos precatórios, para tentar viabilizar, tanto o auxílio emergencial, que o viabiliza eleitoralmente, quanto o dinheiro para emendas parlamentares como fundo extra eleitoral”, destacou. Acrescentou que, a 11 meses das eleições, o processo eleitoral já começou.
Henrique Acker, jornalista e analista político classificou a PEC do Calote como uma nova ‘rachadinha’ para encher o bolso dos deputados. “Só que, desta vez, quem financia não são os funcionários dos gabinetes, mas os credores do governo que teriam estes precatórios para receber e vão ficar a ver navios, pelo menos uma grande parte deles”, observou.
Acrescentou que nesta sexta-feira (5/11), o jornal O Estado de S. Paulo informou que o governo Bolsonaro empenhou R$ 1,2 bilhão do chamado orçamento secreto só para a aprovação da PEC do Calote dos Precatórios. “O governo deixa de pagar dívidas da União, já reconhecidas pela Justiça, liberando grande parte destes recursos para outros fins, entre eles este Auxílio Brasil que nada mais é do que um Bolsa Família de R$ 400, mas com prazo de validade até o fim de 2022. Ou seja, dá um trocado com uma mão para acabar com o Bolsa Família depois, com a outra, numa jogada claramente eleitoral”, afirmou.
R$ 90 bi para o Centrão
Com a PEC vão sobrar mais de R$ 90 bilhões no Orçamento para o Centrão, valor mais que suficiente para manter a aliança do governo Bolsonaro com este grupo de mais de 300 parlamentares com vistas às eleições de 2022. “E é isto o que está por trás da posição do Ciro Gomes, porque ele sabe que se esta PEC for aprovada e se essa montanha de dinheiro for assegurada em emendas aos parlamentares do Centrão, dificilmente ele terá condição para competir com esta máquina de grana para chegar ao segundo turno. Mas vamos aguardar, pode ser que alguns votos mudem”, ponderou.
Acker frisou que é falso o argumento de que a PEC é para minimizar o sofrimento da população mais carente. “Na verdade, eles aproveitaram a necessidade de manter alguma ajuda aos mais pobres, como justificativa para bancar esta malandragem de financiamento do Centrão”, avaliou.
Apropriação indébita
Ao não pagar o que deve, o governo se apropria de um dinheiro que não é seu, sob a alegação de que vai financiar os R$ 400 do recém-criado Auxílio Brasil, que substituirá o programa Bolsa Família. O detalhe é que o auxílio não tem verba própria, não é um programa com previsão orçamentária e tem prazo de duração definido: até o final de 2022, sendo uma medida eleitoreira, para angariar votos. Seu outro objetivo, ainda mais sórdido, é criar uma cortina de fumaça para acabar com o Bolsa Família, deixando 39 milhões de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza sem amparo financeiro.
Precatórios são dívidas da União com pessoas físicas, jurídicas, estados e municípios, reconhecidas em decisões judiciais transitadas em julgado, ou seja, definitivas, e que o governo tem obrigação de pagar, com previsão anual no Orçamento da União. Com a PEC, o governo usa o teto de gastos como alegação para não pagar o que deve.
Pela PEC 23, os precatórios de valor superior a R$ 66 milhões (1.000 vezes o pagamento considerado como de pequeno valor, para efeitos judiciais) poderão não ser mais pagos à vista, mas em dez parcelas, sendo 15% à vista e o restante em parcelas anuais. Outros precatórios poderão ser parcelados se a soma total for superior a 2,6% da receita corrente líquida da União. Nesse caso, o critério será o parcelamento dos precatórios de maior valor.
Determina, ainda, a correção de precatórios de qualquer natureza por meio da taxa básica de juros, a Selic — sendo que hoje a correção é determinada a partir da natureza do precatório, podendo incidir a Selic ou IPCA + 6%.
Outra mudança é a abertura da possibilidade de um chamado “encontro de contas” com os estados e municípios. O texto permite que os contratos, acordos, ajustes, convênios, parcelamentos ou renegociações de débitos firmados pela União com os entes federativos contenham cláusulas para autorizar o abatimento nos precatórios dos valores devidos pela União.