Morgan Doyle, representante do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no Brasil, tem tido uma agenda atribulada com representantes do governo Lula, antes e após a posse, em janeiro deste ano. O executivo da instituição, conhecida pela implantação de políticas neoliberais nos países onde atua, foi recebido para uma conversa com o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin, em 20 de dezembro de 2022, ainda no governo de transição, no Centro Cultural do Banco do Brasil, em Brasília.
Na ocasião, como noticiado oficialmente, Alckmin e Doyle discutiram parcerias do BID com o Brasil. O banco esteve à frente de várias reformas neoliberais, inclusive de sistemas previdenciários, em inúmeros países da América Latina. Vale a pena registrar, ainda, que a presidência do BID é ocupada pelo brasileiro Ilan Goldfajn, indicado ao cargo, em 2022, pelo então ministro da Economia de Bolsonaro, Paulo Guedes.
Em 8 de março último, Doyle esteve reunido com o ministro da Previdência, Carlos Lupi. O encontro foi noticiado pelo ministério como uma iniciativa para acertar, entre outros assuntos, a ‘potencialização do atendimento do INSS’, uma das prioridades debatidas pelo Ministério da Previdência e o BID.
Como sinal do estreitamento desta relação, Lupi foi a Whashington participar da abertura da 10ª edição do Global Pensions Programme, nos dias 20 e 21 de junho, organizado pelo BID.
Na mesa de abertura estava também Ilan Goldfajn. O evento teve como tema autoexplicativo “Previdência, soluções para sociedades mais longevas”.
Neoliberal
Segundo estudo da mestra em Política Social da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e integrante do Núcleo de Estudos Latino-americanos da Universidade de Brasília (UnB), Marina Scotelaro de Castro, o BID se configura como uma das instituições responsáveis por promover uma concepção de política social que não se adequa às reais necessidades da América Latina, mas ao contrário, aprofunda as disparidades sociais a despeito de se promover como um ator que responde às especificidades da região.
A especialista acrescenta que a concepção dominante de política social ao longo das últimas três décadas vem sendo disseminada por tais organizações internacionais do sistema financeiro (BID, o Bando Mundial, e o Fundo Monetário Internacional) sob um novo paradigma que tem como foco grupos incapazes de alcançar sua independência social e econômica, basicamente voltado para a redução da pobreza absoluta, o que exige montantes relativamente pequenos de recursos para sua implementação. “Esta abordagem permite a utilização das arrecadações fiscais na obtenção de superávits primários para pagamento da dívida pública dos países latino-americanos, objetivo fundamental de tais organismos”, explica em seu estudo.
INSS: ampliação do desmonte
Sabe-se que o problema crônico do INSS, que se agrava a cada ano, só se resolveria com investimentos em sua estrutura. Entre eles, a compra de equipamentos, abertura de agências, contratação de internet de qualidade e, sobretudo, a realização de concurso para começar a superar o déficit de pessoal que é de mais de 20 mil vagas.
Mas, ao contrário disto, em 21 de julho, o presidente Lula, baixou a Medida Provisória 1.181 que, entre outras medidas, recriou o famigerado ‘Papa-Fila’, com outro nome: ‘Programa de Enfrentamento à Fila da Previdência Social’. A iniciativa, bem à moda do BID, é baseada no pagamento de bônus aos servidores para que trabalhem ainda mais, numa decisão política que não interrompe o contínuo desmantelamento do INSS.
Mas a MP foi além, reduzindo o número de cargos vagos disponíveis em todo o serviço público: de 13.375 para 8.935, ou seja, menos 4.440 vagas. Segundo a Federação Nacional (Fenasps), com a MP, o governo reduzirá os gastos do Orçamento da União em mais R$ 1,6 milhão.
Sendo assim, a MP aprofunda o desmonte do setor, mantendo a lógica de cortar custos, contrariando o discurso de fortalecimento do serviço público. A redução do custeio atende ao maior objetivo do BID (e também do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, o Bird), que é o de gerar superávits primários, visando pagar os juros da dívida pública com os bancos.
BID paga consultoria no INSS
A Imprensa do Sindsprev/RJ ouviu o economista Adhemar Mineiro, ex-integrante do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) sobre a anunciada contratação, pelo Ministério da Previdência, de uma consultoria, paga justamente pelo BID. O objetivo seria promover um levantamento da estrutura do INSS e propor soluções.
O economista classificou a possível contratação pelo banco como dispensável, por dois motivos. O primeiro, porque existe orçamento para que o próprio governo faça a contratação, bem como universidades, institutos de pesquisa e empresas no Brasil capazes de realizar este processo de avaliação.
“É preciso frisar, em segundo lugar, que o BID já tem uma posição de reduzir o tamanho do Estado, não se tratando de um financiador independente. O banco já entra com uma posição definida a priori, a respeito de que estrutura ele pensa para a Previdência, que soluções propor em relação aos segurados, posição bastante conhecida, de defesa de reformas da Previdência, com retirada de direitos por toda a América Latina.
Por estes dois motivos seria dispensável esta contratação para propor soluções”, ressaltou.
Avaliou que a presença de Ilan Goldfajn na presidência do BID (o ex-presidente do BC brasileiro no governo Temer foi indicado para o cargo pelo ex-ministro da Economia Paulo Guedes), não seria mais influente do que a própria posição histórica do banco favorável a reformas previdenciárias em toda a América Latina, ou sobre como deve funcionar o setor público, e a privatizações. “Não acho que a presença dele (Goldfajn) seja um complicador, mas sim a própria história do BID”, resumiu.
Fundo privado de previdência
Adhemar citou como mais nova iniciativa do BID para a região, o “Laboratório de Poupança para Aposentadoria”, através do qual tenta montar formas de poupança individual, especialmente para a população do setor informal. “O banco é um crítico dos sistemas de aposentadoria públicos e busca saídas, como esta, que vão para o campo da iniciativa privada e entram enviesado nesta discussão no Brasil”, lamenta.
Avalia que, por conta de toda esta predisposição, o BID não seria o mais apropriado a ser consultado. “A menos que o Ministério da Previdência assuma que tem posições próximas as do BID. Essa é a grande questão: qual é a posição do ministro da Previdência a respeito desta questão e se isso se aproxima da visão do Banco Interamericano?”, pontuou.
O economista disse que, seguramente, pelo que se conhece da visão do Banco Interamericano de Desenvolvimento, e levando em consideração que as consultorias por ele contratadas devem ter uma visão similar, as medidas a serem propostas devem ir, no caso mais geral da Previdência, no sentido da formação de fundos de previdência baseados na poupança individual, com mais tempo para a concessão das aposentadorias. “Essa é a visão do banco, mas o que virá como consequência desta consultoria, só o tempo vai dizer”, avaliou.
Disse que no caso direto do atendimento do INSS, o que pode ser indicado, se for seguida a orientação histórica do BID, é mais terceirização, aumento do trabalho remoto e informatização. “A essência das soluções do banco para o atendimento é sempre a redução de pessoal. Então, todos os mecanismos para esta redução serão utilizados”, afirmou.