O arcabouço fiscal é um mecanismo que bloqueia não apenas o investimento, mas a capacidade do Estado de fazer políticas públicas. O alerta foi feito pelo jornalista e professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC Paulista (UFABC), Gilberto Maringoni, em artigo publicado no site Outras Palavras.
Maringoni alerta que o arcabouço fiscal, ao contrário do que afirma o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, acaba sendo essencial para viabilizar o encolhimento da capacidade de investimento estatal e induzir a oferta de serviços públicos via parcerias público privadas, ou seja, a privatização do setor. “Nisso, potencializa a política de juros altos do BC independente, que também solapa o investimento público. São gêmeos siameses, inseparáveis”, afirma.
Maringoni acrescenta que não adianta o governo atacar os juros altos se constrói um mecanismo que bloqueia não apenas o investimento, mas a capacidade do Estado fazer políticas públicas para além de medidas fragmentadas (embora muitas vezes importantes individualmente) e incapazes de alterar a lógica financista das prioridades de política econômica.
Avalia que a pressa do governo, negociada com o Congresso Nacional, de aprovar a iniciativa rapidamente, visa impedir o debate sobre as suas consequências para o país.
“Este esforço visa impedir qualquer debate amplo. Não é à toa que o ministro da Fazenda discutiu suas bases com a Faria Lima, com o mundo das finanças e com o presidente do BC, mas não com movimentos ou organizações sociais”, lembra. “A tramitação do arcabouço nega um dos pilares das políticas públicas petistas dos anos 1990, que era o orçamento participativo. O arcabouço é o orçamento não-participativo”, avalia.
Modelo neoliberal
Para o professor, o arcabouço fiscal não representa uma contraposição ao Banco Central independente, mas seu complemento lógico. “Dá continuidade à dinâmica neoliberal em nossa economia”, acrescenta.
Frisa que as políticas de privatização, empreendidas no Brasil a partir dos anos 1990, tinham dois objetivos essenciais.
O primeiro era arrecadar divisas extras para o Estado cumprir os crescentes compromissos do pagamento de juros da dívida pública e o segundo, retirar do poder público a capacidade decisória sobre políticas de infraestrutura – transportes, comunicações, energia etc.
“Ou seja, tirar o desenvolvimento da agenda nacional.
O pretexto é que as decisões nessa área deveriam ser “técnicas” e os investimentos seriam melhor alocados pela iniciativa privada, garantindo assim eficiência, competitividade e preços baixos”, enfatiza.
Trava fiscal
Para Maringoni, quando a blindagem do BC para o debate e para a pressão social se soma a construção de uma trava para o investimento público – como o teto de gastos ou o arcabouço fiscal – o que se faz é afastar do poder eleito a possibilidade de fazer projetos de desenvolvimento, políticas industriais, melhoria de serviços públicos, ampliação do mercado interno via proteção ao mundo do trabalho etc.
Sublinha que quando se agrega à trava fiscal limites de 0,6% a 2,5% e de 70% ou 50% de qualquer coisa nos patamares do gasto público, sem explicação alguma para tais números, na verdade se dá um banho de loja “técnico” a decisões políticas. “E atende-se, assim, a reclamos do capital privado para que a arrecadação dos impostos e a riqueza coletiva sejam direcionados para objetivos também “técnicos”, como relação dívida/PIB, ou realização de superávits primários, coisa que em si seriam virtuosas para a economia”.