Reportagem publicada no último domingo (2/5) pelo jornal Extra aponta a existência de 20 processos no Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) em que policiais respondem por homicídios há mais de cinco anos, sem que a sentença na primeira instância tenha sido proferida. As ações têm como réus 44 agentes, que respondem pelos assassinatos de 43 pessoas. Segundo o Extra, mais da metade desses policiais, 26 ao todo, segue trabalhando normalmente em suas corporações.
Cinco estão presos por outros crimes, dois se aposentaram e 11 foram expulsos.
Para Osvaldo Mendes, dirigente da Secretaria de Gênero, Raça e Etnia do Sindsprev/RJ, a impunidade dos crimes cometidos por agentes da lei contra a população expressa o caráter discriminatório do Estado brasileiro, que historicamente nunca considerou os brasileiros e brasileiras pobres, sobretudo negros e indígenas, como cidadãos. “Vivemos numa sociedade racista. Uma sociedade construída com base na escravidão. Uma sociedade que sempre tratou as causas e reivindicações populares como casos de polícia a serem duramente reprimidos. Numa sociedade assim, o resultado é que os agentes da lei sentem-se blindados por um manto de impunidade. Mas isto tem que acabar. É intolerável”, disse.
Entre os casos citados pela reportagem do jornal Extra está o do dançarino Douglas Rafael da Silva Pereira, o DG, assassinado, aos 26 anos, por um tiro disparado por um policial militar no Pavão-Pavãozinho, em abril de 2014. DG foi baleado pelo PM Walter Saldanha Corrêa Júnior, lotado à época na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da favela, quando estava no parapeito de uma casa, no momento em que tentava se proteger de um tiroteio. O rapaz, que integrava o elenco do programa ‘Esquenta!’, comandado por Regina Casé, na Globo, não portava arma alguma.
Apontado como o atirador, o PM Saldanha teria dito a seguinte frase, após o disparo fatal contra DG: “Acho que acertei aquele ganso”.
O termo é usado por PMs para se referir a traficantes. Até hoje, o crime está impune: o caso tramita na Justiça há mais de cinco anos, sem sentença alguma. Nesse período, o réu seguiu trabalhando na PM, onde foi promovido de soldado a cabo e até condecorado: em 2019, a corporação concedeu a Saldanha o distintivo ‘Lealdade e Constância’, criado para premiar PMs que não sofreram punições em dez anos. Atualmente, ele bate ponto no 26º BPM (Petrópolis).
Um exemplo da violência policial que todos os dias atinge os moradores de favelas e periferias brasileiras ocorreu em maio de 2020, na comunidade Salgueiro, em São Gonçalo, quando o jovem João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, foi morto durante operação realizada pelas polícias civil e federal contra o tráfico de drogas naquela comunidade. O caso, que repercutiu internacionalmente, ocorreu após uma verdadeira fuzilaria que não poupou moradores e instaurou um clima de terror na comunidade do Salgueiro. O corpo do adolescente só foi encontrado pela família após 17 horas de uma angustiada busca empreendida por seus pais.
A causa do óbito: um tiro de fuzil, que o atingiu em casa. A residência onde morava João Pedro foi alvejada por mais de 70 tiros. Como a maioria esmagadora das vítimas fatais de violência policial no Brasil, João Pedro era negro.