A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de autoria da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) — que acaba com a jornada 6 x 1 (seis dias de trabalho, com um dia de descanso) — já obteve 194 assinaturas de parlamentares (23 além do mínimo necessário). Com as assinaturas, já é possível iniciar a tramitação do texto. Em linhas gerais, a PEC prevê alterar o artigo 7º da Constituição Federal, no inciso 13, que trata sobre a jornada de trabalho. A sugestão da PEC é uma jornada de quatro dias semanais, escala já adotada em vários países mundo afora — leia ao final desta postagem.
Das 194 assinaturas recolhidas, 119 vieram de parlamentares de partidos da esquerda. Entre os parlamentares da direita e que se declaram apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), os apoios chegaram a apenas 32 assinaturas. No PL, partido de Bolsonaro, apenas um parlamentar apoiou a proposição.
Para avançar na Câmara dos Deputados, a PEC precisa agora passar pela CCJC (Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania), hoje presidida pela deputada bolsonarista Caroline De Toni (PL-SC).
Empresas rejeitam PEC e querem manter superexploração
A resistência à aprovação da PEC, contudo, vai muito além das bancadas parlamentares de direita e ligadas ao bolsonarismo. É uma resistência que parte, sobretudo, do empresariado dos setores de serviços e da indústria, onde a desumana escala de trabalho 6 x 1 (seis dias de trabalho por apenas 1 dia de descanso) não permite aos trabalhadores nenhum tempo para conviverem com seus familiares, cuidarem da própria saúde ou mesmo investirem em qualificação profissional na busca por melhores oportunidades de emprego.
Na última quarta-feira (13/11), entidades como Confederação Nacional da Indústria (CNI), Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomércio) e Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) rejeitaram a proposta de acabar com a jornada 6 x 1. Em declaração ao jornal Folha de São Paulo, o presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Paulo Solmucci Junior, classificou de “ideia estapafúrdia” a PEC de autoria da deputada Erika Hilton (PSOL). O posicionamento do presidente da Abrasel e das demais entidades patronais citadas confirma a mentalidade historicamente retrógrada de grande parte do empresariado brasileiro, que vê como inaceitável a concessão de qualquer benefício à classe trabalhadora.
Além da mentalidade retrógrada e anti-trabalhador, a ferocidade das empresas de comércio, serviços e indústria contra a PEC da deputada Erika Hilton também se explica porque o texto da proposição garante a irredutibilidade de salários a partir do momento em que a jornada de trabalho for efetivamente reduzida. Ou seja: pelo texto da PEC, as empresas ficarão impedidas de “compensar” a redução da jornada por meio de um novo confisco salarial sobre seus trabalhadores.
Estado brasileiro continua beneficiando empresas com isenções tributárias
A ojeriza aos trabalhadores não é exclusividade das empresas de comércio, serviços e indústria. É um comportamento quase generalizado entre empresas de grande, médio e pequeno portes, atestado pelo constante desrespeito a direitos trabalhistas básicos, como férias, décimo-terceiro, FGTS e previdência. No Brasil, até mesmo o direito essencial de receber salários em dia é constantemente violado. Comportamento este relacionado à ideologia escravagista que infelizmente ainda impera na formação social brasileira.
Um dos dados que atestam a dimensão do desrespeito aos direitos trabalhistas no Brasil é o Relatório Justiça em Números 2024, publicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Segundo o documento, 5,4 milhões de processos trabalhistas tramitam no país, número que aumenta todos os anos.
No Brasil, ao mesmo tempo em que pregam “Estado mínimo” e bradam com ferocidade contra a concessão de qualquer direito aos trabalhadores, grande parte do empresariado brasileiro se beneficia dos cofres do Estado no momento em que recebem isenções de tributos. É o que aponta reportagem publicada pelo jornal Folha de São Paulo em 13 de novembro, com base em informações da própria Receita Federal. Segundo o texto, um grupo de quase 55 mil empresas se beneficiou de R$ 97,7 bilhões de reais em incentivos tributários concedidos entre janeiro e agosto deste ano. Entre os beneficiados estão empresas cada vez mais ricas, como Braskem e I-Food, entre várias outras.
Jornada de trabalho em países do G7 já é inferior à do Brasil
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), no Brasil trabalha-se muito mais do que em outros países. No caso, a média de horas trabalhadas no Brasil é superior à dos países do G7 (grupo de países mais desenvolvidos) e de metade dos países do G20.
Enquanto no Brasil a média de horas semanais de trabalho fica em 39 horas, nos países do G7 esta média é de: Canadá (32,1 horas), Alemanha (34,2), França e Reino Unido (35,9), Itália (36,6), Japão (36,6) e Estados Unidos (38).
Estes dados servem para desmistificar a ideia de que em países desenvolvidos se trabalha mais. Pelo contrário: nesses países, trabalha-se menos, o trabalho é mais intensivo e produtivo, o que permite maior valorização dos trabalhadores.
A jornada semanal de trabalho do Brasil também é maior que em países como Austrália (32,3), Argentina (37) e Coreia do Sul (38,6). No ranking com menores jornadas estão Vanuatu (24,7), Países Baixos ‘Holanda’ (31,6) e Etiópia 31,9.
Além de retrógrada, a negativa das empresas brasileiras em aceitar a redução da jornada semanal de seus trabalhadores é completamente injustificada. Isto porque, sobretudo nas duas últimas décadas, os investimentos em novas tecnologias na indústria e comércio provocaram a dispensa massiva de trabalhadores e o consequente aumento de produtividade e lucros nos dois segmentos da economia. Portanto, indústria e comércio têm capital acumulado em nível suficiente para suportar uma redução de jornada sem afetar a lucratividade de suas empresas.
Atualmente, a lei brasileira prevê que a duração do trabalho não pode ser superior a oito horas diárias e 44 horas semanais. Ou seja, a atual legislação não proíbe seis dias de trabalho por semana, desde que não ultrapassem as horas previstas. É com base nisto que grande parte das empresas quer manter a desumana jornada 6 X 1.
Na rede federal de saúde, um exemplo é o Grupo Empresarial Conceição, que assumiu recentemente a gestão do Hospital Federal de Bonsucesso (HFB) e quer impor justamente a desumana jornada 6 x 1 aos trabalhadores da unidade. Uma vergonha.