O Ministério da Justiça fez um relatório sigiloso sobre 579 servidores públicos da área de segurança e de universidades identificados como integrantes do movimento antifascismo e opositores do governo Jair Bolsonaro. A informação foi revelada por reportagem do site UOL. Inicialmente, através de nota, o ministro da Justiça, André Mendonça, argumentou que a atividade não configura investigação e se concentra exclusivamente na “prevenção da prática de ilícitos e à preservação da segurança das pessoas e do patrimônio público”.
O dossiê foi feito pela Secretaria de Operações Integradas (Seopi), ligada ao ministério.
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De acordo com o UOL, investida das atribuições de serviços de inteligência por um decreto de janeiro de 2019 do presidente Bolsonaro, a Seopi não submete todos os seus relatórios a um acompanhamento judicial. Segundo a reportagem, a pasta “produziu um dossiê com nomes e, em alguns casos, fotografias e endereços de redes sociais das pessoas monitoradas.” O dossiê foi repassado a órgãos políticos e de segurança do país e pode ser usado, por exemplo, como subsídio para perseguições políticas dentro dos órgãos públicos.
Após a atividade ter sido condenada por diversas entidades, como a Anistia Internacional, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e de o ministro ser convocado pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede Sustentabilidade) e Jaques Wagner (PT), no último dia 31, a explicar o uso do ministério para espionagem de servidores e o ataque à liberdade de expressão, Mendonça voltou atrás. Agora fala em ‘apurar’ a ‘existência’ do dossiê. O PSB está consultando partidos de oposição (PT, PCdoB, PSOL, PDT, PSB e Rede) para uma ação conjunta que envolve apresentar queixa-crime e pedir providências ao STF (Supremo Tribunal Federal), à PGR (Procuradoria Geral da República) e ao TCU (Tribunal de Contas da União), além da convocação do ministro.
A Anistia Internacional se manifestou sobre o relatório do Ministério da Justiça.
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Em nota, disse que exige o fim de toda e qualquer investigação secreta e ilegal contra opositores do governo.
Traços nazistas
Para o cientista político, Lincoln de Abreu Penna, professor aposentado de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro e presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional (Modecon), não há dúvida: “O projeto de Bolsonaro é o de organizar uma polícia política do tipo gestapo nazista, de modo a centralizar informações e controlar todas as atividades do serviço público. Com isso, ele faz prosperar o desmonte do Estado Nacional, liquidando a soberania do país e quebrando a autonomia das instituições”, avaliou.
Lincoln acrescentou que na já famosa reunião ministerial do dia 22 de abril, quando Bolsonaro disse não ser informado do que ocorria, em seguida disse que o seu sistema de informações era mais eficiente.
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“Ele deseja, com essas iniciativas fazer valer o seu próprio instrumento de monitoramento. É uma etapa a mais na escalada do autoritarismo em direção ao totalitarismo, seu maior desejo”, denuncia.
Monitoramento político é ilegal
Apesar de a Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça classificar como rotineiros levantamentos de informações como o revelado pelo jornalista Rubens Valente, do UOL, em que constam policiais antifascistas e professores universitários, o ex-ministro José Eduardo Cardozo discorda. “Criar uma polícia política dentro do Ministério da Justiça é algo gravíssímo”, diz ele. Cardozo, que comandou a pasta no governo Dilma Rousseff, de 2011 a 2016, explica que o trabalho de inteligência do ministério sempre foi voltado para a Secretaria Nacional de Segurança Pública, no combate ao crime organizado. Nunca para monitorar adversários político-ideológicos.
Bolsonaro dá autonomia para espionagem
Depois da publicação da reportagem, o Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul abriu procedimento exigindo informações do Ministério da Justiça. O MPF quer saber se há elementos que indiquem uma atuação do governo para limitar a liberdade de expressão e deu um prazo de dez dias para o envio de explicações sobre as razões do relatório.
A organização defende que toda e qualquer atividade de inteligência do ministério precisa ter como base investigações policiais regulares, motivadas pela ocorrência de crimes, sendo autorizadas e supervisionadas pela autoridade judicial. Caso contrário, consistirá em arbitrariedade, violando os direitos humanos.
Perseguição
Outras decisões recentes do governo Bolsonaro reforçam a ideia de que está sendo criado no Brasil um Estado policial, para espionar, censurar e perseguir quem denunciar atos lesivos ao patrimônio público e outras ilegalidades. Uma delas é a edição da portaria 282, do ministro da Economia, Paulo Guedes, divulgada dia 24 de julho último no Diário Oficial da União (DOU). O documento prevê a transferência arbitrária e ‘irrecusável’ de servidores e empregados públicos, trabalhadores em estatais e empresas de economia mista, quando for do interesse do governo.
Ou seja, legaliza o assédio moral e cria um mecanismo que ameaça com a remoção compulsória todos os que trabalham no setor público, o que pode ser usado como instrumento de perseguição e punição. Desta forma, é um elemento de força, que tenta impedir os servidores de exercerem uma de suas principais atribuições, a de fiscalizar as ações realizadas no setor público, motivo pelo qual são protegidos pela estabilidade. O Estado policial é o tipo de organização estatal fortemente baseada no controle da população (e, principalmente, de opositores e dissidentes) por meio da polícia política, das forças armadas e outros órgãos de controle ideológico e repressão política.