Fraudes na contratação da empresa responsável pela coleta de lixo em Itaguaí (RJ) e corrupção devem levar a Câmara de Vereadores da cidade a aprovar, nesta semana, o impeachment do prefeito Carlos Bussato (MDB) e do seu vice, Abeilard Goulart de Souza Filho (PP). O pedido de afastamento foi feito pela servidora da rede municipal de saúde Helen Oliveira Senna e aceito pela Comissão Especial Processante da Câmara, em abril último. O prefeito deve ser investigado, ainda, pela participação em esquema criminoso na saúde.
Bussato teria cometido crime de responsabilidade ao tomar uma série de medidas ilegais visando garantir a contratação da empresa Plural Serviços Técnicos Ltda para a coleta de lixo domiciliar e hospitalar.
Entre elas, impediu que uma das concorrentes, a empresa Líbano Serviços e Limpeza, participasse da licitação, desobedecendo, inclusive, a uma decisão do Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ) neste sentido e, finalmente, optando por suspender a licitação de modo a garantir a contratação dos serviços da Plural.
Além de improbidade administrativa, o prefeito feriu os princípios legais e constitucionais da impessoalidade administrativa, ao cometer atos de favorecimento à empresa. A denúncia avalia a possibilidade de ter sido cometido também superfaturamento, já que numa licitação de caráter emergencial a Líbano foi escolhida por apresentar o menor preço, o que deveria se repetir agora.
Empresa beneficia sogra do vice
A denúncia traz à tona mais informações sobre as ligações estreitas entre a Plural e os titulares da Prefeitura. Descobriu-se que a empresa alugou, para estacionar seus caminhões, um terreno de propriedade de Neusa Helena Souza e Silva, sogra do vice-prefeito.
A denúncia acolhida pela Comissão Processante do pedido de impeachment constatou a péssima qualidade dos serviços prestados pela Plural, que deixaram a cidade literalmente entregue às baratas e aos ratos, com lixo amontoado por todas as ruas e nos hospitais. A situação causou a disseminação de doenças em toda a Itaguaí, entre os profissionais de saúde e pacientes, o que se agravou com a pandemia do novo coronavírus.
Participação dos servidores da saúde
A diretora da Regional Oeste do Sindsprev/RJ, Christiane Gerardo, avalia que o pedido de impeachment será aprovado por maioria. Ela acrescentou que o caso, além de afastar o grupo de gestores corruptos, mostra a importância da estabilidade dos servidores públicos. “É a estabilidade que nos permite tomar conhecimento dos meandros das administrações e fazer as denúncias, como ocorreu neste e em outros casos, sem medo de sermos demitidos. Este é o nosso papel”, afirmou, referindo-se à autora da denúncia que deu origem ao processo de impeachment, a servidora da saúde municipal de Itaguaí, Helen Senna.
Esquema criminoso na saúde
A própria Christiane, servidora do Hospital Cardoso Fontes e moradora de Itaguaí, encaminhou outra denúncia contra o prefeito da cidade por cometimento de fraudes na contratação da organização social CEPP (Centro de Excelência em Políticas Públicas), para a administração da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do município. Para que a contratação ocorresse, o prazo para a licitação, 20 dezembro de 2019, foi ampliando em mais oito dias. Até então haviam apresentado propostas somente duas firmas.
Após a mudança, outras duas, a Unir e a CEPP, também apresentaram seus envelopes de propostas. Uma delas, a CEPP, acabou ‘vencendo’ a concorrência. A Unir apresentou uma proposta de valor bem mais elevado, levando a crer que sua participação foi só uma fachada para encobrir a preferência pela vencedora.
Outro dado reforça a hipótese de favorecimento: o fato de a CEPP não possuir os requisitos exigidos para participação no certame, inclusive sendo alvo de recursos administrativos visando a sua desabilitação, interpostos por um das concorrentes, o Instituto de Técnica e Gestão Moderna. O recurso foi negado pela Prefeitura.
Os procedimentos licitatórios também apresentam sérias ilegalidades, na medida em que não houve a publicidade exigida em lei. Não houve publicação no Diário Oficial do Estado nem em jornal diário de grande circulação. Com isto, foi desrespeitado o princípio constitucional da isonomia, tendo em vista que outras empresas potencialmente interessadas foram impedidas de participar da licitação, que acabou se tornando secreta, levando ao favorecimento. Todas estas ilegalidades impediram a apresentação de propostas de preços mais vantajosas, não tendo existido, na prática, qualquer licitação.
A empresa não foi devidamente habilitada e não apresentou a documentação a tempo nem as autenticou, havendo fraude e evidente violação ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório.
Esquema existe desde Sérgio Cabral
Apesar de ter sido a escolhida para administrar a UPA, a CEPP contratou uma terceira empresa, a Doctor Vip, para intermediar a contratação de médicos, numa flagrante fraude trabalhista. A CEPP se chamava CEP 28, Centro de Estudos e Pesquisas 28, e está envolvida em diversos esquemas de corrupção no estado. A denúncia estima a existência de um esquema em Itaguaí comandado pelo prefeito.
A denúncia explica que a CEPP pertence a Eduardo Casotti Louzada, ex-secretário de saúde de Angra dos Reis, que possui negócios e ligações com Leandro Braga. Leandro foi preso em maio último na Operação Favorito, desdobramento da Lava Jato, como figura-chave na área da saúde no município do Rio. A operação apura desvios em contratos envolvendo organizações sociais. Deflagrada pela Polícia Federal e Ministério Público Federal (MPF), em 15 de maio deste ano, a Favorito prendeu o ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), Paulo Melo, e o empresário Mário Peixoto. As investigações identificaram vínculos de negócios entre os dois.
A CEPP contratou a Doctor Vip, de Clébio Lopes — conhecida do governo do estado e do município do Rio de Janeiro por esquemas fraudulentos na saúde — para contratar médicos para a UPA de Itaguaí, num processo que se repetiu em outras prefeituras e na rede estadual de saúde. Segundo a denúncia, ‘trata-se de um evidente esquema para roubar a cidade de ltaguaí e manter a continuidade de um sistema de corrupção latente’. Clébio Lopes, conhecido como Jacaré, está intimamente ligado a Leandro Braga.
Crivella também tem proximidade com investigados
De acordo com o MPF, o grupo do empresário Mário Peixoto buscou usar a pandemia do novo coronavírus para expandir seus negócios. Os procuradores dizem que foram encontrados indícios que indicam a movimentação da organização criminosa em relação a contratos para a instalação de hospitais de campanha. Entre os crimes investigados estão corrupção, peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Segundo o Ministério Público, há ligações financeiras irregulares entre Leandro e Clébio Lopes, que têm contratos também com a Prefeitura do Rio de Janeiro. A denúncia diz que, para desviar dinheiro dos cofres públicos, Leandro usou uma conta de Clébio. A conta da Imagem Transportes foi utilizada em um depósito de R$ 5 mil, como comprovam mensagens trocadas entre Clébio e Leandro, interceptadas com autorização da Justiça.
Clébio aparece em foto ao lado de Crivella numa reunião no Palácio da Cidade, em outubro do ano passado. Durante a reunião, segundo fontes ouvidas pelo RJ2, o prefeito teria indicado a Doctor Vip para as OSs contratadas pela Prefeitura. Leandro é sócio da empresa LP Participações LLC, em Orlando. Na semana passada, o RJ2 da TV Globo mostrou que a nora do prefeito do Rio, Maressa Crivella, também era sócia da empresa. Dois dias após a exibição da reportagem, ela deixou a sociedade.