Promulgada em 9 de junho de 2014, a Lei nº 12.990 “reserva a pessoas negras 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladas pela União”. Infelizmente, contudo, a referida lei ainda está longe de ser efetivamente cumprida no país.
É o que aponta levantamento feito pelo jornal Brasil de Fato sobre a quantidade de candidatos(as) negros(as) que reclamam contra o fato de terem sido rejeitados no sistema de cotas durante o mais recente Concurso Nacional Unificado (CNU), certame organizado pelo Ministério da Gestão e da Inovação (MGI) em parceria com a Fundação Cesgranrio, responsável pela aplicação das provas.
Nesta terça-feira (4/2), o concurso deve divulgar a lista definitiva de classificação dos candidatos e a primeira convocação para os cursos de formação. Enquanto isto, os candidatos e candidatos autodeclarados(as) negros(as) pelo sistema de cotas vivem um impasse sem solução aparente após terem sido rejeitados por uma comissão de heteroidentificação do concurso.
Segundo a reportagem do Brasil de Fato, o grupo em questão se queixa de que o processo seletivo estaria desrespeitando o conceito de “negro” oficialmente adotado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para o qual o segmento abarca as pessoas que se autodeclaram pretas ou pardas. A definição seria a mesma adotada pelo Estatuto da Igualdade Racial traduzido na Lei nº 12.288/2010.
Um dos casos rejeitados pela banca e mostrados pelo Brasil de Fato é o do advogado Octávio Neto. Pela pontuação obtida nas provas, ele foi habilitado a cinco carreiras ofertadas no bloco 5 do concurso, entre elas a de analista técnico de políticas sociais (ATPS). O pedido para concorrer às vagas reservadas aos candidatos negros, no entanto, foi negado pela Cesgranrio. A banca respondeu que Neto “não estaria habilitado para concorrer a esse tipo de vaga”, resposta-padrão recebida por vários outros candidatos, segundo apurado pela reportagem. Ele ingressou com um recurso contra a decisão, mas novamente recebeu uma recusa.
Outro caso foi o do servidor público Gustavo Amora, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), que também ingressou na Justiça após ter sido barrado no sistema de cotas do CNU por uma comissão de heteroidentificação no processo seletivo. O caso de Amora repercutiu na imprensa brasileira e também virou reportagem publicada dia 9 de janeiro deste ano pelo jornal O GLOBO. O candidato alega que a conclusão da comissão teria sido totalmente imotivada por não condizer com seu fenótipo. Em resposta ao pleito de Gustavo Amora, o MGI afirmou que “seguiu o regulamento legal pertinente no concurso”. Quanto à Fundação Cesgranrio, afirmou ter utilizado “recursos de tecnologia” e feito uma análise com “critérios rigorosos e objetivos”.
O procedimento de heteroidentificação em concursos públicos federais foi regulamentado no país pela Portaria nº 4/2018, pouco depois de, em agosto de 2017, Supremo Tribunal Federal (STF) avalizar a Lei nº 12.990/2014, que reserva a pessoas negras 20% das vagas ofertadas em certames federais.
Dirigente da Secretaria de Gênero, Raça e Etnia do Sindsprev/RJ, Osvaldo Mendes critica a não observância da Lei 12.990 por parte do Estado brasileiro e por instituições privadas. “É um absurdo que, passados 10 anos desde a promulgação da Lei, candidatos cotistas ainda passem por tanto constrangimento na hora de disputarem concursos públicos pelo sistema de cotas. Sistema que é um legítimo direito das pessoas negras no Brasil, em face da discriminação racial historicamente produzida no país como decorrência da tradição escravagista desde a colonização”, afirmou.