23.9 C
Rio de Janeiro
quinta-feira, novembro 21, 2024
spot_img

Sociólogo questiona metodologia de pesquisa que aponta Bolsonaro como ‘candidato imbatível’

Entre os dias 18 e 21 de julho, o instituto Paraná Pesquisas realizou ‘pesquisa de opinião’ na qual afirma ter constatado uma aprovação de cerca de 30% do eleitorado brasileiro ao presidente Bolsonaro. O Instituto Paraná diz ainda que Bolsonaro, pelos números atuais da pesquisa, seria hoje um candidato ‘imbatível’. Para comentar sobre a pesquisa, o Sindsprev/RJ conversou com Aluizio Alves Filho, doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), mestre em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ) da Universidade Candido Mendes (UCAM) e professor aposentado da UFRJ e da PUC/RJ. A pesquisa do Instituto Paraná foi publicada na edição da revista ‘Veja’ desta semana.

Sindsprev/RJ- quais as observações que Sr. tem a fazer sobre a metodologia empregada na pesquisa do Instituto Paraná?

Aluizio Alves Filho – esta pergunta que o Sindsprev/RJ me faz é muito importante e oportuna, levando em conta o momento que estamos vivendo. Antes de respondê-la, julgo necessário dizer algumas palavras sobre a minha formação acadêmica, para deixar clara uma certa familiaridade que tenho com o assunto. Doutorei-me em sociologia pela UnB, anteriormente havia feito mestrado em ciência política no IUPERJ, onde fui aluno de grandes professores, que me colocaram em contato com metodologia quantitativa, e aprendi a utilizá-la, aplicando-a ao exame de questões sociais. Com o tempo, participei de pesquisas utilizando tal metodologia e ministrei cursos a respeito. Trata-se de algo fascinante pela quantidade de abordagens da realidade empírica que o uso de tal metodologia possibilita.

Sindsprev/RJ – o Sr. poderia explicar melhor?

Aluizio Alves Filho – sim. É que as ciências sociais se valem de todos os tipos de metodologias: as metodologias qualitativas, como, por exemplo, o positivismo, o marxismo, o funcionalismo, o empirismo e o estruturalismo, e as metodologias quantitativas. Estas são fundadas na matemática e ancoradas na estatística. Dependendo do que está estudando e o que em tal estudo quer, o pesquisador de fenômenos sociais deve saber como procurar, encontrar e selecionar na “caixa de ferramentas”, que está cheia delas, as ferramentas que, produzidas por diferentes meios, propósitos e intenções por gerações de estudiosos das mais diversas formações, lhe servem. A caixa contendo tais ferramentas está guardada nas bibliotecas, estando nos livros que compõem o seu acervo. O pesquisador tem que saber encontrar as ferramentas que lhe servem para a boa realização do trabalho que tem em mente, saber adequá-las à especificidade do que queira pesquisar e, sobretudo, saber utilizá-las com propriedade para poder produzir conhecimentos úteis e relevantes para a sociedade. Assim como um pintor, para realizar o seu ofício, deve escolher entre as “ferramentas” a utilizar, como pinceis e tintas, e não martelos e serrotes, cujo uso o levaria a resultados desastrosos, quem tiver por propósito estudar desigualdades sócio-econômicas nas formações sociais capitalistas encontra férteis e fecundas ferramentas a respeito nas gavetas da caixa de ferramentas onde estão guardadas as ferramentas marxistas. Mas, para quem pretende pesquisar, por exemplo, para que faixa etária deve ser voltada a publicidade de um produto que está sendo lançado no mercado, a caixa contendo ferramentas marxistas não servirá para nada, porque é tão adequada à pesquisa desse tipo de questão quanto o martelo e o serrote para pintar uma parede. No caso, o pesquisador deverá usar ferramentas voltadas para a pesquisa de opinião. Em suma: não adianta xingar a ferramenta sem entender para o que ela serve ou não serve. No caso, xingar só mostra a incompetência de quem age dessa forma.

Sindsprev-RJ – e no caso da pesquisa do Instituto Paraná sobre intenção de voto em Bolsonaro, quais são as suas observações críticas?

Aluizio Alves Filho – as duas condições básicas da metodologia que foi utilizada na pesquisa em questão é que não podem ser de forma alguma prescindidas ou mesmo alteradas sem que as conclusões apresentadas desmoronem como um castelo de cartas. São elas: 1. a definição do que consiste o universo a ser estudado, ficando claro que nenhuma parte dele poderá ser abandonado ou deixada de lado. E 2: o uso de amostra aleatória. As duas condições estão interligadas e, se houver falha em uma ou na outra, a pesquisa entra em curto-circuito, não apresentando eficácia científica à luz de metodologia reconhecida pela comunidade científica internacional. Para que a primeira condição [a definição do universo a ser estudado] não seja desfigurada, é necessário que todos os elementos pertencentes à população do universo da pesquisa tenham a mesma probabilidade de fazer parte da amostra. A segunda condição é que a amostra seja aleatória, ou seja, que os que participaram dela tenham sido selecionados de forma absolutamente neutra, ao sabor do acaso. Em outras palavras: por sorteio, e não por indicação ou escolha. Algo similar ao que acontece em qualquer prêmio lotérico, onde os números que serão premiados só serão conhecidos após sorteio em que todas as bolas de zero a 9 que estão previstas para serem sorteadas sejam de igual número e, portanto, com iguais possibilidades de serem sorteadas. Se houver algum número com maior quantidade de bolas a serem sorteadas do que as outras, ou em vários, ou se faltarem uma ou duas bolas de determinados números, o resultado nada tem de neutro.

Sindsprev/RJ – e foi isto o que aconteceu na pesquisa do Instituto Paraná?

Aluizio Alves Filho – a conclusão mais central que a pesquisa apresentou, anunciada aos quatro ventos e que agitou as redes sociais e rodou o país, é que, em todos os cenários investigados, Bolsonaro, caso a eleição presidencial fosse realizada agora, lideraria com folga o primeiro turno e seria reeleito presidente da República com facilidade, fosse qual fosse o candidato com o qual tivesse que concorrer no segundo turno. Mas será que a conclusão central da pesquisa, vista pelo prisma científico, é confiável? No site da empresa que realizou a pesquisa, consta que foi realizada por telefone. Claro que se compreende não ser viável aplicar pessoalmente questionários de pesquisa de opinião visitando residências sorteadas por amostra aleatória em época marcada pela pandemia. Mas, na medida em que se substitui tal princípio por pesquisas feitas pelo telefone, sem as sólidas bases que sustentam a credibilidade, o resultado pode ser questionado. Isto porque o universo da população pesquisada deixa de ser o país e passa a ser quem tem telefone.

Vale convir que, com a popularização do celular, a maioria das pessoas nem tem mais telefone. Mais que isso, não existem catálogos para se saber quem tem ou não telefone. Como se fazer uma amostra aleatória nestas circunstâncias? Amostra aleatória de quê? Do universo da pesquisa não é e muito menos de quem tem telefone. Os problemas são dos mais diversos tipos. Quem não tem telefone porque o tomou por obsoleto. Os que não têm por economia. Há o caso de quem – por boas razões – não responde a “questionários” por telefone e por aí vai. Na verdade, o que foi feito não é uma pesquisa de opinião com base em metodologia científica, mas uma enquete, que a mídia e as redes sociais fazem voar pelo público dando gato por lebre. Por que será? Outra observação que me ocorre fazer sobre a metodologia empregada é que na apresentação do resultado da pesquisa tem um quesito intitulado “Avaliação e Aprovação do Governo Jair Messias Bolsonaro”. Estranho constar a palavra “aprovação” no título, pois o que a pesquisa de opinião tem por objetivo é mostrar o índice de aprovação e de reprovação. O resultado apresentado é um empate técnico, o que causa certa perplexidade quando comparado com os resultados por pesquisas eleitorais nas quais Bolsonaro sempre vence com facilidade, sendo seu principal competidor o ex-juiz Sergio Moro, também candidato da direita. Nos dados da pesquisa que foram divulgados não há menção a nenhuma pergunta feita sobre variáveis como educação e saúde. Será que é possível avaliar o índice de aprovação do atual governo “esquecendo” de colocar estas perguntas no questionário?

Sindsprev/RJ – quais os possíveis cenários políticos e eleitorais que o Sr. enxerga hoje no horizonte do país, tendo em vista o desgaste de Bolsonaro provocado pela pandemia do coronavírus, pelo aprofundamento da crise econômica e pelo esgarçamento das relações do Executivo com o Legislativo e o Judiciário?

Aluizio Alves Filho – quem vai avaliar uma pesquisa de opinião, sobretudo sobre tema político, deve responder preliminarmente a três questões para bem situá-la. As perguntas são: 1 – quem financiou a pesquisa?, 2 – em que canal foi inicialmente publicada? e 3 – em que conjuntura isso se deu? Esta pergunta que me faz o Sindsprev/RJ também contém, de forma implícita, as três indagações que destaquei ao estabelecer relação entre os possíveis cenários políticos e eleitorais que podem ser pensados, tendo em vista o desgaste vivido pelo governo Bolsonaro em função das crises derivadas da má-gestão da coisa pública e do aguçamento das contradições entre os três poderes da República. Isto sem contar que, na semana em curso, a crise do bolsonarismo se agravou, pois o Centrão rachou, veio à tona documento assinado por número expressivo de Bispos da Igreja Católica Apostólica Romana, criticando duramente o atual governo, e Bolsonaro foi denunciado no Tribunal Internacional de Haia, acusado de genocídio. Penso que é muito cedo para se vislumbrar cenários políticos representativos e confiáveis para se começar a preparar sólidas estratégias para o pleito eleitoral que ainda está muito longe. Por enquanto, há mais penumbra do que luz no fim do túnel e muita água ainda vai passar por baixo da ponte.

O sociólogo Aluizio Alves Filho, que questiona metodologia do Paraná Pesquisas

NOticias Relacionadas

- Advertisement -spot_img

Noticias