A formação de uma Comissão Parlamentar Mista para pressionar o Ministério da Saúde a adotar soluções que minimizem a crise da rede federal foi o principal encaminhamento da audiência pública realizada na tarde desta segunda-feira (26/4) pela Comissão de Saúde da Alerj. A ser composta por deputados federais, estaduais e vereadores do Rio de Janeiro, a Comissão também vai pedir à CPI do Senado sobre a covid que incorpore, em suas investigações, todos os dados e documentos relativos à crise da rede federal de saúde do Rio, onde centenas de leitos foram interditados nos últimos meses, após a demissão em massa de profissionais contratados nos seis hospitais e três institutos geridos pelo Ministério da Saúde.
Com apoio de sindicatos, federações, confederações, associações, fóruns e conselhos profissionais da saúde, a Comissão Parlamentar Mista vai exigir ainda que o Ministério da Saúde explicite os termos do contrato celebrado com a Rede D’Or para cessão de espaços do Hospital Federal da Lagoa (HFL) àquele grupo privado. Um pedido de audiência com o atual ministro da saúde, Marcelo Queiroga, será protocolado pela Comissão, que também enviará ofício à Divisão de Patrimônio do Ministério da Fazenda para indagar sobre a existência de alguma cessão de patrimônio da União à Rede D’Or.
Intitulada ‘Hospitais Federais e a Falência da Alta Complexidade no Rio de Janeiro’, a audiência foi virtual e, entre seus encaminhamentos, aprovou que parlamentares, servidores da saúde e suas entidades representativas intensifiquem as pressões pelo cumprimento de todas as decisões judiciais que determinam a readmissão dos demitidos na rede federal, com destaque para a liminar concedida em março deste ano pela 23ª Vara Federal do Rio. A propositura de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) será um dos meios a serem utilizados pela Comissão Parlamentar nesse sentido. Uma ADI que, além de instar o STF a forçar o cumprimento de decisões judiciais, reafirme os dispositivos constitucionais que obrigam o Estado a prover a saúde pública da população brasileira por meio do SUS.
Outra importante proposta aprovada na audiência desta segunda (26) foi a de cobrar a imediata e plena reabertura do Hospital Federal de Bonsucesso, cujo funcionamento está comprometido desde o incêndio ocorrido na unidade, em outubro de 2020.
Críticas ao desmonte da rede federal do Rio
A audiência teve ativa participação de deputados federais, deputados estaduais, vereadores, servidores públicos, conselheiros de saúde, sindicatos e conselhos profissionais, que promoveram um qualificado debate sobre os rumos da saúde pública no país e no Estado do Rio de Janeiro.
“O Rio de Janeiro possui a maior rede pública de saúde do país. Infelizmente, existem muitos problemas nessa rede, agravados pela falta de informações e de transparência por parte do Ministério da Saúde. Queremos informações sobre a transferência de 50 leitos do Hospital Federal da Lagoa para a Rede D’Or. Também queremos uma solução para a crônica falta de recursos humanos, agravada após a demissão de milhares de contratados e a realização de um processo seletivo fraudulento.
O governo Bolsonaro não tem compromisso algum com a saúde da população. Precisamos resistir contra a entrega da saúde ao capital privado”, afirmou a deputada estadual Enfermeira Rejane (PCdoB), uma das primeiras a falar na audiência.
Representando o Sindsprev/RJ, a servidora Cristiane Gerardo não poupou críticas à política de saúde do atual governo. “A rede federal tem um déficit de recursos humanos superior a 8 mil servidores.
Mesmo assim, o Ministério da Saúde demitiu mais de 4 mil profissionais, por meio de uma grande fraude, que foi o processo seletivo simplificado número 14. Processo que desprezou a experiência desses profissionais, muitos deles com mais de 10 anos de atuação na rede federal de saúde. O pior é que tudo isso ocorreu em plena curva ascendente da covid. É criminoso o caos que o governo gerou na rede, e isto tem de ser denunciado à CPI da Covid no Senado. Agora, no texto da PEC 32, da reforma administrativa, o governo incluiu um dispositivo que permite à administração pública fazer acordos com a iniciativa privada para compartilhar estruturas públicas. O governo tem de ser responsabilizado pelos crimes que vem cometendo”, disse.
Demissão de contratados aumentou o caos na saúde
“Precisamos reafirmar que a saúde é direito de todos e dever do estado. A política do governo tem aprofundado o caos em toda a rede, levando ao fechamento de serviços de referência, como cardiologia, pneumologia, oncologia, além da falta de leitos, o que mostra uma situação desesperadora. Serviços como o Centro de Tratamento de Queimados, do Hospital do Andaraí, com 40 anos de existência, estão ameaçados. Já perdi a conta do número de vezes que cobramos do Ministério da Saúde a realização de concursos públicos, e nada aconteceu. O mesmo pode ser dito sobre as ações judiciais, até hoje não cumpridas. Não é possível que esta situação continue. Não é possível que hospitais públicos sejam geridos por empresas privadas”, frisou a deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ).
Durante a audiência, os participantes criticaram duramente a ausência do representante do Ministério da Saúde, que não atendeu ao convite da Comissão de Saúde da Alerj.
Presentes à audiência, os representantes da Secretaria Estadual de Saúde do Rio informaram que, a partir de tratativas com o Ministério da Saúde, em abril foram abertos 293 novos leitos para covid, número considerado insuficiente, dada a explosão na demanda por atendimento. Os representantes do Estado negaram a existência de um processo de estadualização da rede federal do Rio.
O vereador Paulo Pinheiro (PSOL) apresentou o resultado de um levantamento que ele produziu sobre a situação da rede federal do Rio. Segundo Pinheiro, atualmente a rede federal está com 797 leitos impedidos na rede federal, número três vezes superior ao de leitos impedidos nas redes estadual e municipal de saúde.
“A causa para este grande número de leitos impedidos é a insuficiência de recursos humanos. O governo federal está se lixando e não vai abrir leitos, como se pode depreender da postura do Superintendente do Ministério da Saúde no Rio, George Divério. Lamentavelmente, a Justiça brasileira não ajuda. Precisamos de uma medida com atuação tripartite dos três legislativos e exigir os necessários recursos humanos e materiais para a saúde”, ressaltou.
Representando o Sindicato dos Médicos do Rio (Sinmed-RJ), Alexandre Telles criticou a omissão do Ministério da Saúde e a ameaça de privatização. “O governo não faz concurso público, que é necessário para a sustentabilidade da rede pública. Não podemos permitir que a Rede D’Or se apodere das unidades públicas de saúde, não podemos aceitar a privatização da rede”, disse.
Desmandos do Ministério da Saúde no RJ
A deputada estadual Lucinha (PSDB) criticou os desmandos da gestão de saúde nas três esferas de governo. “No estado do Rio foram abertos hospitais de campanha, mas apenas um funcionou, e mesmo assim de forma precária. Tenho confiança de que a CPI da Covid vai apurar isto no Senado. O problema no Rio é falta de gestão e agora querem beneficiar a Rede D’Or, como se os servidores públicos fossem incapazes. Neste momento de pandemia deveríamos ter os hospitais federais trabalhando de portas abertas. Não podemos aceitar a privatização”, destacou.
“As pessoas estão adoecendo e morrendo diante de um governo federal completamente irresponsável. A PEC 32 visa acabar com o concurso público e as garantias necessárias à prestação do serviço público, que precisa de continuidade. Precisamos fazer um relatório para entregar à CPI da covid no Senado, denunciando o descaso e o que está havendo na rede federal do Rio”, frisou o deputado federal Paulo Ramos (PDT-RJ).
Dirigente da Fenasps (federação nacional), a servidora Lúcia Pádua destacou a urgência de recontratação dos profissionais demitidos. “Há uma imensa fila de pacientes esperando por leitos de covid e outras patologias na rede federal, mas temos esse mesmo número de leitos fechados na rede. Só no período da pandemia foram demitidos mais de 4 mil contratados. A readmissão desses profissionais é a forma mais rápida de reabrir esses leitos. Se não houve mudança na decisão proferida pela 23ª Vara Federal do Rio, que então esta decisão seja cumprida. A decisão precisa ter efetividade”, afirmou.
Também participaram da audiência a deputada estadual Martha Rocha (PDT), presidente da Comissão de Saúde da Alerj, e os deputados estaduais Waldeck Carneiro (PT), Rubens Bomtempo (PSB) e Mônica Francisco (PSOL), além de representantes de Cremerj, Coren-RJ, Ministério Público do Rio, Abrasco, Conselho Federal de Medicina, Fórum de Saúde do Rio e Conselho de Secretários de Saúde (Cosems).