Lançado em 2024 pela Editora Estação das Letras e Cores, o livro ‘Jornalismo e Inteligência Artificial (IA) podem caminhar juntos?’, das pesquisadoras Kalynka Cruz e Lucia Santaella, é uma obra que apresenta as informações mais básicas para familiarizar os leitores brasileiros em relação aos principais conceitos envolvendo a IA, bem como os dilemas técnicos e éticos de sua aplicação nas rotinas de produção noticiosa.
Como principal fio condutor, o livro inicia suas reflexões ao lembrar o papel desempenhado pela ficção científica (filmes, desenhos animados) na construção de um imaginário social sobre invenções futuras, o que é exemplificado na “antecipação” de tecnologias hoje utilizadas por milhões de pessoas em suas interações diárias com dispositivos de inteligência artificial, como robôs (chatbots), videochamadas e assistentes virtuais com grande capacidade de processar a linguagem natural humana.
Como síntese de tecnologias de propósito geral — ou seja: aquelas que não se limitam a nichos específicos de atividade —, a inteligência artificial intensifica e se mescla com os impactos da plataformização de relações sociais ocorridos sobretudo nas duas primeiras décadas deste século XXI. Em linhas gerais, a inteligência artificial está dividida em IA Preditiva (ou classificatória), IA Generativa e IA Agenciada (capaz de gerar conteúdos de maneira quase autônoma). Cada uma delas, em suas particularidades, visando tornar uma máquina hábil para simular capacidades próprias da inteligência humana, tais como raciocínio, aprendizagem, planejamento e até mesmo criatividade.
Nos capítulos sobre aplicações da IA às práticas jornalísticas, Kalynka Cruz e Lucia Santaella destacam tanto as funcionalidades positivas quanto os potenciais problemas e desafios para organizações de mídia, jornalistas, público consumidor de notícias e sociedades civis em geral.

Entre as funcionalidades positivas da IA no jornalismo, as autoras citam as possibilidades de automação de tarefas repetitivas ou onerosas, o que tende a aumentar a eficiência e a velocidade na produção e atualização de notícias, permitindo que os jornalistas concentrem-se em tarefas mais complexas. Funcionalidades que também permitem oferecer conteúdos personalizados, combater a difusão de informações enganosas, monitorar a publicação de notícias em tempo real, alertar jornalistas sobre eventos relevantes e atualizações de última hora. O que pode contribuir para melhorar a qualidade do trabalho jornalístico.
Por outro lado, Kalynka Cruz e Lucia Santaella também frisam os perigos envolvidos na utilização da IA para falsear a realidade e promover a desinformação, como no uso de referências inverídicas ou descontextualizações em produções de texto, foto e vídeo, o que também implica desafios de ordem ética. Nesse sentido é que propõem maior atenção, sobretudo da parte dos profissionais, para a importância dos guias e diretrizes de utilização da IA no jornalismo. Uma utilização que, para Kalynka e Santaella, deve se basear em princípios como transparência, integridade, responsabilidade, respeito aos direitos humanos, garantia de inclusão, diversidade e proteção de dados sensíveis. Requisitos essenciais para manter a confiança do público na mídia e no jornalismo como tradutor da experiência social em sociedades democráticas.
“A adoção da IA em práticas jornalísticas demanda uma análise criteriosa sobre a maneira pela qual estas tecnologias são aplicadas, assegurando que a eficiência e a personalização não venham a prejudicar a exatidão, a neutralidade e a integridade do material divulgado”, afirmam as autoras, para as quais esta preocupação demanda um entendimento aprofundado dos princípios (Ethos) fundamentais que regem as práticas jornalísticas.
A substituição do trabalho jornalístico por sistemas de inteligência artificial é outra questão pensada pelas autoras, especialmente no âmbito do chamado “jornalismo automatizado”, também conhecido como “jornalismo algorítmico”. Entre outros exemplos, citam os casos do Heliograf, o jornalista artificial do Whashington Post que atua desde 2016, e das agências Reuters e Bloomberg, que também investem na geração robotizada de textos para seus serviços informativos.
A preocupação com os impactos da IA sobre as sociedades contemporâneas tem sido tão grande que, em 2022, a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) aprovou a ‘Recomendação sobre a Ética da Inteligência Artificial”, um manifesto que delineia princípios éticos basilares para a aplicação de IA, destacando não apenas os princípios da transparência, da responsabilidade e do respeito aos direitos humanos, mas também a necessidade de supervisão humana como forma de evitar a prevalência de vieses algoritmos preconceituosos ou discriminatórios nas produções com inteligência artificial. “A integração da inteligência artificial nas redações exige uma reflexão sobre os valores fundamentais do jornalismo e como mantê-los em um contexto cada vez mais automatizado. O dever é incentivar o uso da tecnologia para enriquecer o jornalismo, e não para diluí-lo”, concluem.