O pacote do governo Bolsonaro criado sob a alegação de criar empregos, na verdade, vai ter efeito contrário. A avaliação está na nota técnica produzida pelo Departamento de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), que classifica a Medida Provisória 905, que instituiu o pacote, como um novo desmonte dos direitos trabalhistas. Frisa que, entre outros pontos, a MP, sob o pretexto de estimular o primeiro emprego de jovens (através da Carteira Verde e Amarela), decretou mais uma reforma trabalhista: criando a modalidade de contrato de trabalho precário e intensificando a jornada de trabalho, podendo resultar em aumento do desemprego. O documento acrescenta que, além disto, a MP enfraquece os mecanismos de registro, fiscalização e punição às infrações; fragiliza as ações de saúde e segurança no trabalho; reduz o papel da negociação coletiva e da ação sindical; ignora o diálogo tripartite como espaço para mudanças na regulação do trabalho; e, por fim, beneficia os empresários com uma grande desoneração em um cenário de crise fiscal, impondo aos trabalhadores desempregados o custo dessa “bolsa-patrão”.
O Dieese prevê com a medida provisória, a continuidade da crise no mercado de trabalho brasileiro. A nota técnica lembra que a justificativa para a reforma trabalhista que decepou centenas de direitos trabalhistas em 2017, no governo Temer, também era a geração de empregos e o que aconteceu foi o oposto. “Passados dois anos da implantação das medidas, os empregos não foram gerados e o mercado de trabalho continua se deteriorando, com crescente informalidade e precarização das condições de trabalho, problemas que se agravaram em função justamente da reforma. Como consequência de toda essa situação, a concentração de renda e a pobreza no país aumentaram”, frisa o documento.
MP contraria normas internacionais
O Dieese destaca que a MP apresentada está em desacordo com a Convenção 144 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que determina o diálogo tripartite efetivo para alteração das normas trabalhistas. E que o Estado brasileiro já havia sido incluído na lista dos países que não cumprem as recomendações da Organização por essa mesma razão, na reforma trabalhista de 2017.
“Também está em desacordo com as regras que regem o uso de Medida Provisória, pois este tipo de mecanismo requer a comprovação de urgência e relevância sobre a questão. Ademais, inclui uma diversidade de temas que nem têm relação com a geração emergencial de empregos. Por fim, retoma propostas já rejeitadas pelo Congresso Nacional em outras MPs editadas nesse ano, como é o caso da liberação total do trabalho aos domingos e feriados”, afirma o Dieese em sua avaliação técnica.
Menos direitos, mais desemprego
O Dieese lembra que o desemprego no Brasil atinge 12,5 milhões de pessoas. Entre as ocupadas, 44% estão na informalidade (sem carteira assinada); 26% são trabalhadores e trabalhadoras por conta própria; entre os ocupados, 8% estão subocupados por insuficiência de horas; entre os que estão fora da força de trabalho, 7,3% são desalentados (jul/ago/set, 2019, PnadC/IBGE). E chama a atenção para o fato de que a MP 905 não tem instrumentos que possam intervir positivamente nesse cenário para reverter a crise do mercado de trabalho brasileiro. “Ao contrário, tem potencial para aumentar o desemprego e a precarização”, afirma.
Bom para os patrões
O contrato de trabalho “verde e amarelo” estabelece isenções para as empresas contratantes, mesmo em cenário de crise fiscal, o que demonstra que o ajuste só é usado para justificar cortes de direitos previdenciários e trabalhistas. O novo contrato desconstrói o direito à remuneração das férias, à gratificação de férias, ao 13º salário e ao FGTS, incorporando-os ao pagamento mensal. Além disso, o desenho da política não veta todas as possibilidades de rotatividade da mão de obra, com a troca de trabalhadores e trabalhadoras com contratos por prazo indeterminado por jovens contratados pela carteira verde e amarela.
Tamanho do desmonte
A MP que criou o “Emprego verde e amarelo”, além de propor uma nova modalidade de contrato de trabalho para jovens, promoveu uma série de mudanças na legislação trabalhista para diversas categorias. A MP revogou 37 pontos da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e retirou ainda trechos constantes em outras 22 leis e decretos que tratam de matérias trabalhistas, tributárias e previdenciárias. São alterações para mais de dez categorias profissionais.
O escopo de alterações abrange desde a possibilidade de trabalho aos domingos e feriados, inclusive para professores, e retira a obrigatoriedade de registro profissional para exercício de diversas profissões como arquivista, artista, atuário, jornalista, publicitário, radialista, secretário, sociólogo, corretor de seguros e guardadores de carro. Além disso, o texto altera jornada de trabalho dos bancários.
A proposta também promove mudanças no vale alimentação, prêmios e participação nos lucros para todas as categorias de profissionais. A MP é tão ampla que revoga até mesmo a necessidade de aprovação prévia para os projetos de instalação de caldeiras, fornos e recipientes sob pressão.
Principais pontos da nova reforma trabalhista
- Desonera as empresas, mas onera os desempregados com o pagamento da contribuição previdenciária para aqueles que acessarem o seguro-desemprego.
- Ao invés de promover empregos, facilita a demissão de trabalhadores e pode estimular a informalidade (sem carteira de trabalho assinada), a depender da classificação das multas, do enquadramento por porte econômico do infrator e da natureza da infração, que serão definidos posteriormente pelo Executivo federal. A proposta enfraquece
- Aumenta a jornada de trabalho no setor bancário para todos os trabalhadores e trabalhadoras, exceto para os que trabalham na função de caixa. Em relação a esse setor, também libera a abertura das agências bancárias e o trabalho aos sábados. O aumento da jornada de trabalho para bancários e bancárias tem potencial de ampliar o desemprego: a cada 2 trabalhadores com jornadas de 44 horas semanais, um poderá ser demitido.
- Amplia a desregulamentação da jornada de trabalho instituída na reforma trabalhista de 2017 com a liberação do trabalho aos domingos e feriados, sem pagamento em dobro, pago apenas se o trabalhador não folgar ao longo da semana.
- Promove a negociação individual e a fragmentação das normas por meio de Acordos Coletivos de Trabalho (ACTs).
- Retira o sindicato das negociações de PLR (Participação nos Lucros e Resultados) e amplia o número máximo de parcelas, de duas para quatro, ao longo do ano, caminhando para transformar a PLR em parcela variável cada vez maior do salário.
- Dificulta a fiscalização do trabalho, inclusive em situações de risco iminente. Retira do sindicato a autoridade para também interditar local de trabalho com risco iminente.
- Institui o Conselho do Programa de Habilitação e Reabilitação Física e Profissional, Prevenção e Redução de Acidentes do Trabalho, sem participação das representações dos trabalhadores e trabalhadoras e nem mesmo do Ministério da Saúde, no contexto da recente flexibilização das Normas Regulamentadoras (NRs) da Saúde e Segurança do Trabalho promovida pelo governo. Além disso, esse Conselho entra em conflito com a orientação da OIT, de criar espaços tripartites para tratar dos temas relativos à saúde do trabalhador.
- Cria um Fundo que será gerido por esse Conselho. As fontes desse Fundo serão as condenações de ações civis públicas trabalhistas e os valores arrecadados nas condenações por dano moral coletivo constantes nos TACs (Termos de Ajuste de Conduta). O Programa de Habilitação e Reabilitação Física e Profissional, Prevenção e Redução de Acidentes do Trabalho se restringe ao ambiente do trabalho, deixando de fora as demais situações como trabalho escravo, trabalho infantil, fraudes nas relações de trabalho, irregularidades trabalhistas na administração pública, liberdade sindical, promoção de igualdade de oportunidades, combate à discriminação no trabalho, entre outras. Apesar do escopo restrito, parte dos recursos que constituem o fundo são de ações oriundas desse escopo mais abrangente, por exemplo, recursos de infrações relacionadas a trabalho infantil, e que no novo desenho não serão utilizados em ações de reparação sobre esse tema.
- Altera a regra para concessão do auxílio-acidente: incluindo no texto um vago “conforme situações discriminadas no regulamento”, que será definido por meio de uma lista a ser elaborada pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia (Sept/ME). Muda o valor do auxílio-doença de 50% do salário-benefício (com a reforma, a média de todas as contribuições) para 50% do benefício de aposentadoria por invalidez.
- Institui multas que variam de R$ 1.000,00 a R$ 50.000,00 por infrações que atinjam os trabalhadores de forma coletiva (o que será modulado pelo porte da empresa) e multas entre R$ 1.000,00 a R$ 10.000,00 para situações em que o fato gerador da infração esteja relacionado a um trabalhador específico. A gravidade da infração será definida posteriormente, o que pode enfraquecer a capacidade de punição às empresas que comentem infrações trabalhistas.
- Revoga 86 itens da Consolidação das Leis do Trabalho, entre os quais, direitos e medidas de proteção ao trabalho, como o artigo 160, que estabelece que “Nenhum estabelecimento poderá iniciar suas atividades sem prévia inspeção e aprovação das respectivas instalações pela autoridade regional competente em matéria de segurança e medicina do trabalho”.