Decisões recentes do governo Bolsonaro reforçam a ideia de que está sendo criado no Brasil um Estado policial, com o objetivo de espionar, censurar e perseguir quem denunciar atos lesivos ao patrimônio público e outras ilegalidades. A mais recente foi a edição da portaria 282, assinada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes e divulgada dia 24 de julho último no Diário Oficial da União (DOU). O documento prevê a transferência arbitrária e ‘irrecusável’ de servidores e empregados públicos, trabalhadores em estatais e empresas de economia mista, quando for do interesse do governo.
Ou seja, legaliza o assédio moral ao criar um mecanismo que ameaça com a remoção compulsória todos os que trabalham no setor público, o que pode ser usado como instrumento de perseguição e punição. Desta forma, é um elemento de força, que tenta impedir os servidores de exercerem uma de suas principais atribuições, a de fiscalizar as ações realizadas no setor público, motivo pelo qual são protegidos pela estabilidade. O Estado policial é o tipo de organização estatal fortemente baseada no controle da população (e, principalmente, de opositores e dissidentes) por meio da polícia política, das forças armadas e outros órgãos de controle ideológico e repressão política.
De outro lado o governo se blinda para obstruir investigações.
Junto com o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, finaliza proposta para regulamentar a negociação de acordos de leniência, que funcionam como delações premiadas de empresas. A minuta do projeto, retira o Ministério Público Federal (MPF) das negociações e concentra poderes na Controladoria-Geral da União (CGU) e na Advocacia-Geral da União (AGU), órgãos subordinados ao presidente Jair Bolsonaro.
Vale lembrar que Toffolli, em março do ano passado, fechou um pacto inconstitucional com Bolsonaro, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, ambos do DEM, respectivamente presidente da Câmara e do Senado, que previa blindar o presidente da República. Pacto proposto em fevereiro de 2019 e que vem sendo cumprido desde então. E que desrespeita a Constituição Federal, que prevê a independência entre os Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).
Decisão passa pela Presidência
A última página da portaria 282 dispõe sobre a criação do Comitê de Movimentação (CMOV) que passa a ser o órgão definidor de quem será transferido, de que órgão para que órgão, em que função e por quanto tempo. Será composto por dois representantes da Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, sendo um da Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal que o presidirá; e um da Secretaria de Gestão Corporativa da Secretaria Executiva do Ministério da Economia; além de um da Comissão de Coordenação do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (Sipec). Todos eles, ligados ao Ministério da Economia, subordinados a Paulo Guedes.
Como se não bastasse serem todos da confiança de Bolsonaro, a Presidência da República terá participação direta nas reuniões do CMOV e, logicamente, sobre suas decisões sobre quem remover. O parágrafo 4º deixa isto evidente ao estabelecer que ‘fica facultado à Casa Civil da Presidência da República e à Secretaria-Geral da Presidência da República a indicação de representantes para acompanharem as reuniões do CMOV’.
Fim do direito à crítica
Mas há outras ações que vão no mesmo sentido da censura e coerção aos servidores públicos e em benefício da impunidade de autoridades que cometem irregularidades. Estas ameaças acontecem em um governo que se vê cercado por investigações por ações ilegais e inconstitucionais. No dia 3 de junho uma nota técnica da Controladoria-Geral da União (CGU), afirmava que a divulgação por servidores federais “de opinião acerca de conflitos ou assuntos internos, ou de manifestações críticas ao órgão ao qual pertença” em suas redes sociais são condutas passíveis de apuração disciplinar. O documento é de responsabilidade da Coordenação-Geral de Uniformização de Entendimentos (CGUNE).
Governo viola direitos humanos
Esta não era a primeira vez que o tema vinha à tona no governo federal. Em maio, uma nota técnica elaborada pela Comissão de Ética do Instituto Nacional de Meio-Ambiente (Ibama) também pretendia coibir as manifestações políticas contrárias ao governo nas redes sociais dos agentes ambientais. Em outra ação vista como tentativa de cerceamento da opinião dos servidores federais, o Ministério da Justiça elaborou um dossiê sigiloso contra servidores associados a grupos antifascistas.
Entidades da sociedade civil estranharam a preocupação do governo com pessoas que defendem a democracia. No relatório constavam dados de mais de 500 servidores públicos da área de segurança identificados como integrantes do movimento antifascismo e opositores do governo Jair Bolsonaro. A informação foi revelada por reportagem do site UOL.
Espionagem
O Ministério Público Federal (MPF) pediu esclarecimentos à pasta. O relatório foi feito pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi), ligada ao ministério. De acordo com o UOL, investida das atribuições de serviços de inteligência por um decreto de janeiro de 2019 do presidente Bolsonaro, a Seopi não submete todos os seus relatórios a um acompanhamento judicial.
Segundo a reportagem, a pasta “produziu um dossiê com nomes e, em alguns casos, fotografias e endereços de redes sociais das pessoas monitoradas.” Segundo a reportagem, o dossiê foi repassado a órgãos políticos e de segurança do país e pode ser usado, por exemplo, como subsídio para perseguições políticas dentro dos órgãos públicos.
Depois da publicação da reportagem, o MPF do Rio Grande do Sul abriu um procedimento, no início da semana, para cobrar informações do Ministério da Justiça. O MPF quer saber se há elementos que indiquem uma atuação do governo para limitar a liberdade de expressão e deu um prazo de dez dias para o envio de explicações sobre as razões do relatório.
Também no início da semana, a Anistia Internacional se manifestou sobre o relatório do Ministério da Justiça.
Em nota, disse que exige o fim de toda e qualquer investigação secreta e ilegal contra opositores do governo.
A organização defende que toda e qualquer atividade de inteligência do ministério precisa ter como base investigações policiais regulares, motivadas pela ocorrência de crimes, sendo autorizadas e supervisionadas pela autoridade judicial. Caso contrário, consistirá em arbitrariedade, violando os direitos humanos.