É o que se conclui da avaliação feita pela Federação Nacional (Fenasps): Jair Bolsonaro agiu como um ditador ao impor através do decreto 10.620 de 5 de fevereiro deste ano, uma verdadeira reforma previdenciária, ao transferir para o INSS, gestor do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), sem previsão em lei, a administração das aposentadorias e pensões das autarquias e fundações federais, hoje regidas pelas normas do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS). Assim, o presidente da República desvincula estes servidores dos seus órgãos de origem, facilitando medidas futuras que desrespeitem a garantia de paridade em relação aos servidores em atividade, e a sua posterior inclusão no RGPS.
Ao segregar estes servidores dos demais (ativos dos mesmos órgãos e os da administração direta), o decreto desrespeita, ainda, a emenda constitucional 103, que instituiu as novas regras da reforma da Previdência, de autoria do próprio governo Bolsonaro, aprovada pelo Congresso Nacional em 2019. Em seu parágrafo 20 proíbe a existência de mais de um regime próprio de previdência social e de mais de um órgão ou entidade gestora desse regime em cada ente federativo, abrangidos todos os poderes, órgãos e entidades autárquicas e fundacionais. A norma constitucional estabelece, também, que normas gerais de organização, de funcionamento e de responsabilidade em sua gestão só poderão ser estabelecidas por projeto de lei, aprovado pelo Congresso Nacional. Ou seja, o decreto presidencial, atropelou inúmeros dispositivos da Constituição.
Pelas normas constitucionais a previdência social dos servidores públicos estatutários (detentores de cargos públicos do Executivo, Legislativo e Judiciário) será organizada em regime próprio, apartado do RGPS; e cada ente federativo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) poderá estruturar um único regime próprio de previdência. Mas não é o que prevê o decreto que separa os servidores aposentados e pensionistas das autarquias e fundações dos da ativa dos mesmos órgãos e dos demais servidores da administração direta. O decreto fere ainda a Constituição Federal ao prever a transferência para o INSS apenas de servidores do Executivo.
Transferir para o RGPS e privatizar
Na avaliação da Fenasps, o decreto divide o funcionalismo para reduzir sua resistência às mudanças e, mais à frente, transferir todos os servidores para o INSS. A diretoria da entidade frisa que conhecidos os interesses na privatização da Previdência Social, é previsível que o passo seguinte seja a extinção do RPPS, e sua absorção pelo RGPS, com a apresentação de proposta de emenda constitucional visando promover a privatização pura e simples da previdência, ou a adoção do sistema de capitalização, forma disfarçada da primeira.
Frisa a Fenasps que a privatização garantirá ainda mais lucros aos bancos, que passarão a administrar as contribuições feitas pelo modelo da capitalização. Os lucros maiores virão com a inclusão dos servidores públicos da ativa e os 660 mil aposentados e pensionistas do RPPS, somados aos trabalhadores celetistas do RGPS.
Fim do Regime Próprio
A definição de um gestor único para o regime próprio, que tudo indica deva ser o INSS, está prevista no art. 9º, § 6º, da EC nº 103, de 2019, da PEC da reforma da Previdência. O prazo para que isto aconteça expira em 12 de novembro próximo. Serão transferidas para o Instituto todas as responsabilidades relativas não só à gestão do RPPS, mas também à manutenção de cerca de 660 mil aposentadorias de servidores federais e à concessão de novas aposentadorias desses servidores.
O objetivo da alteração é construir as bases para a futura extinção do regime previdenciário próprio dos servidores da União, suas autarquias e fundações públicas, com a sua correspondente incorporação ao RGPS, administrado pelo INSS, conforme autorizam os §§ 20 e 22, do art. 40, da Constituição Federal, e o art. 34, da EC nº 103/2019.
Implodir o INSS
O governo sabe que isto vai implodir o INSS que há anos vive um completo caos devido ao seu sucateamento proposital para justificar a privatização da Previdência pública. O déficit de pessoal é de mais de 14 mil servidores e tende a crescer sem concurso.
O número de pedidos de concessão de benefícios dos segurados do RGPS sem reposta chega a quase 2 milhões.
Nos últimos 10 anos o número de servidores em atividade no INSS caiu de 38.529, em 2010, para 23.661, em 2021, o que implica uma perda efetiva de 14.
868 servidores. Por outro lado, se tomarmos o período entre 2018 a 2021 – todo sob os governos Temer e Bolsonaro –, veremos que ingressaram no INSS apenas 68 novos servidores, enquanto o número de trabalhadores da autarquia que lograram a aposentadoria, no mesmo período, chegou a 10.272 servidores.
Atuais segurados serão também prejudicados
Ao contrário do que diz o governo, portanto, concentrar no INSS as centenas de milhares de procedimentos de pagamento de aposentadorias e análise de concessão de outras centenas de milhares ao funcionalismo federal obviamente, não agilizará este trabalho. Fará, isto sim, com que os servidores se submetam ao mesmo tratamento cruel e desumano hoje imposto aos trabalhadores do setor privado. Prejudicará também estes segurados, na medida em que aumentará a quantidade e a diversidade da demanda de trabalho da autarquia.
“Com o Decreto nº 10.620, de 2021, perdem os servidores públicos, mas perdem também os trabalhadores do setor privado, ganhando apenas aqueles — como o governo federal e o sistema financeiro — que desejam a instauração do caos na Previdência Social brasileira, para que desse caos venha a emergir a privatização como “solução milagrosa”, mesmo que em prejuízo do povo”, frisa a Fenasps.
Decreto fere o RJU
O decreto de Bolsonaro atropela, ainda, as normas estatutárias do Regime Jurídico Único (RJU), com mudanças que só poderiam ser realizadas através de propostas de emendas constitucionais e projetos de lei aprovados pelo Congresso Nacional. A implantação destas novas regras por decreto será facilitada caso seja aprovada a PEC 32 da reforma administrativa que tem com um de seis principais objetivos o fim do RJU. Seria instituído outro regime, provavelmente nos marcos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), gerando o automático vínculo dos servidores públicos com o Regime Geral de Previdência Social (INSS).