O sonho de passar em concurso público para conquistar a estabilidade no emprego pode se tornar decepção e até pesadelo para as pessoas negras no Brasil. Quando um brasileiro negro ou negra se torna servidor(a) público(a), a partir de aprovação em processo seletivo, ele ou ela enfrenta problemas, e o principal é a dificuldade de ascender a um cargo mais elevado por falta de oportunidade, discriminação e preconceito racial.
Osvaldo Sergio Mendes, dirigente da secretaria de Gênero, Raça e Etnia do Sindsprev-RJ, ressalta que o racismo que acontece dia a dia no Brasil não é diferente do racismo do passado. “O racismo aumenta gradativamente. Antes, tínhamos um racismo velado. Hoje é um racismo muito cruel, que provoca doença nas pessoas. Quem sofre o racismo hoje fica doente. A sua mente fica afetada e o seu psicossocial também. Muito ruim. Prejudica todo o ser. A razão social. Abala totalmente a pessoa que sofre o racismo”, avaliou.
O dirigente também lembrou que uma pesquisa apontou que o número de negros é menor no serviço público. “Para entrar para o serviço público tem que fazer concurso público e isso exige conhecimento, preparação e qualificação para aprovação. Muitos que moram em favelas não têm acesso a estudo. Falta trabalho. São menos preparados. Por isso os números são menores. Não são qualificados, não têm preparação para passar”, analisou.
Os problemas no serviço público são ainda mais relevantes quando chegam aos cargos mais altos predominantemente ocupados por servidores de cor branca. “É o chamado racismo estrutural. Os negros são em menor número na base e não têm oportunidade de alçar um cargo maior”, enfatizou Osvaldo, acrescentando que o racismo no país aumentou drasticamente. “É a realidade. Os negros têm menos oportunidade no Brasil. Aqui, principalmente, quem vive nas favelas, nas palafitas. Negros dormindo nas ruas. Se você olhar para a rua, a maioria que dorme na rua é negra. Negros que sofrem do processo mental. Os negros não têm oportunidade, não têm nada. As pesquisas mostram que o negro está à margem da sociedade”, lamentou.
Osvaldo Mendes destaca ainda que a falta de oportunidade é estrutural, mas elogia a criação de cotas, em 2012, e atualizada ano passado. “O estado sempre foi racista. Desde a escravidão foi ausente quanto aos negros. A Lei de Cotas começou a mudar esse cenário. Um processo que brigamos lá atrás para que o nosso povo tivesse cotas. Não 20% ou 30%. Tem que ser 100%. Por que 20% ou 30%, se os brancos têm 100%? Por que não podemos ter 100%? Mais um exemplo de como esse estado é racista”, criticou.
O dirigente do Sindsprev-RJ frisou que o preconceito racial é maior entre os eleitores de Bolsonaro, comparando com os seguidores de Lula. “Uma pesquisa recente registra que 76% do racismo que acontece no país foi a partir do governo Bolsonaro. Isso vem aumentando. Esse ódio. Racismo é crime de ódio. Esse ódio vem aumentando gradativamente. Bolsonaro é racista e insere isso nas pessoas”, acusou.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais da metade da população do país é negra, um universo formado por pessoas pretas e pardas. O grupo responde por 55,7% dos brasileiros. Quando um negro ou negra entra para o serviço público, ele ou ela enfrenta uma inversão. Passa a ser minoria no conjunto de servidores. Além disso, tem salário menor que o de pessoas brancas, diz o levantamento realizado pela organização não governamental (ONG) República.org, dedicada a melhorar a gestão de pessoas no serviço público.
O estudo mostra que os negros são apenas 35,09% dos servidores públicos ativos do executivo federal, de acordo com dados do Sistema Integrado de Administração de Pessoal (Siape) de 2020.
A baixa representatividade dos negros se agrava à medida que aumentam a importância e a remuneração do posto na administração pública. Ao se analisar o cargo mais elevado na hierarquia do serviço público no executivo federal, o de direção e assessoramento superior de nível 6 (DAS-6), apenas 35 dos 240 postos eram ocupados por pretos e pardos, ou seja, 14,58%.
Lei de Cotas
O aumento de vagas para negros em concursos públicos também foi foco no Congresso em 2023. O PL 1.958/2021, aprovado em dezembro pela CDH, prorroga por 25 anos e amplia de 20% para 30% a reserva de vagas em concursos públicos para negros.
Desse percentual, metade será destinada especificamente a mulheres negras, podendo ser redistribuída aos homens nas situações em que não houver candidatas suficientes. Quando esse cálculo resultar em números fracionários, eles serão arredondados para cima se o valor fracionário for igual ou superior a 0,5, e, para baixo, nos demais casos. A reserva também será aplicada às vagas que, eventualmente, surgirem depois, durante a validade do concurso.
O texto afirma que serão consideradas pretas ou pardas as pessoas que assim se autodeclaram, e deverá haver processo de confirmação padronizado nacionalmente, com garantia de recursos e exigência de decisão unânime do colegiado responsável.