Na contramão da maioria dos países, que têm tomado medidas para garantir o emprego e a renda dos trabalhadores como forma de enfrentar o novo coronavírus, o governo Bolsonaro editou a Medida Provisória (MP) nº 936, no último dia 1/4. A MP autoriza a suspensão do contrato de trabalho, portanto, do salário, durante 60 dias, ou a redução de 25%, 50% e 70% da remuneração e da jornada, por 90 dias.
As mudanças beneficiam os empregadores e são extremamente prejudiciais aos trabalhadores, justamente num momento em que eles mais precisam de recursos devido à pandemia. O teor da MP é mais uma confirmação de que o governo federal só se preocupa em promover ações que beneficiem os ricos. Para os bancos, por exemplo, com apenas uma canetada do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, foram liberados R$ 1,3 trilhão para que ‘atravessassem a crise provada pelo novo coronavirus’. Isto, mesmo com os bancos apresentando lucros astronômicos há décadas. Apesar da necessidade de crédito mais barato para a população neste momento, os banqueiros aumentaram ainda mais as taxas de juros, numa demonstração de descaso com a população e de ganância.
O governo federal seguiu o mesmo comportamento, não apenas com a MP do corte de salários, mas também com a proposta de redução da remuneração de servidores federais e a ‘concessão’ de um auxílio de R$ 600, uma migalha, durante três meses, para trabalhadores sem carteira assinada (informais). O valor vale também para desempregados, mas estabelece uma quantidade tão grande de restrições que, na prática, acaba valendo para muito poucos.
Patrões com a faca e o queijo nas mãos
Tanto a redução salarial e de jornada quanto a suspensão do contrato previstos na MP 936 poderão ser feitas mediante acordo individual formal para quem ganha até R$ 3.135 ou mais de R$ 12.102, deixando os patrões à vontade para impor o que quiserem.
Para os que recebem salários entre esses valores, o acordo coletivo é obrigatório.
Em troca, as empresas não poderão demitir. Mesmo assim, esta garantia é relativa. Segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas de Estudos Estatísticos e Socio-Econômicos (Dieese), o empregador poderá dispensar o empregado, mediante pagamento de somente uma parte do salário (50%, 70% ou 100%, dependendo da redução acordada) que ele receberia até o final do prazo da garantia.
A participação de recursos do governo federal, conforme consta da MP, é ridícula, o que revela o pouco caso em relação aos assalariados: ele complementará o salário reduzido com o pagamento do Benefício Emergencial de Preservação do Emprego e da Renda, custeado com recursos do seguro-desemprego no mesmo percentual do corte salarial. Ou seja, se for de 50%, o trabalhador receberá 50% do benefício, ou 100%, no caso de suspensão do contrato de trabalho e do salário.
Para o economista do Dieese Fernando Amorim, na comparação com outros países fica explícita a falta de comprometimento do governo brasileiro com o emprego e a renda do trabalhador. Outra grande lacuna apontada é a ausência de efetiva garantia de emprego, independentemente de estarem incluídos no programa. “Quem não aceitar os termos de redução salarial pode ser demitido sem qualquer constrangimento ao empregador”, frisou.
Pressão por mudanças na MP
A MP 936 já está em vigor, mas terá que ser debatida no Congresso Nacional, que poderá alterá-la. Numa referência à liberação de R$ 1,3 trilhão para os bancos, as centrais sindicais condenaram a Medida Provisória. Em nota classificaram a resposta do governo, ante à pandemia e a redução da atividade econômica, como “tímida, indigesta e extremamente insignificante frente ao montante de recursos disponibilizados para o setor financeiro”.
Para as entidades, os acordos entre trabalhadores e empregadores não podem ser individuais. Os sindicalistas informaram que vão sistematizar propostas a serem levadas ao Congresso e apresentadas como emendas. “Ressaltamos que a Constituição brasileira garante o acordo coletivo justamente porque no acordo individual o trabalhador sempre sai prejudicado”, afirmam ainda, orientando os empregados a procurarem seus sindicatos.
Qualquer medida deve respeitar o artigo 7º da Constituição, que só permite redução salarial por meio de acordo coletivo, e a participação das entidades sindicais em todas as negociações. Além disso, os salários devem ser mantidos integralmente, “de forma a manter o poder de compra e fomentar uma retomada econômica”. As centrais propõem ainda 180 dias de estabilidade, prorrogação do seguro-desemprego e isenção de tarifas.