Imoral. Este talvez seja o melhor termo para resumir o depoimento do atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, feito nesta quinta-feira (7/5), aos senadores da Comissão Parlamentar de Inquérito do Genocídio. “Não sei”, “Não posso afirmar” e “não posso emitir juízo de valor” foram expressões usadas à exaustão pelo médico cardiologista que, pela profissão, teria o dever moral e ético de entregar o cargo por não poder concordar com a política de Bolsonaro de total boicote aos protocolos de prevenção à covid-19 e de defesa de teses anticientíficas, como o uso não comprovado de medicamentos como a hidroxicloroquina e a ivermectina.
Evitou de todas as formas criticar a política negacionista do presidente da República, tendo o cuidado de dizer que ele, Queiroga, como médico, não era contra o isolamento social, o uso de máscaras, não aconselhava o uso da cloroquina e estava empenhado em ampliar a aquisição de vacinas. Seu comportamento irritou os senadores da CPI do Genocídio. O presidente, Omar Aziz (PSD-AM), chegou a chamar a sua atenção: “Preciso lembrar que Vossa Excelência está aqui como testemunha. Tem obrigação de responder objetivamente às perguntas: sim ou não para não ter, futuramente, problemas pessoais”, advertiu.
Amigo do clã Bolsonaro
Amigo de longa data da família Bolsonaro, Queiroga tentou eximir o presidente de responsabilidade nas milhares de mortes. Fez isto para se manter no cargo e, como bolsonarista, para defender o chefe.
O resultado é que a CPI deve decidir nos próximos dias que Queiroga será convocado novamente, logo que a primeira rodada de depoimentos chegar ao fim.
Queiroga se recusou a dizer se concorda ou não com a posição do presidente sobre uso da cloroquina no ‘tratamento precoce’ da Covid-19, apesar da insistência do relator Renan Calheiros (MDB-AL) e do presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM). Foi questionado diversas vezes pelos senadores se concordava com as declarações recentes de Bolsonaro de que a China teria fabricado em laboratório o novo coronavírus como parte de uma guerra química. Repetiu o que disse em relação a outras várias perguntas: que não podia emitir ‘juízo de valor’ sobre declarações do presidente.
Atropelado pelo comando paralelo
Disse desconhecer a existência de um comando paralelo que ditava a forma de combater a pandemia, passando por cima do ministério da Saúde, como denunciou o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta em seu depoimento à CPI. No entanto, disse não ter sido consultado sobre a elaboração de um decreto de Bolsonaro para impedir estados e municípios de determinarem medidas sociais restritivas para redução do contágio. Esta autonomia foi garantida pelo STF diante da recusa do governo em contratar vacinas, determinar o isolamento social e o uso de máscaras.
Perguntado se concordava com a autonomia de estados e municípios para decretar o lockdown, disse que sim.
Mas rechaçou a tomada desta medida nacionalmente. Disse que não autorizou o uso da cloroquina, mas evitou criticar Bolsonaro por fazê-lo desde o início da pandemia publicamente.
Quem será ouvido
Nesta semana, a CPI já ouviu os ex-ministros da Saúde Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, além de Marcelo Queiroga. Na próxima semana vão depor: Antônio Barra Torres, presidente da Anvisa, quinta-feira (11/5); Fabio Wajngarten, ex-chefe da Secretaria de Comunicação do governo federal, quarta-feira (12/5); e Marta Díez, presidente da Pfizer no Brasil, e seu antecessor, Carlos Murillo, na quinta-feira (13/5).
O ex-ministro Eduardo Pazuello vai depor no dia 19. Ele seria o segundo a depor na CPI. Mas ficou com medo e alegou estar com suspeita de estar com covid-19.
Uma das linhas de investigação dos senadores na CPI, é se Bolsonaro teria intencionalmente adotado a estratégia de tentar atingir ‘imunidade de rebanho’ sem vacinas, o que confirmaria a tese do genocídio. A segunda é a da existência de um comando paralelo, ilegal, chefiado por Bolsonaro, com funcionamento no terceiro andar do Palácio do Planalto, e que dita as normas de tratamento da pandemia, passando por cima do ministério da Saúde. Além da recusa na contratação de vacinas e orientação sobre o uso de cloroquina e a compra de milhões de reais do medicamento.
Bolsonarista de carteirinha
Pouco antes da sua posse, Queiroga, o quarto ministro da Saúde não foi tão cuidadoso, não economizando elogios a Bolsonaro e Pazuello, que deixou o cargo devido às constantes pressões para sua retirada, sobretudo após a negligência que culminou no colapso das unidades de saúde no Amazonas, somada à lentidão no programa de vacinação.
Queiroga aceitou comandar a pasta depois que a cardiologista Ludhmila Hajjar recusou convite de Bolsonaro, alegando divergências com o presidente sobre as estratégias de combate à pandemia, postura totalmente inversa ao que foi demonstrado por Queiroga, também cardiologista e presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia em entrevista pouco antes da sua posse.
“O governo está trabalhando. As políticas públicas estão sendo colocadas em prática.
O ministro Pazuello anunciou todo o cronograma da vacinação. A política é do governo Bolsonaro. A política não é do ministro da Saúde. O ministro da Saúde executa a política do governo. Ministro Pazuello tem trabalhado arduamente para melhorar as condições sanitárias do Brasil e eu fui convocado pelo presidente Bolsonaro para dar continuidade a esse trabalho”, disse Queiroga, que ainda foi além na exaltação ao governo, afirmando que o presidente está “muito preocupado com essa situação”.
“Ele [Bolsonaro] tem pensado nisso diuturnamente. Vamos buscar as soluções. Não tem vara de condão”, afirmou o ministro da Saúde, que já havia sido indicado por Bolsonaro, em dezembro de 2020, para ser um dos diretores da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), restando apenas a votação do Senado.