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quinta-feira, novembro 21, 2024
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Neste domingo (8/11) haverá protestos contra juiz que inocentou empresário por estupro ‘sem intenção’

Vem causando indignação crescente a decisão e o comportamento do juiz Rudson Marcos, da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, que inocentou o empresário André de Camargo Aranha da acusação de estupro da promotora de eventos Mariana Ferrer, de 23 anos. Segundo o site The Intercept Brasil, a violência ocorreu numa festa em 2018, na qual ela teria sido dopada e levada para um local privativo pelo acusado, sendo então violentada. Aranha é um rico empresário de jogadores visto com frequência ao lado de figuras como o ex-jogador de futebol Ronaldo Nazário e Gabriel Jesus.

Para protestar contra esse episódio escandaloso, estão sendo convocados atos públicos em todo o país para este domingo (8/11). O do Rio de Janeiro será às 14 horas, na Cinelândia. O tema central da manifestação é “Não existe estupro culposo”. Veja mais informações sobre o caso nas hashtags #justicaparamariferrer #estuproculposonaoexiste  #elesnão.
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As manifestações serão também em repúdio ao advogado de defesa Cláudio Gastão da Rosa Filho, que usou de tortura psicológica contra Mariana durante o julgamento, e ao promotor que agiu como assessor da defesa, classificando o estupro como ‘não intencional’.

Juiz permitiu terror contra a vítima

O juiz Rudson permitiu no julgamento que a vítima fosse torturada psicologicamente pelo advogado de defesa, Cláudio Gastão da Rosa Filho, que mostrou em juízo fotos de modelo de Mariana, que nenhuma relação tinham com o caso, em posições que definiu como “ginecológicas”, afirmando que “jamais teria uma filha” do “nível” de Mariana. As imagens do julgamento foram publicadas pelo site The Intercept Brasil. O advogado também repreendeu o choro de Mariana: “não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo”.

Quando Mariana pediu que o juiz intercedesse, ele, de maneira sórdida e aparentemente cúmplice com a defesa, avisou Mariana que pararia a gravação para que ela se recompusesse e tomasse água, pedindo, em seguida, para o advogado manter um “bom nível”. O The Intercept conta em sua matéria que o processo foi marcado, além da troca de delegados e promotores, pelo sumiço de imagens e mudança de versão do acusado.

Circo de horrores

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mandou investigar o comportamento de Rudson. O caso é escandaloso também por terem sido substituídos, já durante as investigações, o delegado e o promotor, tendo sido mudada, na segunda instância, a acusação de estupro para ‘estupro culposo’, ou seja, sem intenção, uma excrescência jurídica sem tamanho, cínica em si, sem qualquer base legal.

Vários artistas, parlamentares, jornalistas, entidades do movimento de mulheres, centrais sindicais e sindicatos também condenaram a postura do juiz, do promotor e do advogado de defesa e exigiram a punição do acusado.

Para o diretor da Secretaria de Gênero, Raça e Etnia do Sindsprev/RJ, Osvaldo Mendes, tanto o juiz quanto o procurador e o advogado de defesa deveriam ser punidos exemplarmente por terem formado um conluio de forma a transformar a vítima em ré e absolver o acusado do crime de estupro. “O advogado de defesa ultrapassou todos os limites éticos, usando métodos desumanos para tentar desqualificar a vítima. Já o promotor se transformou de acusador em aliado da defesa. E o juiz foi permissivo, omisso e cúmplice, ao não reprimir os excessos da defesa e, por fim, inocentar o estuprador, apesar das provas apresentadas pelo promotor afastado”, afirmou o dirigente.

Lúcia Pádua, dirigente da CSP-Conlutas, classificou o julgamento como um circo de horrores. “Foram várias camadas de extrema violência contra uma mulher, ali, cercada por homens que ou extrapolaram de suas funções, como no caso do covarde advogado de defesa, ou se omitiram, como o juiz, que não impediu a continuidade das agressões descabidas, quanto do promotor de justiça, que inventou a figura do estupro sem intenção, quando na verdade a vítima estava dopada, quando foi estuprada, portanto, tendo sofrido a agressão sexual sem poder se defender”, afirmou.

Tatiany Araújo, do movimento Resistência Feminista, frisa que este caso gravíssimo expõe um comportamento de setores do judiciário e da sociedade que têm a tendência de procurar colocar a mulher atingida como causa que justifique o crime. “O que aconteceu com a Mariana foi escandaloso, mas, de certa forma, acontece em muitos outros julgamentos, separações judiciais, no registro de queixas de violência em delegacias e no fato de uma grande parcela dos homens se acharem no direito de fazer o que bem entendem e de tentar colocar a culpa na vítima”, lembrou. Defendeu a mobilização de todas as mulheres pela punição dos envolvidos. “É importante registrar um fato relevante, que talvez ajude a explicar a violência extrema do episódio. O de que tanto o juiz quanto o advogado de defesa são ligados a setores da extrema direita, em especial a Olavo de Carvalho, o guru da família Bolsonaro”, observou.

Um estupro a cada 11 minutos

Para a diretora da Secretaria da Mulher Trabalhadora da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Kátia Branco, esta sentença, jamais vista, abre precedentes terríveis contra a vida das mulheres, jovens e até crianças. “Não existe estupro culposo, não existe estupro sem intenção de estuprar!”, protestou. E acrescentou: “O que fizeram no julgamento com a Mari Ferrer foi mais uma violência contra a vítima e é uma violência contra todas nós, mulheres”.

Em nota oficial, a CUT condenou a sentença. “A CUT repudia mais essa injustiça e exige a punição, nos rigores da lei, do estuprador André de Camargo Aranha, bem como a reparação da injustiça cometida contra Mariana Ferrer”.
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No documento, a central sindical ressalta que o Brasil tem se tornado um dos piores países para mulheres e meninas.

A CUT lembra ainda que, a cada 11 minutos, uma mulher sofre estupro, e que 30% das vítimas são menores de 13 anos de idade. E frisa que esta realidade é reforçada por instituições que deveriam combater a violência e proteger as vítimas. “Exemplo disso é a vergonhosa decisão da Justiça de Santa Catarina, que, por meio do juiz Rudson Marcos e do promotor Thiago Cariço, ao julgar o caso de estupro de Mariana Ferrer, optam por não cumprir a lei e não punir o estuprador, numa tentativa de tornar a vítima em ré”.

A delegada Bárbara Camargo Alves, da Casa da Mulher Brasileira de Campo Grande, considera a tese de estupro culposo perigosa, uma vez que esses crimes costumam ocorrer entre quatro paredes e a única prova acaba sendo a palavra da vítima. Para a promotora Valéria Scarance, coordenadora do Núcleo de Gênero do Ministério Público de São Paulo, a tese jurídica da condição “culposa” para casos de estupro abre precedente para dificultar a demonstração desses crimes. Ela avalia que o rompimento do hímen e a presença de esperma, detectados pelo exame de corpo de delito, porém, são provas contundentes.

As provas do crime

Segundo o The Intercept, em julho de 2019 o primeiro promotor a assumir o caso, Alexandre Piazza, denunciou André de Camargo Aranha por estupro de vulnerável, quando a vítima está sob efeito de álcool ou de algum entorpecente e não é capaz de demonstrar consentimento ou se defender. Ele também pediu a prisão preventiva de Aranha, aceita pela justiça e depois derrubada em liminar na segunda instância pela defesa do empresário. Aranha cumpriu apenas medidas cautelares, como a apreensão do passaporte. Inexplicavelmente, o caso tramitou em segredo de justiça.

Na denúncia a que o Intercept teve acesso, no início das investigações, Piazza considerou como prova o material genético colhido na roupa de Mariana e um copo no qual Aranha bebeu água durante interrogatório na delegacia. O promotor também levou em conta “as mensagens desconexas encaminhadas pela vítima aos seus colegas”, após descer as escadas do camarim onde o crime ocorreu, além dos depoimentos de Mariana, de sua mãe e do motorista de Uber que a levou até em casa.

Luciane Aparecida Borges, a mãe de Mariana, contou ter sentido um cheiro forte de esperma quando a filha chegou em casa após a festa. Segundo ela, Mariana não costumava beber e nunca havia chegado em casa naquele estado. O motorista citado pelo promotor na denúncia disse que a jovem passou a viagem chorando e falando com a mãe ao telefone. Para ele, ela parecia estar sob o efeito de drogas.

Também foram anexados ao processo áudios enviados por Mariana a pelo menos três amigos após descer as escadas do camarim.
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Em um deles, ela diz: “amiga, pelo amor de Deus, me atende, eu tô indo sozinha, não aguento mais esse cara do meu lado, pelo amor de Deus”. O promotor pediu ainda que fosse averiguada a conduta do primeiro delegado que atendeu à ocorrência e não solicitou as imagens das 37 câmeras de segurança do clube.

Novo promotor inocenta acusado

O entendimento do Ministério Público sobre o que aconteceu naquela noite, porém, mudou completamente na apresentação das alegações finais. O promotor Piazza deixou o caso para, segundo o MP, assumir outra promotoria, e quem pegou o processo foi Thiago Carriço de Oliveira. É nas alegações finais de Oliveira que aparece a tese do estupro “sem intenção”.

Para o novo promotor, não foi possível comprovar que Mariana não tinha capacidade para consentir com o ato sexual, desqualificando assim o crime de estupro de vulnerável descrito na denúncia pelo seu colega. Ele se baseia principalmente nos exames toxicológicos que não reconheceram nem álcool nem drogas no sangue de Mariana naquela noite e na aparente sobriedade indicada pela postura de Mariana ao sair do Café de la Musique e se deslocar até outro beach club em busca das amigas, cena captada pelas câmeras de rua da Polícia Militar.

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