Como vem fazendo em todos os setores do setor público – desde a Previdência Social, passando pelos bancos estatais (Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil), e demais empresas públicas (como a Petrobras, Eletrobras, Casa da Moeda e Correios) – o governo Bolsonaro também pretende inviabilizar o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) para privatizá-lo mais à frente. Público, universal e gratuito o SUS foi criado pela Constituição Federal de 1988 tornando a saúde um dever do Estado e um direito da população.
Já durante a campanha eleitoral, o candidato do PSL, Jair Bolsonaro, mostrava a intenção de ir mais fundo no corte de recursos do SUS, que já enfrentava, há tempos, sérios problemas de funcionamento por falta de verba.
Afirmava que o gasto com a saúde pública era excessivo e que os recursos para o setor deveriam ser “bem menores”. Para sustentar seu ponto de vista manipulou dados citando números de 2014 sobre investimentos totais na saúde (pública e privada).
Lígia Bahia, professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também responsável pelo estudo, definiu o dado apresentado como uma falácia: “Ele (Bolsonaro) omite a informação de que no Brasil mais da metade dos gastos da saúde são privados e não públicos”, explicou. Dessa forma, por mais que o Brasil tenha gastos na área, a maior porcentagem é destinada ao setor privado”. A solução apresentada pelo então candidato e que está sendo posta em prática é, não o aumento dos recursos para tirar a saúde pública da situação dramática em que se encontra, mas a redução ainda maior da verba para o setor.
Menos recursos
Já atingidas pela emenda constitucional 95 do governo Temer (MDB) – que congelou por 20 anos os recursos do Orçamento da União, impactando ainda mais a área social – Bolsonaro passou a tesoura no Orçamento, sobretudo na verba destinada à Educação e à Saúde. Os dois setores perderam mais de R$ 6 bilhões previstos para 2019, valor já muito menor em função da redução provocada pela PEC 95.
O ministério da Educação sofreu um corte de R$ 5,83 bilhões, equivalente a 25% do valor previsto no Orçamento. A Saúde teve subtraídos R$ 599 milhões, 3% do orçado para 2019. Na prática, para especialistas em financiamento, o decreto de Bolsonaro que estipulou os cortes pode provocar a paralisia e morte das políticas públicas de um campo social já asfixiado. O economista Francisco Funcia, assessor técnico do Conselho Nacional de Saúde (CNS) para o Orçamento do SUS, alerta que o corte de 3% é grave, considerando que o SUS enfrenta um processo de subfinanciamento crônico desde a sua criação, que se agravou fortemente a partir da emenda 95, em 2017.
“Tirar ainda mais recursos é um grave problema. Não há como manter um sistema único de saúde como o nosso, retirando a cada ano mais recursos. Se nada for feito, o SUS vai morrer por asfixia financeira. A despesa por habitante vai cair nos próximos 20 anos e isso levará a uma desestruturação completa do sistema, à precariedade, ao sucateamento das unidades públicas que não terão condições de acompanhar a inovação tecnológica de equipamentos e medicamentos.
Em suma, trará graves consequências sobre as condições de saúde da população”, alertou.
Retirando mais direitos
O diretor do Sindsprev/RJ, Sidney Castro, avaliou que se antes da PEC 95 a rede pública já atravessava uma situação caótica, depois dela, e agora com os cortes decretados por Bolsonaro, a situação ficará insustentável, com efeitos dramáticos para a população e os servidores da rede. O dirigente lembra que nos hospitais federais é gigantesco o déficit de pessoal, já que, desde 2005, não é realizado concurso para a reposição de profissionais. Além disto, não há verba suficiente para a compra de medicamentos ou de novos equipamentos, sendo também precária a manutenção dos que estão em uso.
De acordo com dados de 2017, o gasto do Brasil com saúde pública é de R$ 3,60 por pessoa a cada dia, cerca de 4% do PIB. No Reino Unido, modelo internacional no qual o sistema de saúde é de acesso universal, o gasto é de 7,9% do PIB. O Brasil aloca metade do PIB que o Reino Unido, o que mostra nossa insuficiência de recursos. A diferença sobre o que se aplica hoje nas três esferas de governo com relação aos exemplos internacionais seria R$ 260 bilhões. O valor de R$ 3,60 per capita por dia é menos do que se paga hoje numa tarifa para um trecho de transporte coletivo.
Cobrar por atendimentos
Mas Bolsonaro quer ir além, em seu projeto de extinção da saúde pública. O ministério da Saúde, comandado por Luiz Henrique Mandetta (DEM), suspendeu contratos com sete laboratórios públicos nacionais, atingindo a produção de 19 medicamentos distribuídos gratuitamente pelo SUS. O senador Paulo Paim (PT-SP) condenou a medida que afeta 30 milhões de pacientes. A maioria com câncer, diabetes e transplantados. “O descaso com a saúde da população é uma constante. Há uma clara intenção de sucatear o sistema para privatizá-lo”, denunciou.
O ministério anunciou, ainda, que para fazer o repasse de recursos aos municípios levará em contra, entre outros pontos, o número de pacientes cadastrados nas equipes de saúde, o que causará a exclusão de muitos brasileiros. A medida causará sérios prejuízos às unidades básicas de saúde da família. Ao passar a pagar por captação [cadastro], muita gente fica de fora. Mandeta – um representante dos planos de saúde – defende, ainda, a cobrança pelos serviços prestados pelo SUS.
Desvinculação: menos recursos
Para piorar a situação, o ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou que apresentará ao Senado proposta de emenda à Constituição (PEC) possibilitando a desvinculação total do Orçamento da União. Sem a vinculação obrigatória, os parlamentares decidiriam a cada ano a alocação dos recursos.
Pela Constituição Federal, os estados devem investir no mínimo 12% do orçamento na área da saúde, enquanto os municípios, 15%. Em educação, a vinculação orçamentária obriga estados e municípios a aplicar pelo menos 25% da receita.
Estes números poderiam ser alterados para menos. A proposta fere de morte o SUS e a educação pública. Significa acabar com a obrigação de estados e municípios, e do próprio governo federal, de investir o mínimo constitucional nestas áreas. E, ainda, que o governo Bolsonaro, através dessa proposta, quer destruir a educação e a saúde públicas, passando para o setor privado a prestação desses serviços.
*Com informações do CNS, do Instituto Humanitas Unisinos e de agências de notícia.