Enviada ao Congresso Nacional na tarde da última quinta-feira (3/9), a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do governo Bolsonaro para instituir a reforma administrativa contém o maior ataque já realizado contra o funcionalismo público na história do país. Em todos os tempos.
Na prática, a PEC da reforma administrativa acaba (literalmente) com o Regime Jurídico Único (RJU) dos servidores públicos das três esferas (federal, estadual e municipal), acabando também com a estabilidade. No lugar do RJU, a reforma propõe cinco regimes distintos de contratação, prevendo estabilidade apenas para um reduzido grupo de servidores, que classifica como “cargos típicos de estado” (diplomatas, auditores fiscais da Receita Federal, servidores da segurança pública e do Banco Central), excluindo-se todas as demais categorias do funcionalismo. Outras formas de contratação previstas na reforma são: vínculo por experiência; vínculo por prazo determinado (temporário); cargo por prazo determinado; e cargo de liderança e assessoramento.
A reforma também abre caminho para a demissão por “insuficiência de desempenho”, embora o texto da PEC não especifique como seria feita a “avaliação” dos servidores e a que critérios estaria sujeita, o que é ainda mais perigoso, na medida em que pode transformar todo o funcionalismo público em refém do arbítrio de governos e gestores. Em outras palavras: um estímulo a práticas de assédio moral, assédio sexual e perseguições políticas e ideológicas contra os servidores públicos.
A reforma administrativa elaborada pelo governo impõe ainda um arrocho salarial ainda maior que o atual. É que o texto estabelece a proibição de reajustes retroativos, o que implica o fim da data-base para todo o funcionalismo.
O texto também acaba com a progressão automática dos servidores nas carreiras do funcionalismo e extingue as licenças-prêmio em estados e municípios (para os servidores da União, a licença-prêmio está extinta desde 1999).
Ao acabar com o RJU, a estabilidade, a data-base e a progressão automática nas carreiras para os futuros servidores, a reforma administrativa acaba, na prática, com as atuais carreiras dos servidores antigos, que serão transformadas em carreiras em extinção, uma vez que os futuros servidores não mais serão contratados pelo Regime Jurídico Único.
O espírito da reforma administrativa é o desmonte do Estado e de suas políticas públicas, começando pela seguridade social (saúde, previdência e assistência). É o fim da administração pública regida pelos critérios da legalidade, impessoalidade, moralidade administrativa, publicidade e eficiência.
Princípios consagrados na Constituição Federal e que agora estão em risco.
Se a reforma for aprovada no Congresso Nacional, por exemplo, um grande retrocesso será a instituição do mais absoluto clientelismo no âmbito do Estado brasileiro, consequência do fim da estabilidade do funcionalismo. É que a esmagadora maioria das contratações e demissões de servidores para órgãos e entidades da administração pública direta e indireta — feitas sem concurso e sem observância do critério de impessoalidade — serão abertamente utilizadas como “moeda de troca” nas negociações e acordos espúrios celebrados às escondidas entre políticos do Poder Executivo e parlamentares, nas três esferas de governo.
E se você, leitor, achava que as ameaças contidas na PEC da reforma administrativa terminavam aqui, você se enganou. Infelizmente.
É que o texto do projeto enviado ao Congresso concede a Bolsonaro poderes para mudar toda a estrutura dos órgãos de governo sem que haja necessidade de prévia discussão e aprovação do Congresso Nacional. Se a reforma administrativa for aprovada, Bolsonaro poderá, via simples decretos, extinguir órgãos, reorganizar autarquias e fundações, transferir um órgão de um ministério para outro etc. Tudo numa simples canetada. Um poder que nem a ditadura militar teve a ousadia de praticar.
É preciso reagir contra o descalabro da reforma de administrativa. Derrotar a PEC da reforma é mais que um dever político. É um dever moral de todos o funcionalismo público das três esferas e da parcela da população brasileira que tem consciência da importância, para o país, de ter serviços públicos, gratuitos e universais.
Nesta sexta-feira (4/9), a partir das 19h30, a Fenasps (federação nacional) realiza plenária emergencial virtual para organizar a luta contra a reforma administrativa no âmbito da seguridade e do seguro social. A plenária também vai definir e propor encaminhamentos para outros pontos de pauta, como reabertura das agências do INSS a partir do dia 14/9; indicativo de greve sanitária e mobilização do Fórum das Entidades Nacionais de Servidores Públicos Federais (Fonasefe).