Numa manobra covarde aprovada por orientação do governo Bolsonaro para atender aos bancos e outras grandes empresas, a Câmara dos Deputados aprovou a Medida Provisória (MP) 1045, na terça-feira (10/8), por 304 votos a 133. O conteúdo original da MP já prejudicava os trabalhadores ao prever, sob a alegação de ‘criar empregos’, a redução de salários ou o seu não pagamento, o que seria feito através da suspensão do contrato de trabalho, permitindo que empresas deixem de pagar FGTS, férias, previdência e a rescisão do contrato de trabalho, jogando nas costas dos trabalhadores o peso das dificuldades criadas pela pandemia. Desta forma, a MP 1045 também tenta esconder o percentual de desemprego real e retira do governo a obrigação de investir nas empresas para manter os empregos.
Mas a MP foi ainda mais piorada.
Sem qualquer consulta ao movimento sindical, passou a prever a redução de uma série de outros direitos trabalhistas. Tudo tramado criminosamente (e na surdina) através de emendas negociadas entre Bolsonaro (sem partido), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e o famigerado especulador e ministro da Economia, Paulo Guedes.
A matéria agora segue para o Senado. Segundo a CUT, a MP encaminhada pelo governo Bolsonaro, um dos que mais atacam os direitos trabalhistas em toda a história do Brasil, vai diminuir os salários, estimular as empresas a trocar até 40% dos seus quadros de trabalhadores por outros inexperientes (para pagar menos); acabar com o 13º salário e retirar o direito às férias remuneradas, entre outras medidas perversas e de ataques a direitos conquistados pelos trabalhadores ao longo de décadas.
A mídia empresarial vem defendendo a MP 1045, feita para atender a seus interesses patronais próprios e os de seus anunciantes. Diz que a MP é uma forma de estimular bancos e empresas a criarem empregos.
Para o diretor do Sindicato dos Bancários do Rio de Janeiro, Rodrigo da Silva, no entanto, o objetivo da MP é jogar o peso da crise sobre os trabalhadores, em especial sobre os jovens desempregados em busca do primeiro emprego, que serão submetidos a condições de trabalho completamente desleais, sem qualquer direito. “É preciso barrar esta MP e criar garantias de trabalho e renda para a população”, defendeu.
Pouca vergonha
Por orientação de Arthur Lira, o seu colega de partido, deputado Christino Áureo (PP-RJ), relator da MP, incluiu os chamados ‘jabutis’. São emendas apresentadas por parlamentares sobre assuntos que nada têm a ver com a matéria de que trata a MP, mas que ampliam os estragos provocados por ela.
A emenda nº 40, por exemplo, prevê que categorias com jornadas especiais (inferiores a 8 horas), como bancários, aeroviários e professores, entre outras, podem ter sua jornada estendida para 8 horas, mediante acordo individual ou coletivo; e fixa em 20% o adicional pelas horas extras que passarem a compor o horário normal de trabalho (sétima e oitava horas). Hoje, a legislação determina que a hora extra seja paga com adicional de 50% (segunda a sábado) e 100% (domingos ou feriados).
A emenda – de autoria do deputado Eli Corrêa Filho (DEM-SP) e acatada na íntegra por Christino Áureo – determina ainda que a alteração na jornada pode ser aplicada inclusive após o período de emergência decorrente da pandemia do coronavírus. Mais uma mostra do mau-caratismo inspirador das emendas.
Mais maracutaias
Mais grave ainda são as emendas que criam, sorrateiramente, o ‘Regime Especial de Trabalho Incentivado (Requip)’. Apesar do pomposo nome, o programa espelha toda a canalhice do governo Bolsonaro e de seus aliados, estabelecendo uma espécie de “trabalhador de segunda classe”, sem contrato de trabalho, portanto, sem direitos como férias, FGTS, contribuição previdenciária, entre outros.
O Requip é covarde e atinge justamente quem está em situação mais vulnerável e difícil, sem vínculo com a Previdência Social há mais de dois anos: trabalhadores de baixa renda que se mantêm através de programas federais de transferência de renda e jovens com idade entre 18 e 29 anos.
O profissional receberá cerca de R$ 440 mensais, ou seja, 40% do valor do atual salário mínimo de R$ 1.100,00, sendo que metade (R$ 220) será paga pelo governo e a outra metade, pela empresa, por meio da Bolsa de Incentivo à Qualificação (BIQ). A carga horária será de 22 horas semanais.
O tal Requip é um artifício cruel para impor o barateamento da mão de obra, prevendo a prestação de serviços ou trabalho eventual associado à formação profissional, com assinatura de um termo de compromisso, mas sem caracterizar relação de trabalho. Os pagamentos ao profissional são chamados de Bônus de Inclusão Produtiva (BIP) e de Bolsa de Incentivo à Qualificação (BIQ).
“Esta modalidade de trabalho, o Requip, ficará completamente à margem da legislação trabalhista, já que não haverá vínculo empregatício; não haverá salário, mas apenas o pagamento de ‘bônus de inclusão produtiva’ (com recursos públicos) e de ‘bolsa de incentivo à qualificação’; não haverá recolhimento previdenciário ou fiscal; não haverá férias, já que o trabalhador terá direito apenas a um recesso de 30 dias, parcialmente remunerado; o vale-transporte também será garantido apenas parcialmente”, informa nota da Coordenadoria Nacional de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente do MPT.
Inconstitucional
Em documento, 11 centrais sindicais frisam que a inclusão de matérias estranhas ao texto original de MP 1045 vai contra o posicionamento do Supremo Tribunal Federal (STF). “Por meio de sua jurisprudência, o tribunal afirma que “viola a Constituição da República, notadamente o princípio democrático e o devido processo legislativo (arts. 1º, caput, parágrafo único, 2º, caput, 5º, caput, e LIV, CRFB), a prática da inserção, mediante emenda parlamentar no processo legislativo de conversão de medida provisória em lei, de matérias de conteúdo temático estranho ao objeto originário da medida provisória”, lembram.
Acrescentam haver graves modificações, ainda, nas normas que definem gratuidade de justiça, afetando, consequentemente, o direito de acesso à Justiça, fundamental em momento de pandemia e crise econômica, com a ocorrência de muitas demissões. Além delas, alterações substanciais no tocante à fiscalização do trabalho e extensão de jornada.
Um dos temas incluídos na MP por Christino Aureo é a limitação do acesso à Justiça gratuita apenas para aqueles que tenham renda familiar mensal per capita de até meio salário mínimo ou renda familiar mensal de até três salários mínimos. Se o texto virar lei, a declaração da pessoa não bastará, devendo o interessado provar esta condição por meio de comprovante de habilitação no CadÚnico do governo federal para programas sociais.
Caso ele perca a causa, deverá pagar os honorários do advogado da parte vencedora, se tiver obtido créditos suficientes ao vencer outra causa dentro de cinco anos. Nesse mesmo prazo, a parte vencedora poderá demonstrar que a pessoa deixou de se enquadrar como beneficiário da Justiça gratuita e executar a dívida dos honorários de seu advogado. Depois dos cinco anos, a dívida será considerada extinta.
As centrais sindicais reiteram que o objetivo da MP nº 1045 é reeditar as regras da MP nº 936, de 2020, com a finalidade de garantir a redução de jornada e salários e a suspensão de contratos, para supostamente assegurar a manutenção de postos de trabalho durante a crise sanitária causada pela pandemia. Na prática, a MP 1045 institui programas que criam vagas de trabalho precárias, com menos direitos.