Dirigentes sindicais ouvidos pelo Sindsprev/RJ condenaram a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que na última quarta-feira (6/11), por 8 votos a 3, julgou constitucional emenda do governo Fernando Henrique Cardoso, aprovada pelo Congresso Nacional, em 1998, autorizando a contratação de servidores através da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Para os sindicalistas, a decisão é o mais duro ataque ao serviço público e aos direitos dos servidores, ampliando o sucateamento dos serviços prestados, prejudicando a população.
Na opinião dos dirigentes, a decisão antecipa o plano do governo Lula, de flexibilizar a forma de contratação, não apenas permitindo que seja feita através da CLT e não mais pelo Regime Jurídico Único (RJU), mas através da terceirização para posterior privatização, com a entrega de amplos setores a grupos privados, e da prática irrestrita de contratos temporários.
Decisão amplia desmonte – Para o diretor do Sindsprev/RJ, Sidney Castro, a decisão do Supremo significa, na verdade, o fim do serviço público e do concurso público, uma política que já vem sendo traçada pelo governo Lula. “Nos hospitais federais este ataque aos direitos do funcionalismo e ao serviço público já vem acontecendo, com a terceirização destas unidades pelo governo federal e a não obrigatoriedade da realização de concurso, não apenas no Rio de Janeiro, como a nível nacional”, denunciou.
Sidney Castro disse ainda que o projeto do governo é entregar estes hospitais a grupos terceirizados, como é o caso do grupo Conceição. “O governo alega que (o Grupo Hospitalar Conceição) é uma empresa pública, mas que pode fazer contratação de celetistas, e não mais servidores públicos, regidos pelo RJU. Isto mostra que o governo não tem mais interesse em fazer concurso e sim processos seletivos simples para contratar celetistas, e que já vinha se antecipando à decisão do STF”, argumentou.
STF antecipa reforma administrativa de Lula e Arthur Lira – Segundo Thaíze Antunes, diretora da Federação Nacional (Fenasps), mesmo sem aprofundar a análise dos impactos da decisão do STF, já é possível dizer que o que o Supremo fez foi basicamente operar a contrarreforma administrativa defendida por Arthur Lira e já desenhada de forma infralegal pelo governo Lula, sendo flexibilizada a possibilidade de contratação de outros regimes no âmbito de toda a administração pública “Abre a possibilidade para o fim do serviço público (Regime Jurídico Único) e da estabilidade que garante segurança para que o servidor possa realizar seu trabalho sem se submeter aos desmandos do poder, ocasionando o aprofundamento do desmonte dos serviços públicos e liberando o processo de precarização irrestrita das relações de trabalho”, argumentou.
Classificou a decisão como mais um ataque gravíssimo contra a classe trabalhadora e, certamente, um aceno para o “mercado”, fazendo coro com o ajuste fiscal e também indo na linha do chamado pacote “antipovo”, a ser anunciado por Lula, com mais cortes de verba do Orçamento da União para as áreas sociais, para cumprir as exigências do Novo Arcabouço Fiscal (NAF).
“Com a decisão, a União, os estados e os municípios passam a ter a liberdade de contratar servidores públicos fora do regime estatutário, em outras modalidades. Um dos impactos, além da precarização das relações de trabalho e total insegurança jurídica, é a quebra de isonomia entre os servidores que desempenharam as mesmas atividades”, alertou.
O presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Paulo Farias, criticou a decisão do STF de validar a emenda constitucional de FHC, que acabou com a exigência obrigatória da contratação de servidores públicos pelo regime jurídico único. “Abre caminho para a precarização no serviço público, e que por extensão, prejudica diretamente a população. A principal segurança que a sociedade tem é a estabilidade do servidor público contra as irregularidades praticadas, contra desvios e atos que de certa forma maculam a imagem do serviço público. A estabilidade do servidor é a garantia da sociedade de um serviço público de qualidade e essa emenda é exatamente o contrário”, afirmou.
Governo já vinha driblando exigência do RJU – Paulo Américo, diretor do Sindsprev/RJ e servidor do INSS, disse que o julgamento do Supremo faz parte da política neoliberal do Estado mínimo, que fragiliza as relações de trabalho, num ataque ao RJU. “Este é um projeto que vem desde os anos 1990. Hoje o emprego público já é uma forma usada de contratação no serviço público, inclusive pelo próprio governo, o que é possível ver em várias áreas, inclusive no processo de fatiamento dos hospitais federais”, frisou.
Lembrou que em audiência recente, o Grupo Conceição, que o governo colocou para administrar o Hospital Federal de Bonsucesso, anunciou que fará a contratação de celetistas. “Essa tem sido uma tendência, se o governo antes não podia fazer este tipo de contratação, usava uma empresa pública terceirizada para fazer, como é o caso do Grupo Hospitalar Conceição” afirmou.
Desmonte no INSS – O dirigente acrescentou que ataques semelhantes vêm acontecendo no INSS. “É o que combatemos na greve do INSS, que é a possibilidade de criar artifícios para ampliar ainda mais a terceirização e contratar através de emprego público (CLT). O governo quer atacar as carreiras, o que terá impacto negativo sobre a remuneração e a valorização dos servidores. É um processo de desmonte que parece irreversível, do ponto-de-vista dos governantes, para cortar custos nas áreas sociais e nos direitos, no emprego e na remuneração do setor público”, afirmou.
Thaize acrescentou que esta realidade só reafirma a denúncia que os servidores do INSS fizeram durante os mais de 100 dias em que estiveram em greve chamando atenção da sociedade de que o governo já estava operando uma reforma administrativa infralegal. Destacou que uma das principais pautas da greve visava justamente proteger o INSS, enquanto patrimônio do povo brasileiro e a carreira do seguro social que é a responsável pela execução desta importante política de previdência, da terceirização e do sucateamento.
Entenda a decisão do STF – Em 2000, PT, PDT, PCdoB e PSB questionaram, no Supremo, pontos da reforma administrativa do governo FHC, aprovada em 1998. Entre eles, a determinação do fim do regime jurídico único. Contestaram a forma como o Congresso aprovou a mudança na Constituição. Para os partidos, houve irregularidade no processo legislativo, já que o texto da emenda não foi aprovado em dois turnos pela Câmara e pelo Senado.
Em 2007, o STF suspendeu a aplicação da regra, até uma decisão definitiva sobre o caso. Com isso, a flexibilização caiu e a obrigação do regime jurídico único voltou a vigorar.
Agora, em 2024, o Supremo concluiu o julgamento do mérito da ação, ou seja, o questionamento sobre a validade da mudança feita pelos parlamentares. O tribunal entendeu que o processo de mudança na Constituição foi regular. Por 8 a 3, os ministros concluíram que não houve violação ao processo legislativo.
Prevaleceu o voto do ministro Gilmar Mendes, que foi acompanhado pelos ministros Nunes Marques, Flávio Dino, Cristiano Zanin, André Mendonça, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. A relatora, Cármen Lúcia, e os ministros Edson Fachin e Luiz Fux consideraram que a medida era inconstitucional.