Em mais uma óbvia confirmação de que no Brasil a vida de pobres e negros não é levada a sério pelo caráter racista do Estado, após 27 anos de imunidade, policiais réus, acusados de participação na morte de 13 pessoas, além de violência sexual contra mulheres durante a chacina na favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão, foram inocentados, nesta terça-feira (17/8). Para o diretor da Secretaria de Raça, Gênero e Etnia do Sindsprev/RJ, Osvaldo Mendes, este é mais um caso flagrante em que o Estado brasileiro foi absolvido por seus crimes, perpetrados através de seus agentes de segurança, que executaram vários jovens cujos corpos foram empilhados em praça pública no meio da favela como acontecia durante a escravidão com violência sexual e torturas.
“Mas, apesar deste fato hediondo, todos foram absolvidos sob a alegação de falta de provas com a conivência do Ministério Público.
Trata-se da defesa do Estado brasileiro com a sua ideologia racista que vê o negro como seu inimigo número 1. Sendo a favela território de negros, execuções são comuns e, lamentavelmente, permanecem impunes”, acusou o dirigente.
O caso aconteceu em 1994, e somente após quase 27 anos, o inspetor Rubens de Souza Bretas, o delegado Ricardo Gonçalves Martins, o ex-PM José Luiz Silva dos Santos e os ex-policiais civis Carlos Coelho Macedo e Paulo Roberto Wilson da Silva foram julgados. O julgamento aconteceu no 1º Tribunal do Júri que absolveu a pedido do Ministério Público do Rio de Janeiro, por ‘falta de provas’.
Em novembro de 2018, os réus foram pronunciados por homicídio duplamente qualificado. Na votação da série de quesitos formulados de acordo com os crimes imputados aos ex-policiais, os jurados reconheceram os fatos, mas não a autoria dos assassinatos. A sessão, que durou dois dias, foi presidida pela juíza Simone de Faria Ferraz.
Entenda melhor
Em 18 de outubro de 1994, as polícias Civil e Militar do Rio realizaram uma incursão na favela Nova Brasília, no Complexo do Alemão, com auxílio de helicóptero. Na ação, 13 jovens foram executados. De acordo com as denúncias formuladas, três mulheres, duas delas adolescentes na época, teriam sido torturadas e violentadas sexualmente.
Após a repercussão da operação, uma comissão especial de sindicância instaurada para fornecer dados adicionais ao inquérito policial apurou indícios de execuções sumárias dos jovens e recolheu provas da violência sexual e tortura das adolescentes.
Na mesma comunidade, outra operação foi realizada em 8 de maio de 1995, como resultado de uma suposta denúncia anônima. Mais 13 jovens foram mortos na ação, que contou com auxílio de dois helicópteros.
Cerca de 120 policiais participaram das duas operações.
Os homicídios foram registrados como confrontos e autos de resistência, o que isentou os policiais da responsabilidade pelas mortes na época.
A decisão foi tão absurda que a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) condenou o Brasil pelas mortes em 2017, forçando o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) a reabrir as investigações das chacinas. A Corte IDH determinou ao Estado Brasileiro o pagamento de indenizações por danos material e moral aos familiares das vítimas e às mulheres que sofreram violência sexual. Os juízes da Corte obrigaram ainda o país a reativar investigações sobre as mortes e os incidentes de violência sexual, além de implementar programa ou curso permanente sobre atendimento a mulheres vítimas de abuso.