Números obtidos a partir de levantamento produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), que levou em conta boletins de ocorrências policiais fornecidos por 23 estados brasileiros, apontam que oito de cada dez pessoas mortas pela polícia em 2019 eram negras.
Divulgados pelo portal jornalístico UOL, os dados compõem o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020 e mostram que, das 6.357 vítimas de violência policial no ano passado, a esmagadora maioria (99%) era formada por homens. No comparativo com o número do ano anterior (6.175), houve um aumento de 2,9% na quantidade de mortos por agentes do estado.
“A gente está olhando para os números e percebendo que, enquanto o Brasil faz de conta que não tem problemas raciais, um racismo estrutural que organiza as relações sociais do país, quem morre e quem mata são exatamente proporcionalmente muito mais negros do que brancos”, afirmou, ao portal UOL, o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sergio de Lima.
Além de majoritariamente negras, as vítimas da violência policial são compostas, em sua maioria, de jovens entre 15 e 29 anos.
Para Amanda Pimentel, pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a matança de negros pelas forças policiais é algo que virou parte da cultura policial. “Quando a gente tenta pensar as mortes violentas, em especial as da polícia, isso se dá tanto porque vivemos em um país de herança escravocrata quanto porque a raça incide nesses eventos violentos”, disse ao UOL.
Segundo o Anuário, para cada policial assassinado no Brasil no ano passado, 37 pessoas foram mortas por policiais. Professor de Gestão Pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas), Rafael Alcadipani também vê na discriminação racial um fator preponderante para a quantidade de negros mortos pela polícia. “Os dados mostram como o Brasil é um país violento, principalmente contra a população negra. Esse racismo se manifesta nesses números”, concluiu.
Assassinato do jovem João Pedro confirmou barbárie policial contra o povo negro
Ocorrida na noite do dia 8 de maio deste ano, na comunidade Salgueiro, em São Gonçalo, a morte do jovem João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, foi mais um triste episódio a confirmar a forma como tradicionalmente o Estado brasileiro se faz presente nas periferias e favelas do país: por meio da mais brutal violência, barbárie e discriminação.
Na ocasião, o jovem João Pedro foi morto durante operação realizada pelas polícias civil e federal contra o tráfico de drogas naquela comunidade. Após uma verdadeira fuzilaria que não poupou moradores e instaurou um clima de terror na favela do Salgueiro, o corpo do adolescente só foi encontrado pela família após 17 horas de uma angustiada busca empreendida por seus pais. O cadáver de João Pedro estava no Instituto Médico Legal (IML) daquele município. A causa do óbito: um tiro de fuzil, que o atingiu em casa. A residência onde morava o adolescente foi alvejada por mais de 70 tiros, durante a operação policial.
Como a maioria esmagadora das vítimas fatais de violência policial no Brasil, João Pedro era negro e jovem, confirmando o que dizem os dados publicados agora pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
”Na realidade, o quadro apontado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra o advento do racismo estrutural no Brasil, um país no qual o Estado tem o povo negro como inimigo a ser exterminado, um Estado cuja ideologia racista, homofóbica e sexista permeia as instituições. Não è à toa que o Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão. Como forma de combater o racismo estrutural, precisamos reorganizar o Estado, que não nos representa como um todo”, analisou Osvaldo Mendes, dirigente da Secretaria de Gênero, Raça e Etnia do Sindsprev/RJ.