O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) está mergulhado num verdadeiro mar de lama. Evidências do seu envolvimento, de ex-ministros e aliados civis e militares em diferentes esquemas de corrupção o têm deixado a cada dia mais acuado.
Os indícios mais importantes estão surgindo das investigações feitas pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Genocídio. Testemunhas, áudios e farta documentação mostram o envolvimento do presidente na compra superfaturada de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin, do laboratório Barath Biotech. A Comissão investiga, ainda, a exigência de propina na negociação para a aquisição de 400 milhões de doses da AstraZeneca, através da empresa Davati.
Criada para investigar a responsabilidade do governo na disparada do número de mortes pela covid-19, a CPI do Genocídio acabou descobrindo um vasto esquema de corrupção montado para desviar dinheiro público se aproveitando das mortes devido à pandemia e da urgência da contratação de vacinas. O aprofundamento das investigações se refletiu no aumento do desgaste do governo, medido pelas pesquisas de opinião que mostram o crescimento recorde da insatisfação da população.
Este desgaste também tem se expressado no aumento dos protestos de rua pelo impeachment do presidente, por genocídio e corrupção. As próximas manifestações nacionais estão marcadas para 24 de julho.
O desgaste de Bolsonaro tem tido outra consequência: o fortalecimento da provável candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência.
O petista lidera uma nova pesquisa e possui 43% das intenções de voto num primeiro turno da disputa. De acordo com levantamento da Quaest Consultoria e Pesquisa e do banco Genial Investimentos, divulgado nesta quarta-feira (7), Lula, Bolsonaro aparece com 28% e Ciro Gomes (PDT) com 10%.
Presidente era operador de ‘rachadinha’
O isolamento do governo Bolsonaro cresce ainda com as novas revelações de corrupção, como a de que começou em seu gabinete, quando era deputado federal (1991-2018) o esquema da ‘rachadinha’. Por este sistema ilegal, os funcionários eram obrigados a entregar ao então parlamentar Jair Bolsonaro a maior parte do salário.
Áudios de familiares de Bolsonaro e do ex-assessor Fabrício Queiroz revelados pela jornalista do site UOL, Juliana Dal Piva, comprovam a prática, caracterizada como crime de peculato, cometido contra a administração pública pela subtração ou apropriação indevida de valores ou bens, por servidor público, a exemplo de parlamentares e membros do governo. Nas mensagens, Jair Bolsonaro é citado como operador do esquema.
Em um dos áudios a fisiculturista Andrea Siqueira Valle, ex-cunhada do presidente, afirma que Bolsonaro demitiu o irmão dela porque ele se recusou a devolver a maior parte do salário de assessor. Em outra troca de mensagens de áudio, a mulher e a filha de Fabrício Queiroz, Márcia Aguiar e Nathália Queiroz, chamam Jair Bolsonaro de “01”. Márcia afirma que o presidente “não vai deixar” Queiroz voltar a atuar como antes.
As mensagens comprovam que recolher salários não era uma tarefa só de Fabrício Queiroz. Um coronel da reserva do Exército, ex-colega do presidente na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), é citado como tendo atuado no recolhimento de salários da ex-cunhada, no período em que ela constava como assessora do antigo gabinete de Flávio na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio).
Investigado por prevaricação
Em outra frente, Jair Bolsonaro vem sendo investigado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) pelo crime de prevaricação. A acusação diz respeito à omissão do presidente em investigar pressões para a assinatura do contrato fraudado, que seria firmado entre o Ministério da Saúde e a Precisa Medicamentos, para a compra superfaturada de 20 milhões de doses da Covaxin.
A denúncia foi levada a Bolsonaro, em março, pelo chefe do setor de importação do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Miranda e por seu irmão, o deputado Luiz Miranda (DEM-DF), segundo relataram à CPI do Genocídio. Mas Bolsonaro não tomou nenhuma providência para investigar o caso. O que, se confirmado, consistiria em crime de prevaricação.
A PGR que tem como titular o procurador-geral Augusto Aras, aliado de Bolsonaro, inicialmente se recusou a aceitar o pedido de investigação, feito à ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), através de notícia-crime movida pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede/AP), Fabiano Contarato (Rede/ES) e Jorge Kajuru (Pode/GO), no último dia 28. A ministra pediu à PGR que analisasse o pedido, tendo o órgão sido contrário.
A PGR alegou que só poderia investigar após o término dos trabalhos da CPÌ do Genocídio. Rosa Weber não aceitou a recusa e determinou que procedesse as investigações sobre a prevaricação do presidente, o que, se comprovado, será considerado crime de responsabilidade, podendo dar origem à instalação de um processo de impeachment.
Militares governistas reagem
Os militares foram ganhando espaço em todo o governo. Vários deles ocupam cargos importantes no Ministério da Saúde e vêm sendo investigados pela CPI, entre eles, o ex-ministro da pasta, o general Eduardo Pazuello; o tenente-coronel Alex Lial Marinho, ex-coordenador-geral de Aquisições de Insumos Estratégicos para Saúde, e o coronel da reserva Marcelo Bento Pires, ex-diretor de Programa da pasta. Os dois últimos foram denunciados pelos irmãos Miranda por fazerem ‘pressão atípica’ para a assinatura do contrato superfaturado e fraudulento para o fornecimento da Covaxin. Está sendo investigado também o coronel Élcio Franco, ex-secretário-executivo do órgão, hoje, assessor da Casa Civil.
Ex-sargento da Aeronáutica e ex-diretor de logística do Ministério da Saúde Roberto Ferreira Dias, foi preso em flagrante durante depoimento à CPI nesta quarta-feira. A ordem foi do presidente da Comissão, Omar Aziz (PSD-AM). Dias foi convocado a dar explicações sobre as acusações de que teria pedido propina de US$ 1 por dose da vacina AstraZeneca em negociações e teria pressionado servidor do ministério a agilizar a aquisição da Covaxin, vacina produzida na Índia.
Como reação ao avanço das investigações e numa tentativa de intimidar os senadores da CPI, um setor militar governista, divulgou, através do Ministério da Defesa, nota neste dia 7, classificando como ‘levianas’ as críticas feitas às Forças Armadas pelo presidente da Comissão, o senador Omar Aziz. O documento foi assinado pelo ministro Braga Neto e pelos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica. Na verdade, a crítica do senador foi feita aos militares envolvidos na corrupção do governo na compra de vacinas, investigada pela Comissão.
Este setor governista das forças armadas tomou segmentos inteiros do governo. Bolsonaro nomeou mais de 6 mil militares. Levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU)) identificou 6.157 militares da ativa e da reserva em cargos civis no governo.
O número é mais que o dobro do que havia em 2018, no governo Michel Temer (2.765).
Além disto, os militares ficaram de fora da reforma da Previdência e tiveram aumentos de remuneração negados aos civis. E mais: Bolsonaro desviou ilegalmente recursos públicos que deveriam ir para o Sistema Único de Saúde (SUS) combater a pandemia de covid-19. A CPI descobriu que entre as aplicações não relacionadas ao coronavírus estão gastos militares, que se multiplicaram por 13 de 2020 para 2021.
Desde 2020, o governo já destinou R$ 730 bilhões para gastos extraordinários no combate à pandemia. Uma parte dessa verba extra – mais exatamente R$ 72 bilhões – deveria ir só para o SUS. Mas R$ 140 milhões foram parar no Ministério da Defesa, sem qualquer justificativa.