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quinta-feira, novembro 21, 2024
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Para juiz, atribuir às Forças Armadas a função de ‘poder moderador’ é exemplo de concepções autoritárias

Como parte de seus mais recentes embates com os poderes Legislativo e Judiciário, o presidente Bolsonaro e muitos de seus seguidores vêm insistindo na interpretação de que o artigo 142 da Constituição Federal permitiria às Forças Armadas a função de ‘poder moderador’. Para falar sobre o assunto, a reportagem do Sindsprev/RJ conversou com o juiz João Batista Damasceno (foto), da 27ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ). Membro da ‘Associação Juízes para a Democracia’, Damasceno também falou sobre dois outros importantes assuntos: a qualificação de ‘fascista’ atribuída ao governo Bolsonaro e o debate sobre a reestruturação do marco civil da internet, tendo em vista os inquéritos do Supremo Tribunal Federal (STF) que investigam a produção e disseminação das chamadas fake news. Confira a entrevista.

Sindsprev/RJ – a atual conjuntura política tem sido marcada por sucessivas tentativas do presidente Bolsonaro de confrontar as instituições, endossando e participando de atos públicos que pedem intervenção militar e o fechamento do Congresso e do STF. Apoiadores de Bolsonaro invocam o artigo 142 da Constituição para ‘justificar’ uma possível intervenção. O que o Sr. acha disso? Vivemos o perigo de uma ruptura institucional no Brasil?

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João Batista Damasceno – A interpretação ao art. 142 da Constituição no sentido de que é possível às Forças Armadas o exercício do poder moderador é mais que um erro interpretativo. É o primado da ignorância embalado pela má-fé e por concepções autoritárias. A Constituição, em seu art. 2º, dispõe que são Poderes da União, independentes e harmônicos, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Em nenhum lugar da Constituição consta que as Forças Armadas sejam poder do Estado. As Forças Armadas são a força da Administração, não a fonte de sua legitimidade das instituições. Da harmonia dos poderes decorre que cada qual deve exercitar as suas atribuições constitucionais, sem adentrar a esfera do outro. É verdade que o processo de politização da justiça e judicialização da justiça acaba por ajudar na confusão, mas isto não abre a possibilidade de ingresso de outros agentes nas relações institucionais, notadamente como penetras em festa alheia. Do princípio da independência dos poderes decorre que cada qual não precisa do consentimento do outro para o exercício de suas atribuições. As Forças Armadas compõem a Administração Pública, organizada hierarquicamente. O chefe da Administração Pública federal é o Presidente da República. Mas, para defesa da lei e da ordem, podem ser requisitadas por quaisquer dos poderes. Portanto, as Forças Armadas são órgãos da Administração Pública subordinados aos poderes do Estado. É sempre bom lembrar que o art. 42 da Constituição, em sua redação original, listava dentre os servidores militares federais os integrantes das Forças Armadas e somente por uma questão de remuneração foram separados dos demais.

Sindsprev/RJ – o governo Bolsonaro tem sido classificado como ‘fascista’ ou ‘protofascista’, devido a suas iniciativas autoritárias. Ao mesmo tempo, não se identifica, no atual governo, a presença de todos os elementos que historicamente tipificam o fascismo clássico, como um estado corporativista e uma política econômica que, embora capitalista, seja abertamente hostil às teses do liberalismo. Diante dessa realidade, não seria necessário conceituar melhor o significado do atual governo?

João Batista Damasceno – O debate político feito pela militância nem sempre prima pelo rigor conceitual com o qual trabalham os acadêmicos. Daí é que autoritarismo, fascismo, nazismo, totalitarismo, machismo, racismo e outras categorias conceituais muito precisas nas Ciências Sociais sejam embaladas em conjunto e tratadas como se fossem sinônimo. Assim como é preciso distinguir os dois modelos totalitários que vigeram na Alemanha e Itália, respectivamente, nazismo e fascismo, é preciso distinguir as demais categorias a fim de tratarmos os fenômenos com os conceitos que lhes sejam pertinentes. Uma das características tanto do nazismo quanto do fascismo foi o nacionalismo, o que não se encontra no governo do presidente Jair Bolsonaro. Ao contrário, seu programa econômico coloca o Brasil a reboque da falida economia estadunidense. Permeado por conjunto de concepções autoritárias, sem sistematização, é possível dizer que o governo reúne um conjunto de qualidades que descaracterizam os fundamentos da legitimidade do Estado, sem que qualquer delas seja preponderante. No caso da COVID-19, com deliberação de deixar o vírus se disseminar em prejuízo da vida dos mais vulneráveis, é possível identificar traços com o eugenismo praticado pelo nazismo em sua fase inicial, quando deficientes foram eliminados.

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O presidente não reúne as características de liderança de Mussolini, não pugna pelo fortalecimento do Estado Nacional, não coloca a economia a serviço de um projeto de nação, não concebe a sociedade organizada a partir de corporações. Enfim, não tem as características formais do fascismo, mas é truculento. As características mais visíveis do governo são identificadas com as práticas da tigrada que viveu nos porões do regime empresarial-militar de 1964 e tentou sabotar a abertura política com colocação de bombas. É um governo, não é um regime, caracterizado por trapalhadas, milícias, rachadinhas, xingamentos, poder familiar sem distinção entre problemas domésticos e institucionais e outras bizarrices. Enfim, a Ciência Política não tem categoria específica para qualificar um governo desqualificado, com agentes sem as qualidades indispensáveis para tratar dos assuntos do Estado. O projeto econômico do governo é entreguista, subordinado aos interesses do capital financeiro com seus fundos de investimentos e pilhagens. As práticas cotidianas de alguns membros da família e alguns apoiadores não encontram vocábulo definidor na Ciência Política, mas o jornalismo chamaria de “gangsterismo”.

Sindsprev/RJ – O inquérito que investiga a produção e disseminação de notícias falsas (fake news) nas redes sociais, em evolução no STF, além da CPMI do Congresso que investiga a utilização de contas automatizadas (os chamados ‘robôs’) na eleição de 2018, reabriram o debate sobre a necessidade de atualização do marco civil da internet no país. Entidades da sociedade civil defendem o estabelecimento de novos parâmetros que, sem afetar a liberdade de expressão, coíbam a disseminação de notícias falsas. Qual a sua opinião sobre o assunto, tendo em vista a sua experiência na ‘Associação Juízes para a Democracia’?

 João Batista Damasceno – A Associação Juízes para a Democracia, cuja coordenação já compus e da qual hoje me mantenho como associado, é uma entidade que tem por finalidade o respeito absoluto e incondicional aos valores jurídicos próprios do Estado Democrático de Direito; a promoção da conscientização crescente da função de julgar como proteção efetiva dos direitos da pessoa humana, individual e coletivamente considerada e a consequente realização substancial, não apenas formal, dos valores, direitos e liberdades do Estado Democrático de Direito; a defesa da independência do Poder Judiciário não só perante os demais poderes, como também perante grupos de qualquer natureza, internos ou externos à Magistratura; a democratização da Magistratura, assim no plano do ingresso, como no das condições do exercício profissional, com o fortalecimento dos direitos dos juízes à liberdade de expressão, reunião e associação; a Justiça considerada como autêntico serviço público que, respondendo ao princípio da transparência, permita ao cidadão o controle de seu funcionamento; a defesa dos direitos das crianças e adolescentes, dos pobres e das minorias, na perspectiva de emancipação social dos vulneráveis; a criação e o desenvolvimento de vínculos de cooperação e solidariedade mútuos entre operadores judiciais e associações afins e a promoção e a defesa dos princípios da democracia pluralista, bem como a difusão da cultura jurídica democrática. Nosso compromisso com a liberdade de expressão é um dos fundamentos de nossa existência enquanto entidade, que não é corporativa. O avanço tecnológico traz novas ferramentas e a comunicação fundada em novas plataformas. Daí as mídias sociais e a possibilidade de seu apoderamento por grupos contrários à democracia e aos valores que nos caracterizam como humanidade ser preocupante. A expressão fake news é muito diferente de fofoca ou mentira. Surgiu no contexto da última eleição nos EUA e expressa um modo de apropriação das comunicações sociais para a difusão de valores contrários à própria sociedade. Daí a necessidade de atualização do marco civil da internet, sem que disto resulte qualquer atentado à liberdade de expressão, base das democracias.

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Sindsprev/RJ – Há quanto tempo o Sr. é Juiz de Direito no Tribunal de Justiça do Rio?

João Batista Damasceno – Eu ingressei no tribunal de justiça em 1993. Atuei em diversas áreas: cível, crime, acidentes de trabalho, empresarial, família, infância de juventude, sucessões e eleitoral, assim como em quase todas as regiões do Estado, excetuada apenas a Região dos Lagos. Desde 2015 atuo na segunda instância, na 27ª Câmara Cível, inicialmente julgando, em colegiado, processos decorrentes de relações de consumo e atualmente todo tipo de recurso que não seja criminal.

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