Servidores de várias unidades da rede federal em greve protestaram, na manhã desta segunda-feira (8/7), contra a municipalização do Hospital Federal do Andaraí (HFA) iniciada na última sexta (5/7) pela ministra da saúde, Nísia Trindade. A manifestação começou com uma concentração em frente ao prédio administrativo do Hospital do Andaraí, na rua Gastão Penalva. Em seguida, os servidores fecharam a rua ao trânsito e colocaram um caixão no centro da via, para sinalizar seu repúdio a qualquer tentativa de transferência da gestão de unidades federais ao município do Rio.
Após cerca de duas horas de um ruidoso protesto contra os governos Lula (PT) e Eduardo Paes (PSD), uma comissão de dirigentes do Sindsprev/RJ e de servidores das unidades federais de saúde foi recebida pela direção-geral do Hospital do Andaraí. Na reunião, a direção do HFA alegou ter tomado conhecimento da municipalização na mesma sexta-feira (5 de julho) em que a ministra Nísia Trindade assinou e ordenou a publicação da Portaria nº 4.847, que autoriza a transferência do Hospital do Andaraí ao governo Paes (PSD).
“Precisaremos organizar uma resistência muito mais ampla, dentro e fora do Hospital do Andaraí, para derrotar a municipalização que a ministra Nísia quer nos empurrar goela abaixo. Por isso já entramos em contato com a coordenação de enfermagem do HFA para alertar sobre os perigos da municipalização, que pode descaracterizar por completo o hospital e transformar os atuais servidores em repassadores de serviço aos interventores que serão enviados pelo município do Rio”, afirmou Cristiane Gerardo, dirigente do Sindsprev/RJ.
Ação civil pública e representação ao TSE contra Portaria da municipalização
Outros encaminhamentos decididos pelos servidores foram: que o Departamento Jurídico do Sindsprev/RJ ingresse com ação civil pública contra a municipalização do Hospital Federal do Andaraí; e que o sindicato também ingresse com representação, junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), questionando a legalidade da Portaria nº 4.847. Isto porque, segundo o disposto no artigo 73 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 — também conhecida como ‘lei eleitoral’ —, nos três meses que antecedem o pleito eleitoral está vedado “realizar a transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito”.
“Quero aqui lembrar que a validade da Portaria 4.847, editada pela ministra Nísia, expira a três dias do primeiro turno do processo eleitoral e que, portanto, ela terá que prorrogar a Portaria ou fazer a entrega do Hospital do Andaraí ao município. Qualquer um desses atos, no entanto, são considerados ilegais e não deveriam ocorrer, segundo a legislação eleitoral. A Portaria 4.847 também é ilegal porque, segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal, não existe previsão para a transferência de recursos na forma definida por Nísia Trindade, o que pode levar ao enquadramento da ministra por improbidade administrativa. Finalmente, a Portaria 4.847 também é ilegal porque, em nenhum momento, a ministra Nísia ouviu ou consultou as instâncias do SUS, como os conselhos federal, estadual e municipal de saúde, além de conselhos gestores”, explicou Cristiane Gerardo.
Aos gritos de “a nossa luta é todo dia porque saúde não é mercadoria” e “fora municipalização”, os servidores radicalizaram nas críticas aos governos Lula (PT) e Paes (PSD). “Municipalização faz mal à saúde e, se ela for concretizada, como querem Lula e Eduardo Paes, todos nós seremos atingidos. A municipalização de unidades federais de saúde é movida por interesse financeiro, pelo interesse no gigantesco orçamento dos hospitais federais. Atualmente a rede municipal de saúde do Rio vive uma completa falência. Por que então entregar as unidades federais de saúde ao município do Rio, que sequer consegue fazer as unidades municipais funcionarem adequadamente? Se o governo Lula (PT) estivesse realmente preocupado com a saúde pública e com a situação da rede federal, ele faria concurso público e acabaria com a precarização. Fora município, fora Ebserh. A saúde pública tem de ser respeitada”, frisou Sidney Castro, da direção do Sindsprev/RJ.
“Governo Lula (PT) está criminalizando mobilizações da rede federal”
“O governo Lula (PT) está criminalizando as mobilizações da rede federal. Recentemente, a Advocacia-Geral da União [AGU] pediu a ilegalidade da greve e também insultou o Sindsprev/RJ. A privatização não deu certo em nenhum lugar do Brasil. Vejam o que acontece com os trens urbanos do Rio, onde a população vive martirizada, ou com a Cedae, que oferece serviços caros e péssimos. Não vamos permitir que o crime de municipalizar a rede federal de saúde seja consumado. A porta de entrada ao serviço público tem que ser via concurso, como está na Constituição”, destacou Paulo Sergio Farias, presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) no Rio de Janeiro.
Servidora do Hospital Federal dos Servidores do Estado (HFSE), Carla Letícia Oliveira reforçou as críticas. “O governo Lula infelizmente não pensa nos pacientes e sabe que o único desejo do município do Rio é ter acesso ao orçamento dos hospitais federais. Temos que lutar contra isto. Sabemos o nosso valor. Sabemos o que fazemos de benefício à população usuária dos hospitais públicos. Não aceitamos a municipalização”, disse.
“Há cerca de oito dias, a Câmara dos Deputados realizou uma audiência pública no auditório do Sindsprev/RJ, confirmando nossa posição contrária a qualquer forma de privatização da rede federal, incluindo a municipalização. Agora vemos a vergonha que é a ministra Nísia Trindade topar a entrega da rede ao grupo político do Centrão no Congresso Nacional. Desde que o SUS foi criado, ele vem sofrendo todo tipo de ataque. Lembro que, na rede municipal do Rio, pacientes estão morrendo por falta de recursos humanos e de materiais. Defendemos um SUS único, com recursos públicos, sem municipalização, sem Ebserh e sem privatização”, completou a servidora Maria Socorro Setúbal Ferreira, que também é dirigente do Sintrasef-RJ.
Por um SUS 100% público, estatal e sob controle dos trabalhadores
“Queremos o SUS com gestão plena, queremos o município fora das unidades federais de saúde. Não vai ter arrego. Não vamos aceitar a municipalização. O município do Rio não cuida nem das unidades de saúde sob responsabilidade dele, que dirá das unidades federais”, ressaltou a enfermeira Líbia Bellusci. Representando o Fórum de Saúde do Rio, a pesquisadora Maria Inês Bravo também repudiou a municipalização. “A privatização não é solução. Não é possível aceitar que a ministra da saúde abra mão de um SUS cem por cento público, estatal e sob controle dos trabalhadores. É hora de lutar com todas as nossas forças contra a municipalização”, disse.
Entre as falas que se revezaram no carro de som do Sindsprev/RJ durante o ato no Andaraí chamou a atenção a que apresentou denúncias do autoritarismo praticado pela atual diretora-geral do Hospital Federal de Ipanema (HFI), Selene Maria Rendeiro Bezerra. Segundo os servidores do HFI, a gestão de Selene vem assediando, ameaçando de corte de ponto e até de demissão os servidores do hospital que participam das mobilizações de greve, o que é inaceitável.
Presidente da Comissão de Saúde da Câmara Municipal do Rio, o vereador Paulo Pinheiro (PSOL) compareceu à manifestação para expressar seu total apoio aos servidores em greve. “Precisamos entender quem está entregando as unidades federais de saúde ao Eduardo Paes. E quem está entregando os hospitais federais ao Eduardo Paes é o Ministério da Saúde, a partir de um acordo eleitoral entre os governos federal e municipal do Rio. A rede municipal está a cada dia mais privatizada. Em 2009 havia 29 mil servidores, mas agora são 18 mil. Se o Hospital do Andaraí for definitivamente entregue ao município do Rio, o hospital será completamente destruído. Não podemos aceitar. Fora a saúde privada!”, declarou.
“Sou servidora do Inca há 14 anos e só estou lá durante esse tempo porque o Inca nunca foi municipalizado. A rede municipal de saúde não atende às demandas da população e, na relação com os servidores, não prioriza o concurso público, o que gera situações de precarização e grande incerteza. Da mesma forma que a saúde, o município do Rio quer agora privatizar a educação pública. Temos que lutar contra isto”, afirmou Tatiany Araújo, servidora do Inca.
Sindicatos pelegos são proibidos de falar nos atos da greve
Durante a manifestação desta segunda-feira (8/7), os organizadores lembraram que a palavra não seria franqueada a dirigentes e representantes dos sindicatos de médicos (Sinmed-RJ) e dos enfermeiros (SindEnf-RJ), entidades que não mobilizaram suas bases para lutar contra a indecente proposta salarial do governo e que tudo fizeram para boicotar a greve da rede federal. “Não podemos fingir que está tudo bem. Nós do Sindsprev/RJ queremos a unidade com outros setores, mas os outros setores têm primeiro que fazer uma autocrítica de sua postura e também mobilizar suas bases para construir a greve conosco. Enquanto isto não for feito, esses sindicatos não terão voz nas nossas mobilizações. Nossa prioridade agora é derrotar a política safada de Eduardo Paes e Daniel Soranz”, explicou Sidney Castro.
“Quero parabenizar todos vocês que estão hoje lutando contra a municipalização do Hospital do Andaraí e que estão há 54 dias em greve. Uma greve legítima. A municipalização do Andaraí é uma aberração, é um crime. Infelizmente a ministra Nísia Trindade mentiu o tempo todo para os trabalhadores, quando disse que sua intenção não era privatizar ou municipalizar a rede federal. Não aceitamos a entrega da rede ao governo Paes”, frisou Osvaldo Mendes, dirigente do Sindsprev/RJ e atual presidente do Conselho Municipal de Saúde do Rio de Janeiro.
“O governo Lula (PT) ataca a rede federal e o Sindsprev/RJ porque sabe que somos um empecilho às tentativas de municipalizar e privatizar a rede federal. Uma rede que, mesmo com déficit de 8 mil servidores, abriu 300 leitos e realizou milhares de cirurgias, consultas e procedimentos de alta complexidade. Os governos Lula [PT] e Paes [PSD] querem nos transformar em moeda de troca do acordão eleitoral que fizeram para o pleito deste ano. Mas não vamos aceitar”, concluiu Cristiane Gerardo.