As seguidas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) de dar às testemunhas e investigados chamados a depor na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Genocídio o direito de não responder às perguntas para não se incriminar, acabam por manter a impunidade sobre atos de corrupção nos contratos para a venda de vacinas, como aconteceu na compra do imunizante indiano Covaxin, fabricado pela Barath Biotech, intermediada pela Precisa Medicamentos. Tem se verificado que empresários e pessoas a eles ligados, acusados de se aproveitar da pandemia do novo coronavírus para negociar com o governo Bolsonaro contratos superfaturados, com pagamento de propina se veem protegidos de serem investigados e punidos pelos crimes que teriam praticado ao tentar se apossar de recursos públicos em meio à morte de centenas de milhares de pessoas.
As decisões do STF, baseadas no direito a não autoincriminação, têm sido cumpridas pela CPI, mas causam indignação entre os senadores que integram a Comissão. Nesta quarta-feira (18/8), o advogado da Precisa, Túlio Silveira, usou e abusou do habeas corpus concedido pelo Supremo, permanecendo em silêncio durante todo o depoimento.
Documentos obtidos pela CPI comprovaram que Túlio não era apenas advogado da Precisa, mas negociador do contrato superfaturado entre a Precisa e o Ministério da Saúde para o fornecimento da Covaxin ao preço de US$ 15 a dose, a mais cara entre todas, e também autor de documentos com informações falsas, adulterados, com valores diferentes entre si, bem como por pressionar técnicos do Ministério da Saúde a assinar o contrato questionado por eles e para a liberar US$ 45 milhões antecipadamente.
Os documentos produzidos por Túlio foram questionados pelo técnicos do ministérios, também, pelo fato da Precisa não ter função alguma no negócio: não era a produtora da vacina, nem exportadora, nem importadora. Mas era a negociadora do negócio tendo estabelecido preço e cobrado pagamento adiantado.
O advogado passou de testemunha para investigado na sessão, após silenciar a maior parte do depoimento. Ele alegou sigilo profissional do advogado, amparado por habeas corpus do STF (Supremo Tribunal Federal).
Silêncio é admissão de culpa
“Não há silêncio dos inocentes aqui. Quando se reserva no direito de permanecer em silêncio para não se incriminar é a uma admissão de culpa”, argumentou a senadora Simone Tebet (MDB-MS). Mas acrescentou não ser possível chegar a determinadas conclusões com a proteção dada a estes investigados pelo STF.
O mesmo silêncio foi usado pelo proprietário da Precisa nesta quinta-feira (19/8), Francisco Maximiano. “Com todo o respeito vou usar o meu direito ao silêncio, garantido a mim pelo STF”, respondeu inúmeras vezes ao ser questionado pelo relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), pelo presidente e pelo vice-presidente da Comissão, respectivamente, Omar Aziz (PSD-AM) e Ranbddolfe Rodrigues (Rede-AP).
Saiba mais sobre o caso
Além de superfaturado, o contrato previa pagamento adiantado de US$ 45 milhões não ao laboratório Barath Biotech, fabricante do imunizante, ou à intermediária Precisa Medicamentos, mas a uma empresa com sede em Cingapura, que se descobriu ser de fachada e que representava outras 600 empresas, a Madison Biotech. O dinheiro para o pagamento total estava liberado.
Eram mais de R$ 1,6 bilhão. Acabou não sendo pago devido à instalação da CPI do Genocídio.
O caso envolve, além destas empesas, o ex-ministro da Saúde quando da assinatura do contrato e general Eduardo Pazuello, o líder do governo Ricardo Barros (PP-PR) e o presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido). Bolsonaro se empenhou pessoalmente no fechamento do contrato, tendo colocado à disposição da Precisa e do seu proprietário Francisco Maximiano, a diplomacia brasileira, incluindo aí, a embaixada do Brasil na Índia, país para o qual Maximiano viajou por diversas vezes.
Bolsonaro editou, ainda, uma Medida Provisória que beneficiou diretamente a Precisa, ao autorizar contratos para o fornecimento de vacinas, como a Coaxin, sem autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Barros está respondendo, juntamente com Maximiano, por ter assinado, quando era ministro da Saúde, em 2017, contrato para a compra de medicamentos da Global Saúde, da qual é sócio o próprio Maximiano. A Global recebeu antecipadamente R$ 20 milhões, mas não entregou os medicamentos.
Barros passou de testemunha a investigado.
Bolsonaro envolvido
O caso da pressão para a assinatura do contrato irregular com a Precisa foi denunciado pelo chefe do departamento de importação do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Miranda e pelo seu irmão, o deputado Luis Miranda (DEM-DF) ao presidente Jair Bolsonaro, que se referiu ao caso como ‘rolo do Barros’, indicando que sabia do que se tratava e da participação do líder do governo.
Bolsonaro disse que iria mandar investigar, o que não aconteceu, sendo considerado prevaricação, crime de responsabilidade, passível de afastamento do cargo. O crime é previsto no Código de Processo Penal, cometido por agente público que impede ou se omite de investigar fato do qual tomou conhecimento.