Lançado neste ano de 2025 pela editora Mauad X, o livro ‘(Des)informação em Saúde na perspectiva das mediações’ propõe inovadoras reflexões sobre os impacatos da desinformação sobre as políticas de saúde pública no Brasil. Em suma, a desinformação em saúde pública como problema que transborda para outros campos de atividade, incluindo o próprio jornalismo e as instituições científicas.
De autoria dos pesquisadores Igor Sacramento (UFRJ), Hully Falcão (UFF) e Ana Carolina Monari (Fiocruz), a obra analisa o agravamento de fenômenos de desinformação, como fake news, durante a pandemia de Covid, de 2019 a 2022. Agravamento para o qual em muito contribuiram os modelos de negócios em vigor nas plataformas e redes sociais hegemônicas, baseados primordialmente na busca de cliques e engajamentos na distribuição de conteúdos.
Os três autores propõem analisar a desinformação em saúde a partir de uma “etnografia digital”, ou seja, a aplicação do tradicional método etnográfico da Antropologia à observação do comportamento e das reações das audiências à disseminação de informações falsas por plataformas digitais durante a pandemia de Covid. Nesse sentido, Igor Sacramento, Hully Falcão e Ana Carolina Monari filiam-se aos estudos de recepção que têm em Jesus Martín-Barbero um de seus mais profícuos expoentes. Estudos que, buscando superar as dicotomias entre conteúdos “falsos” versus conteúdos “verdadeiros”, investigam como (e em que contextos) os indivíduos interpretam as mensagens e delas se apropriam a partir de suas crenças, valores e cultura. Em outras palavras, como as mediações (culturais, tecnológicas, econômicas e sociais) participam da construção das referências que, para os receptores de mensagens, serão critérios essenciais na definição do que será por eles considerado “verdadeiro” ou “falso”.
Nessa perspectiva, muito mais que a fidelidade a realidades factuais, considera-se que as narrativas falsas sobre saúde — como a fé no suposto “poder” da cloroquina para curar a covid — tiveram sua disseminação facilitada pelas próprias crenças e valores dos públicos consumidores de informações em redes sociais. Fenômeno conhecido como “viés de confirmação”.
Em complemento a esta importante reflexão sobre as mediações culturais da comunicação, a obra também propõe pensar o conceito de “midiatização”, ou seja, as mediações comunicativas da cultura que ocorrem quando os meios de comunicação — sejam organizações de mídia ou plataformas — atuam como verdadeiras instituições. Para sermos mais explícitos: quando atividades culturais e sociais assumem (ou buscam assumir) a forma midiática. Quando são previamente influenciadas pela perspectiva de veiculação em mídias e/ou plataformas digitais.
No livro, os autores destacam o essencial contraponto exercido pelo jornalismo profissional aos processos de desinformação em saúde potencializados durante a Covid. Jornalismo que, no Brasil e no mundo, enfrentou uma enxurrada sem precedentes de informações pseudocientíficas disseminadas em uma miríade de dispositivos (fixos e móveis) a partir de contas operadas em plataformas digitais. Um dos problemas dessa curadoria de informações, no entanto, foi a assimetria entre a capacidade de checagem das organizações de mídia e das agências de checagem (fact-checking) e o imenso potencial das grandes plataformas para disseminação de informações inverídicas.
Um dos principais exemplos de desinformação citados na obra foi a postura negacionista do então presidente Jair Bolsonaro em relação à eficácia das vacinas contra o coronavírus. Negacionismo que também se materializou na infame tentativa do governo federal de minimizar a necessidade de isolamento social e do uso de máscaras como formas de prevenir a Covid.
